ESTADÃO - Julia Lindner, Mateus Vargas e Mariana Haubert
Dia 26.08.2019
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto
informou na noite desta segunda-feira, 26, que rejeitará a ajuda de US$ 20 milhões, equivalente a R$ 83 milhões, prometida nesta segunda pelo G-7, o grupo
de países mais ricos do mundo, para auxiliar no combate a incêndios na Amazônia. A decisão foi tomada após o presidente da
França, Emmanuel
Macron, dizer que não
descarta a possibilidade de conferir um status internacional à floresta, caso
líderes da região tomem decisões prejudiciais ao planeta.
Interlocutores do
presidente Jair
Bolsonaro afirmam que
qualquer anúncio de apoio feito sem diálogo direto com o Brasil será rejeitado.
“Acreditamos que o assunto deve ser encapsulado como uma questão sul-americana,
dos países amazônicos, e não como um tema global”, disse um aliado do
presidente. A intenção do Planalto é recusar a ajuda capitaneada por Macron,
restringindo a cooperação a países da região amazônica e aliados do presidente,
como Israel e Estados Unidos.
Segundo pessoas
próximas, o presidente não conversou com o presidente francês, Emmanuel Macron.
Caso ele queira ajudar o Brasil, afirmam que terá de pedir para falar com
Bolsonaro. Mais cedo, o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a dizer que a verba seria “excelente” e “bem-vinda”. Mas cobrou autonomia do País na utilização do
dinheiro.
“Quem vai decidir
como usar recursos para o Brasil é o povo brasileiro e o governo brasileiro”,
disse, em um evento em São Paulo. O ministro ainda cobrou de países
desenvolvidos um crédito de US$ 2,5 bilhões (o equivalente a R$ 10 bilhões) que
o País teria, segundo ele, de acordo com os termos do Protocolo de Kyoto.
“Desde 2005, o Brasil tem cerca de 200 milhões de toneladas de gás carbônico em
MDL, mecanismo de desenvolvimento limpo, para receber. Pedimos para que os
países desenvolvidos, incluindo o G-7, nos ajudem a quitar a fatura.”
O anúncio de
recursos para a Amazônia foi feito pela manhã, na França, por Macron e pelo
presidente do Chile, Sebastián Piñera – que apesar de não integrar a cúpula
agiu na condição de observador. A verba seria usada principalmente para o envio de aviões para apagar
o fogo na região.
Além disso, o G-7 estaria elaborando um plano de ajuda a
médio prazo destinado ao reflorestamento, que seria apresentado na
Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas no fim do mês que vem. Hoje, no âmbito do Acordo de
Paris, o Brasil se
propõe a reduzir as emissões de gás carbônico em 37% em relação a 2005, e prevê
restaurar 12 milhões de hectares de florestas e alcançar desmatamento ilegal
zero na Amazônia brasileira até 2030.
Soberania
A decisão do
presidente francês, de trabalhar o assunto no G-7 mesmo contra a vontade do
governo brasileiro, motivou desde o princípio dúvidas se não haveria um
enfrentamento à soberania brasileira. “Este não é o quadro da iniciativa que
estamos tomando, mas é uma questão real que se impõe, se um Estado soberano
tomar medidas concretas que obviamente se opõem ao interesse de todo o
planeta”, disse Macron. “As conversas entre (Sebastián) Piñera (presidente do
Chile) e Bolsonaro não vão nessa direção, acho que ele está ciente desse
assunto”. “Em qualquer caso, quero viver com essa esperança.”
Há dúvidas sobre
qual seria o grau de interferência sugerido.
Em francês, a palavra “statut” é
utilizada tanto para definir status como estatuto (no caso uma regulamentação).
A questão também não é nova: em 1983, a premiê britânica Margaret Thatcher
sugeriu que “os países subdesenvolvidos que não pudessem pagar suas dívidas
vendessem seus territórios”. Já o ex-presidente Francês François Miterrand
sugeriu que o Brasil admitisse “soberania relativa” sobre a área. Em 2000, o
americano Al Gore, famoso pela ação ambientalista, chegou a dizer que a
Amazônia “pertence a todos”.
Macron se limitou a
dizer agora que essa intervenção internacional “é um caminho que permanece
aberto e continuará a florescer nos próximos meses e anos”. “A questão é tal no
plano climático que não podemos dizer ‘este é um problema só meu’. É o mesmo
para aqueles que têm espaços glaciais em seu território ou que afetam o mundo
inteiro.” Ele garantiu, no entanto,
que construiu a iniciativa que será proposta às Nações Unidas “para respeitar a
soberania de cada país”.
A fala do francês
veio após o presidente Bolsonaro acusá-lo de ter uma “mentalidade colonialista”
por exigir ação internacional a respeito da região. À noite, o porta-voz da
Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, rebateu as declarações. “Sobre a
Amazônia falam brasileiros e as Forças Armadas.”
Nos bastidores, o
governo brasileiro se mantém em oposição ao francês e tenta impedir que Macron
ganhe algum lucro político com o episódio. A avaliação é de que Macron
fracassou na reunião de países do G-7 ao tentar responsabilizar Bolsonaro pelas
queimadas na região amazônica e discutir o tema sem a presença dos principais
atores envolvidos. Um dos sinais disso é a declaração final do encontro, que
não incluiu a Amazônia, mostrando que não houve consenso sobre o tema entre os
líderes de Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e
Canadá.