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© Tomas Sereda / Getty Images A Basílica de São Pedro, em Roma:
críticas vindas da Igreja podem ser mais um capítulo na crise de imagem do
Brasil
No último domingo
(25), o papa Francisco falou sobre os incêndios na Amazônia, antes de rezar o
Angelus com os fiéis na Praça de São Pedro, no Vaticano. "Estamos todos
preocupados com os grandes incêndios que se desenvolveram na Amazônia. Oremos
para que, com o empenho de todos, sejam controlados o quanto antes. Aquele
pulmão de florestas é vital para o nosso planeta", disse o chefe máximo da
Igreja Católica.
O discurso do papa
tocou em um assunto que é motivo de preocupações a 8.901 quilômetros dali, no
Palácio do Planalto, em Brasília. A repercussão internacional das queimadas ao
longo da semana passada reavivou no governo de Jair Bolsonaro (PSL) a
preocupação com possíveis críticas ao governo brasileiro no Sínodo da Amazônia.
Trata-se de uma
reunião de bispos dos países da região amazônica com o papa Francisco para
discutir a atuação da Igreja Católica na área.
O encontro acontece
de 6 a 27 de outubro, em Roma. Participarão do encontro 102 bispos de nove
países, sendo 57 brasileiros. Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru,
Suriname, Venezuela e Guiana Francesa (departamento ultramarino da França)
também enviarão representantes.
Um revés no Sínodo
contribuiria para aumentar o desgaste internacional do país. Nos últimos dias,
a atuação do governo brasileiro na área ambiental foi criticada por líderes
estrangeiros. A crise na Amazônia foi debatida no último fim de semana na
reunião do G7, fórum que reúne algumas das maiores economias do mundo.
No começo desta
semana, o Itamaraty decidiu suspender as férias de todos os embaixadores
brasileiros na Europa e em países que integram o G7. Trata-se de um esforço
para responder à crise de imagem provocada pelas queimadas, segundo a agência
de notícias Reuters.
Na semana passada,
o governo brasileiro despachou para a Itália o novo embaixador brasileiro junto
à Santa Sé, o diplomata de carreira Henrique da Silveira Sardinha Pinto - o
nome dele foi aprovado pelo plenário do Senado em meados de junho. O diplomata foi
instruído a tratar da questão do Sínodo com representantes do Vaticano.
Que a Igreja se atenha aos 'limites'
O ministro-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, falou sobre
o tema ao jornal O Estado de S. Paulo, no começo desta semana. Segundo Heleno,
o governo espera que o encontro se limite a questões religiosas - sem fazer críticas
a governos específicos ou a políticas públicas dos países da região.
"A nossa
expectativa é de que não haja problema para o governo e nem nenhum
desentendimento com a Igreja", disse Augusto Heleno ao jornal O Estado de
S. Paulo. "Nós temos promovido ótimas reuniões com o Sínodo, não só aqui,
mas em Roma, e está se encaminhando para se ter uma atividade dentro do que foi
previsto, que não vai exceder os limites do que a Igreja se propôs a fazer. É o
que nós esperamos."
O Brasil é o país
com a maior população católica do mundo - e embora a porcentagem de evangélicos
tenha crescido nos últimos anos, os católicos ainda são maioria. No Censo de
2010, 64,4% dos brasileiros disseram seguir a Igreja Católica. Críticas vindas
da Santa Sé costumam repercutir politicamente no Brasil.
Além disso, o
próprio presidente Jair Bolsonaro se declara católico.
Apesar da
expectativa de Heleno, o documento preparatório para o Sínodo aborda pontos
incômodos para o governo. Chamado oficialmente de "Instrumentum Laboris",
o texto de 146 pontos menciona os termos "governo" e
"governos" dez vezes. Foi elaborado com consultas às comunidades da
região - inclusive com o auxílio de uma organização ligada à Igreja, o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi).
Segundo o documento
preparatório, as comunidades amazônicas consideram como principais ameaças a
seu modo de vida a chegada de madeireiras (legais e ilegais); o assassinato de
seus líderes, a caça e a pesca predatórias, a contaminação gerada pelo garimpo
e os grandes projetos de infraestrutura - rodovias, ferrovias, portos, entre
outros pontos.
"Segundo as
comunidades participantes nesta escuta sinodal, a ameaça à vida deriva de
interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade atual, de
maneira especial de empresas extrativistas, muitas vezes em conivência, ou com
a permissividade dos governos locais, nacionais e das autoridades tradicionais
(dos próprios indígenas)", diz o ponto 14 do texto, que foi divulgado em
meados deste ano.
Henrique da
Silveira Sardinha Pinto, o diplomata que representará o Brasil junto à Santa
Sé, falou sobre o assunto em sua sabatina na Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional do Senado, no fim de maio.
"O Itamaraty,
sim, tem se interessado pelo assunto, tem feito contatos em alto nível na Santa
Sé para manifestar a nossa preocupação, o nosso interesse pelo resultado do
trabalho que vai ser levado a efeito em Roma. Aguardamos, portanto, com
interesse esse resultado", disse ele aos senadores, na ocasião.
"A percepção é
a de que nós consideramos que se trata de um evento importante, que chama a
atenção do governo, sobretudo, na fase preparatória, na fase mais de base da
preparação dos documentos havia conceitos e ideias que preocuparam o governo
brasileiro. Isso foi certa forma já expresso por algumas de nossas
autoridades", afirmou ele.
Segundo Paulo
Fernando Carneiro de Andrade, professor do departamento de Teologia da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, o sínodo é uma instituição
bastante antiga da Igreja. É uma reunião realizada pelo papa com seus bispos de
determinada região ou tema, para definir uma estratégia para a Igreja num
determinado assunto. É um encontro mais restrito que um concílio - que abrange
bispos do mundo todo.
"O papa
Francisco tem reforçado a necessidade de termos uma igreja mais sinodal, isto
é, com mais participação dos bispos na orientação da igreja", diz ele, que
concluiu o doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
A palavra
"sínodo" vem de dois termos gregos: "syn", que significa
"junto" e "hodos" - "estrada", ou
"caminho". Desde que assumiu o comando da Igreja, em março de 2013,
Francisco já realizou dois sínodos: um dedicado à família (2015), e outro aos
jovens (2018).
De acordo com
Andrade, a realização de um sínodo sobre a Amazônia é coerente com os temas dos
quais Francisco tratou em sua carta encíclica Laudato Si' ("Louvado
Sejas", em italiano). O subtítulo do texto é "Sobre o cuidado da casa
comum". No texto, o papa critica uma busca irresponsável do
desenvolvimento econômico e o consumismo exagerado - e faz um apelo contra a
degradação ambiental e pela luta contra a mudança climática.
"Normalmente,
o sínodo segue esta estrutura: ele parte de um documento de trabalho, o
'Instrumentum Laboris', e é concluído com uma série de recomendações, que dizem
respeito à atuação da Igreja. O papa pode responder com uma carta apostólica,
por exemplo", diz Andrade. Sugestões feitas durante sínodos resultaram em
medidas importantes nos papados de Paulo 6º (1963-1978), hoje canonizado, e de
João Paulo 2º (1978-2005), acrescenta ele.
Reorganização da Igreja na Amazônia
Além de questões
sociais mais amplas, o sínodo sobre a Amazônia também tratará de questões
organizativas da Igreja. Um dos pontos mais polêmicos é a possibilidade de
ordenar como padres homens mais velhos, especialmente indígenas - mesmo que sejam casados -
em regiões remotas. O celibato, isto é, a abstenção de relações sexuais, é
exigida dos sacerdotes católicos.
Segundo Paulo Suess
- teólogo e padre de origem alemã que foi secretário-geral do Cimi - o Sínodo
está focado em questões da organização da Igreja na Amazônia. O protestantismo
têm crescido na região, diz ele, e por isso é preciso que os católicos reforcem
sua presença entre as comunidades locais.
"Precisamos de
uma descentralização urgente, e não é a tecnologia que vai resolver isso. É a
multiplicação dos ministérios (pessoas com funções dentro da religião). Se
colocamos muitos obstáculos para o acesso aos ministérios, o resultado é que
teremos poucos ministros. Isso abre caminho para grupos protestantes que, às
vezes, agem sem qualquer respeito pela cultura dos povos", diz ele, que é
hoje assessor teológico do Cimi.
O cientista social
Luis Ventura é um dos coordenadores do Cimi na região Norte do país - e
participou do processo de audiências para o Sínodo. Segundo ele, a consulta às
populações amazônicas se estendeu de meados de 2018 até março de 2019. Ao todo,
mais de 200 encontros foram realizados em vários países amazônicos.
Segundo ele, o
governo federal se reuniu com os responsáveis pela organização do Sínodo em
várias ocasiões. "Nunca teve nenhuma negativa (a conversar com as
autoridades)". "O sínodo não é convocado para atacar nenhum governo.
Foi convocado em 2017. Mas quando a Igreja pensa na sua forma de organização e
de presença (na Amazônia), não faz isso de forma distante da realidade. Ela
olha para a realidade e para os desafios que estão postos", diz Ventura.
Igreja começou a se afastar de militares
nos anos 1970
Embora defenda
valores tradicionais em temas como casamento, sexualidade e família, a Igreja
Católica, no Brasil, se distanciou há muito tempo de visões consideradas
"de direita" em temas como reforma agrária e povos indígenas.
Na tese de
doutorado "Amazônia: pensamento e presença militar", a cientista
política Adriana Aparecido Marques, professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), diz que os militares começaram a se estranhar com a Igreja
Católica após a criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 1972.
Até então, segundo
a professora, militares e religiosos trabalhavam em conjunto para
"integrar" indígenas à sociedade brasileira, fazendo com que
abandonassem sua cultura e incorporassem a língua portuguesa e a fé cristã.
As Forças Armadas
consideravam o Catolicismo uma religião "nacional" ao passo que
desconfiavam de igrejas evangélicas, vistas como agentes de nações
estrangeiras.
Os militares
contavam com os missionários católicos para impedir que indígenas na Amazônia
deixassem o território brasileiro rumo a países vizinhos, onde missões
protestantes vinham oferecendo assistência médica e educacional às comunidades
nativas.
A criação do Cimi
bagunçou essa lógica. A organização surgiu com o pretexto de preservar a
cultura indígena, e não mais catequizar. Padres e missionários católicos
passaram a apoiar indígenas em seus pleitos para a demarcação de terras e a
expulsão de invasores.
Dois dos principais
expoentes do movimento são os bispos eméritos Erwin Krautler, da prelazia do
Xingu (PA), e Pedro Casaldáliga, da prelazia de São Félix (MT).
Hoje o órgão diz
atuar junto a mais de 180 povos indígenas brasileiros, respeitando o
protagonismo dos grupos e "dentro de uma perspectiva mais ampla de uma
sociedade democrática, justa, solidária, pluriétnica e pluricultural".
A nova postura
incomodou militares, que sempre se opuseram à existência do que consideram
"enclaves étnicos" dentro do Brasil, temendo a criação de Estados
autônomos em áreas indígenas. O advento do Cimi
também gerou atritos entre a igreja e representantes políticos de grandes
fazendeiros - animosidade que persiste até hoje.
Teologia da Libertação
Outro fator que
afastou a Igreja Católica de parte da direita brasileira foi a difusão da
Teologia da Libertação, movimento católico que interpreta a fé cristã à luz de
problemas sociais como a pobreza e a desigualdade.
A partir dos anos
1970, o movimento participou da disseminação no Brasil das Comunidades
Eclesiais de Base. Esses grupos influenciaram o surgimento de movimentos
sociais e partidos políticos que se opunham à ditadura militar, como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Partido dos
Trabalhadores (PT).
A Teologia da
Libertação perdeu espaço na Igreja Católica no papado de João Paulo 2º
(1978-2005). Em 2017, o papa Francisco disse que o movimento "teve
aspectos positivos e desvios".
Segundo o
pontífice, os teólogos da libertação erraram ao abordar a realidade de forma
marxista, abraçando conceitos como a luta de classes.
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