MÚSICA

Sgt. Lenin's Lonely Hearts Club Band

ESTADÃO - Carlos Castelo

"We all live in a red submarine / Red submarine, red submarine"
(Lennon / McCartney)
 



© Fornecido por S.A. O Estado de São Paulo
(Foto: Antonio Rodrigues)

Em março de 1957, empolgado com a mistura de jazz, blues e danças foclóricas russas que Erich Fromm popularizou na Inglaterra, John Lennon criou uma banda composta por colegas da Quarry Bank School. Nela estava seu melhor amigo na época, o trotskista Pete Shotton.  

A primeira formação foi chamada de "The Reds", mas logo mudou para The Quarrymen - numa homenagem à escola. Além dos dois, a banda era composta por Eric Griffths (violão), Bill Smith (baixo) e Rod Davis (balalaica).

Em julho do mesmo ano, Paul McCartney assistiu a uma apresentação deles numa festa do Partido Comunista Inglês. Ivan "Engels" Vaughan, amigo de John e colega de classe de Paul, fez a ponte entre os dois. Paul foi convidado a ingressar no The Quarrymen e logo lhe mostrou a sua composição "I Lost My Little Girl in Moscow".

Em fevereiro de 1958, o militante anarquista e guitarrista George Harrison juntou-se ao grupo. Foi apresentado por Max Horkheimer, professor de Lennon, que teria conhecido George durante uma palestra sobre o preceito materialista dialético no universo mítico da música pop.

Apesar da relutância de Lennon em aceitar George - ele não lera os gregos -  Horkheimer insistiu muito. Dias depois, quando o anarquista leu em voz alta seu TCC sobre Rosa Luxemburgo, acabou sendo aceito com louvor.

Lennon e McCartney tocavam guitarra rítmica durante esse período. Tudo corria bem até o baterista oficial do Quarrymen, Colin "Politburo" Hanton, deixar a banda, em 1959. Foi após uma discussão com os outros membros sobre o verdadeiro ponto de vista gramsciano relacionado à maiêutica socrática. Stuart Sutcliffe, ex-aluno da escola de sociologia e política de Liverpool, assumiu o contrabaixo em janeiro de 1960.

Sutcliffe sugeriu ao conjunto o nome  "The Lenins", em homenagem à Revolução Russa. Após uma turnê na Tchecoslováquia, por ciúmes de Paul, trocaram o nome para The McLenins. As rusgas continuavam e decidiram, por fim, usar The Beatles - um nome que não significava nada e evitava atritos pequeno-burgueses entre os músicos.

Quatro dias após a entrada do novo baterista, o ativista soviético Piotr Bestvitch (cujo codinome era Pete Best), o grupo partiu para uma turnê na Albânia. Lá, eram obrigados a se apresentar sete noites por semana e provavelmente estimulavam-se com drogas, entre elas a leitura de "O Capital".  Após uma noitada de anotações seguidas sobre capítulos da gigantesca obra,  George, o mais novo, teve uma overdose de Karl Marx e acabou deportado para a Inglaterra.

Em 24 de janeiro de 1962,  os Beatles assinaram um contrato de cinco anos com o filósofo Theodor Adorno e ele tornou-se o empresário oficial da banda. Com Adorno dando as cartas, o primeiro passo foi mudar a imagem dos integrantes, substituindo as roupas de couro por uniformes inspirados nas vestimentas de Mao Tse-tung.

Além de compor todas as músicas da banda, Adorno era dono de uma gravadora alemã, a Escola de Frankfurt, cujo sócio era Herbert Marcuse.  Nessa época, os dois apostaram na banda inglesa buscando passar através dela suas ideias niilistas e destrutivas à sociedade inglesa.

John, Paul, George e, mais tarde, o baterista Ringo superaram todas as expectativas de Adorno. Cruzaram o Canal da Mancha e invadiram o mundo. O fato não seria previsto nem pelos mais experientes astrólogos, já que os Beatles mal sabiam tocar violão.


Morre o cantor e compositor João Gilberto aos 88 anos
© Wilton Júnior/Estadão João Gilberto durante show no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2008

ESTADÃO - Julio Maria

 O cantor e compositor João Gilberto, um dos criadores da bossa nova, morreu neste sábado, 06/07/2019, segundo uma postagem de seu filho João Marcelo nas redes sociais. A causa da morte ainda não foi confirmada pela família. "Meu pai morreu. Sua luta foi nobre, ele tentou manter a dignidade à luz da perda da independência. Agradeço minha família por estar aqui por ele", escreveu o filho do cantor.

João Gilberto era o próprio violão. Calado para o mundo, ruidoso consigo mesmo, percutia as ideias em sua caixa de ressonância de forma que só quem estivesse próximo o escutasse. Na vida em monastério que adotou por anos, seguia invisível e em total silêncio, abrindo a porta de seu apartamento apenas para poucos, como a filha Bebel Gilberto, a ex-namorada Claudia Faissol e sua filha com ela, Lulu.

João não estava pronto para se tornar um gigante. Nunca entendeu bem o que era isso. Menino de Juazeiro da Bahia, nadou nas águas do São Francisco e beijou garotas da vizinha Petrolina como se fosse normal. E era, até o dia em que avistou um caminhão vindo por uma estrada que cruzada sua cidade. Ao amigo que o acompanhava, disse como se recitasse uma oração: “Veja lá aquele caminhão, que maravilha. As árvores estão acariciando sua cabeça.” Árvores, pássaros, chuva, tudo parecia mais importante a seus olhos e ouvidos do que os próprios homens.

Mas a história estava em suas mãos. Filho do comerciante Juveniano Domingos de Oliveira e da católica Martinha do Prado Pereira de Oliveira, a Patu, João viveu em terras juazeirenses até 1942, aos 11 anos, quando seguiu para estudar em Aracaju. Juazeiro ainda o teria de volta quatro anos depois, quando o violão que o pai lhe deu começou a ganhar as primeiras carícias. A Rádio Nacional lhe trazia o mundo e João flutuava ao som de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Chet Baker e Carmen Miranda. O primeiro grupo, Enamorados do Ritmo, veio logo, e Juazeiro ficou pequena.

A cidade que o recebeu na sequência teria sério papel na formação de seu caráter artístico. Aos 18 anos, em Salvador, já trabalhava com carteira assinada na Rádio Sociedade da Bahia, em Salvador. Não havia ainda desenhado o formato voz e violão, mas seguia os mandamentos de Orlando Silva tentado imitá-lo, por mais que o moderno já fossem Dick Farney e Lúcio Alves. O grupo vocal Garotos da Lua o chamou e lá se foi, ainda sem a obrigação com o violão, gravar dois discos em 78 rotações.

O Rio de Janeiro fervia na segunda metade dos anos 50, e foi para lá que João seguiu, aos 26 anos, em 1957. Sem muitos recursos, seguia a trilha de quem queria ser alguém com um violão debaixo do braço. Cantou para quem poderia fazer a diferença, como o cantor Tito Madi, mas teve mais sorte ao cair nas graças do produtor e também violonista Roberto Menescal. 

O violão de João virava a vedete. Bim Bom, uma das primeiras que apresentou aos círculos de artistas no Rio, já trazia o caminhão com a carroceria cheia. A levada uniforme deslocando acentos fortes para lugares incomuns, a harmonia abrindo picadas onde ainda ninguém havia passado, a mão que fazia acordes fazendo também percussão. E a voz. A voz de João deixava as tentativas da impostação e partia para o que fazia o trompetista Chet Baker quando cantava. Volume baixo e notas de longa duração, limpas, sem vibrato. João, depois de acreditar no violão, passava a ter fé no fio da própria voz.

E, então, fez-se a Bossa Nova. Era julho de 1958 quando Elizete Cardoso aparecer com o disco Canção do Amor Demais, com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Ao violão em duas das faixas, Chega de Saudade e Outra Vez, João Gilberto. E era só a ponta da cabeça de um baiano que se revelaria por inteiro um mês depois. 

Em agosto, João, já uma aposta de Tom Jobim, Dorival Caymmi e Aloysio de Oliveira, grava seu próprio 78 rotações com Chega de Saudade e Bim Bom, gravado pela Odeon.

Se acabasse aqui, a missão de João já estaria completa. O que ele fez foi pouco e simplesmente tudo. Criou um violão brasileiro e, sobre ele, ajudou a fundar um gênero. Seguiu na formatação de sua proposta com o seguinte 78, em 1959, que trazia Desafinado, de Tom e Newton Mendonça, e Hô-bá-lá-lá, música de sua autoria. E ainda traria seu LP Chega de Saudade, definindo-se como um acontecimen-to. “Em pouquíssimo tempo, (João) influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”, escreveu Tom na contracapa do disco.


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