CORREIO BRAZILIENSE - Cláudia Dianni
© Maurício Torres/Fapesp O biólogo e cientista norte-americano Philip
Fearnside
De acordo com o
biólogo e cientista norte-americano Philip Fearnside, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), é preciso se preocupar com os
impactos dos incêndios na Amazônia nas mudanças climáticas já que, quando
queimam, as florestas liberam gás carbônico e metano, o que contribui para o
aquecimento global e novos incêndios. De acordo com o cientista, as madeiras
queimadas tornam a floresta mais vulnerável a outros incêndios ainda mais
intensos. Os dois fenômenos contribuem para um ciclo vicioso, que colocar a floresta
em risco.
Para ele, governo,
sociedade e setor produtivo precisam tomar consciência dos serviços ambientais
prestados pela Amazônia. “É muito importante que o próprio governo assuma a
responsabilidade que tem, mantendo o trabalho dos agentes ambientais e as
políticas. O país precisa deixar esse sentimento de que está sendo enganado,
pois o interesse de preservar a floresta é do próprio país” disse, com relação
à ajuda internacional. Fearnside pesquisa agro-ecossistemas tropicais,
desmatamento, degradação ambiental e impactos das hidrelétricas na Amazônia.
Ele vive em Manaus há mais de vinte anos.
Qual a gravidade dessas queimadas? É
possível atribuir a causa à seca?
O que está
acontecendo está completamente fora do padrão e está diretamente relacionado ao
surto de desmatamento que vem ocorrendo desde maio, como mostrou o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Basta ver como os focos coincidem com
os municípios onde há mais desmatamento. O Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam) divulgou análise de dados meteorológicos dos últimos anos. A
seca deste ano está dentro do padrão e não há a presença do fenômeno El Ninõ,
este ano, que reduz o volume das chuvas. Então, o que explica é o discurso do
presidente, a falta de aplicação de multas, o aviso prévio antes de fazer ações
de fiscalização. Tudo isso tem um componente simbólico que levaram fazendeiros
a se organizar.
Quais as consequências desses
incêndios?
Queimadas são
diferentes dos incêndios. As queimadas são usadas para agricultura ou pastagens
e precisam ser feitas de forma controlada. Incêndios podem ser provocados ou
terem causa natural. Os incêndios estão escapando para a floresta, coisa que
acontece mais em secas extremas, e isso é muito perigoso. Quando o fogo entra
na floresta, ela fica mais vulnerável a incêndios futuros. Isso porque há um
acúmulo de madeira morta. Quando tiver outra seca, o fogo entra com chamas
maiores e isso cria um ciclo vicioso que vai destruir a floresta. Também tem o
efeito da ação dos madeireiros, seja legal ou ilegal.
Eles amarram as árvores e
puxam com tratores, mas só levam os troncos valiosos, que interessam. Ficam os
troncos e os galhos, além disso, quando arrastam, outras árvores são mortas, ao
serem derrubadas no processo, mas ficam ali. E essa madeira morta
favorece outros incêndios. As aberturas nas copa das floresta, onde entra o sol
e o vento, vão ressecando a floresta, o que também favores incêndios.
Além disso, as
queimadas liberam gás carbônico e metano que aquecem o clima. Com quatro
incêndios como este, não há mais floresta. Isso é algo muito perigoso, porque
foge ao controle. E não se trata apenas do efeito estufa, que é uma
preocupação mundial, mas também da reciclagem de água, pois a Floresta é
responsável pelo vapor d’água e pontos de chuvas em São Paulo, no Centro- Sul
do Brasil e também em países vizinhos. Entre dezembro e fevereiro, a Floresta
Amazônica é responsável por 70% da água de São Paulo. Sem a floresta, essa
chuva não ocorre. Sem água, a produção agrícola está ameaçada. Eu acho que
foi muito importante esse fenômeno de São Paulo, quando a fumaça escureceu o
dia. Isso é bom para que o país acorde. Governo, sociedade e setor produtivo
precisam tomar consciência dos enormes serviços ambientais que a floresta
presta a todos, antes que seja tarde.
É possível recuperar a floresta
queimada?
A recuperação pode
acontecer, mas é difícil. É mais fácil recuperar áreas degradadas. A área a ser
recuperada tem que ser defendida. Não podem acontecer novos incêndios, tem que
monitorar, não deixar entrar para explorar madeira. Então, envolve gastos. Uma
floresta pode se regenerar, mas leva muito tempo, 70 ou 80 anos para ter uma
floresta secundária considerada razoável. Mas, na prática, não é isso o que
acontece. Ninguém vai ficar décadas e décadas esperando recuperar a floresta.
Acabam transformando em pastagens ou grilagem.
Como o setor do agronegócio pode
ajudar a conter isso, já que é parte interessada ?
Há coisas que
agronegócio pode fazer, pois o presidente não ouve cientistas, mas ouve o agronegócio.
Por exemplo, tem uma forte tendência a afrouxar o licenciamento ambiental e até
dispensar para o agronegócio, por meio de projeto de lei. Além disso, o governo
quer descentralizar o licenciamento concentrando nos estados, o que torna o
licenciamento mais fácil e isso é muito perigoso.
Basta lembrar Brumadinho, que
teve licenciamento estadual. Nos estados, os grupos de interesse estão mais
próximos dos poder público e conseguem mais influência. Isso também é uma
tendência, que vem acontecendo nos últimos anos, com relação a barragens de
usinas hidrelétricas. Então, o agronegócio pode ajudar, com suas
lideranças, com uma influência positiva, afinal, foi o Blairo Maggi (empresário
do agronegócio e ex-ministro da Agricultura do ex-presidente Michel Temer), que
convenceu o presidente Bolsonaro a não acabar com o ministério do Meio
Ambiente, como ele queria, porque isso levantaria barreiras aos produtos
brasileiros no comércio internacional. O problema é que há muita negação sobre
as mudanças climáticas entre os produtores. Isso é algo que eles têm que
enfrentar pois é do próprio interesse deles reconhecer.
E o governo?
A primeira coisa é
trocar o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles). Não é possível manter
nesse cargo uma pessoa que é contra o meio ambiente. Ele violou o acordo com a
Noruega e a Alemanha (doadores do Fundo Amazônia) e acabou com o comitê
que analisa os projetos, e tentou desviar os recursos para compensar pessoas
que praticam desmatamento ilegal (o ministro propôs usar recursos do fundo para
indenizar proprietários rurais em unidades de conservação).
É muito importante
que o próprio governo assuma a responsabilidade que tem, mantendo o trabalho
dos agentes ambientais e as políticas. O país precisa deixar esse sentimentos
de que está sendo enganado, pois o interesse de preservar a floresta é do
próprio Brasil. É preciso reconhecer isso antes que seja tarde, o que envolve
conduzir as ações normais do meio ambiente, pesquisar, conservar, monitorar,
multar e também pensar na obras que vão abrindo novas áreas de desmatamento,
pois são obras que geram transformações em décadas.
Tudo que é feito no governo
do Bolsonaro, por exemplo, vai afetar a região durante décadas. O mais
dramático agora é a proposta de reabertura da Rodovia BR-319, o que Bolsonaro
prometeu quando esteve em Manaus (em julho). Essa rodovia, que liga Manaus ao
Arco do Desmatamento (região que apresenta maiores índices de
desmatamento, onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta. São 500
mil km² do sudeste do Pará para o oeste, passando por MT, RO e AC), o que
leva todos os fatores de desmatamento para o centro da Amazônia.
E há
outros projetos para outras estradas, que vão ligar grandes blocos de floresta,
no oeste do estado do Amazonas, a florestas nativas. Isso gera muitas
consequências e vai levando a processos que escapam do controle do governo . O
governo decide fazer uma estrada, mas depois de feito, aumenta a população, são
milhares de pessoas espalhadas, o que gera uma dinâmica de desmatamento que foge
ao controle do governo, como se vê com as queimadas que estão acontecendo
agora.
O congelamento dos recursos do Fundo
Amazônia, pela Alemanha e Noruega, gera muitas consequência?
É uma coisa que tem
várias consequências porque muitas coisas são feitas com esse dinheiro. É
importante que a ajuda internacional proponha outros caminhos para continuar as
atividades, destinando os recursos diretamente para organizações que vão lidar
com o meio ambiente, pois o Ministério do Meio Ambiente está atuando do outro
lado e isso é chave para entender o que aconteceu.
Que mensagem o senhor daria aos
ambientalistas. Há muito frustração no meio?
É muito importante
não cair no pessimismo. E isso é muito comum, pois os problemas da Amazônia são
tão grandes, que parece que não vai ter solução. Não pode ser fatalista. Mas
esse raciocínio também se aplica ao pensamento de que tudo se resolver por si e
não é preciso fazer nada. Tem que se conscientizar dos problemas e ter
ação.
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