(*)
Por Edmilson Costa*
Na semana relativa ao período de 16 a 20.12.2024 a
oligarquia financeira, especialmente os rentistas em geral, realizaram um
violento ataque especulativo contra o real, cujo resultado foi a elevação do
preço do dólar para R$ 6,30, num movimento artificial com o objetivo de
chantagear o Congresso e o governo por mais austeridade fiscal e aumento dos
juros. Esse ataque ocorreu justamente no momento em que o Congresso discutia o
pacote econômico elaborado pelo ministro Fernando Haddad e visava fazer com que
os congressistas fizessem mudanças no documento com vistas a cortar mais
gastos, atingindo justamente os setores mais pobres da população, de forma a
que a rapinagem financeira pudesse desviar ainda mais recursos do fundo público
para os rentistas.
O Banco Central,
dirigido pelo bolsonarista raiz Campos Neto poderia ter realizado intervenção
no mercado mediante operações de swaps cambiais[1] ou venda de dólar para deter
o ataque especulativo no nascedouro (o Brasil tem reserva de U$ 360 bilhões,
suficientes para deter qualquer movimento especulativo), mas o BC apenas lavou
as mãos e só começou a realizar os leilões cambiais quanto o estrago já estava
feito. O mais grave nesse processo é o fato de que o novo presidente do Banco
Central Gabriel Galípolo e o presidente Lula resolveram chancelar a chantagem
do mercado. Galípolo encontrou uma desculpa rasa, ao negar que não houve um
ataque especulativo contra o real porque o mercado não age de maneira
coordenada, e Lula convocou uma entrevista para dizer que não vai interferir na
política do Banco Central na nova administração.
O que se torna
estranho é o fato de Galípolo, um homem do mercado financeiro, que conhece bem
as tramas dessa gente, ter tirado da cartola um argumento que não se sustenta.
Ora, em um movimento especulativo não existe uma ação coordenada de 100% dos
atores, isto é apenas uma tautologia. Mas no mercado financeiro, dominado pelos
dez maiores conglomerados, basta a ação do núcleo duro para que os outros
atores sigam o exemplo. E foi exatamente o que aconteceu. Os capas pretas da
rapinagem financeira se movimentaram e o resto acompanhou. Simples assim: o
argumento de Galípolo apenas livra a cara dos rentistas. E o presidente Lula,
ao dizer que não vai pressionar o Bacen, mesmo sabendo que estão programados
mais dois cavalares aumentos de juros, deu carta branca de antemão à
especulação financeira. As consequências disso veremos em breve.
Mas o que é um ataque
especulativo? É um evento em que os agentes do mercado (grandes fundos de
investimentos, investidores institucionais ou especuladores em geral) decidem
realizar operações coordenadas para desvalorizar a moeda nacional em relação à
moeda estrangeira. Estes agentes vendem no mercado de câmbio grandes
quantidades de reais para adquirir moeda internacional, no caso brasileiro, o dólar.
Esse movimento aumenta a oferta de reais no mercado, pressionando sua
desvalorização. Esta ação também pode ocorrer mediante a realização de
contratos futuros, por meio dos quais os agentes apostam na desvalorização do
real, pressionando a moeda nacional e, consequentemente, levando à valorização
do dólar.
Os ataques
especulativos ocorrem quando os agentes especuladores percebem fragilidades no
governo e na economia ou apostam que o Planalto não será capaz de defender a
moeda. Nessa conjuntura, criam um clima artificial de pânico, ampliado pelos
meios de comunicação alinhados ao mercado, sempre que medidas governamentais
não lhe agradem plenamente, como o recente pacote fiscal. Esse clima de pânico
pode gerar um efeito manada envolvendo também as empresas, que buscam se
proteger da desvalorização, o que amplia ainda mais a pressão sobre a moeda
nacional. Mas o importante a ressaltar é que, com o ataque especulativo, a
rapinagem financeira ganha muito dinheiro num prazo curto e ainda pressiona
pelo aumento dos juros, com o que irá ganhar novamente mais dinheiro, num ciclo
vicioso de permanente assalto ao fundo público.
Consequências da
desvalorização do real
Antes da implantação
da política neoliberal no início dos anos 90 com o governo Collor, poderíamos
considerar o Brasil como uma economia com efetiva proteção à indústria
nacional, mediante a Lei do Similar. A Lei do Similar taxava muito fortemente a
importação de produtos estrangeiros desde que existisse similar fabricado no
Brasil. Mas a radical abertura comercial da economia no governo Collor expôs a
indústria nacional à concorrência estrangeira, o que levou à desarticulação e à
quebra de vários ramos industriais. O governo FHC aprofundou esse processo e
isso significou um maior coeficiente de importação de produtos em geral,
insumos industriais, componentes, o que tornou vulnerável a balança comercial
em função da importação desses produtos e quebrou vários setores da indústria
brasileira.
Quais os problemas da
desvalorização do real (e do aumento do dólar)? Esse processo encarece a
importação de insumos, combustível, componentes e produtos em geral, o que vai
pressionar os preços internos, uma vez que os empresários repassam os custos
para os consumidores, resultando num aumento da inflação. A desvalorização
também impacta no aumento dos custos de máquinas, equipamentos, insumos
industriais e tecnologias necessárias ao crescimento econômico, tendo em vista
que o departamento de produção de máquinas nacional não é capaz de suprir a
demanda por equipamentos mais sofisticados necessários à modernização do parque
produtivo. Ou seja, a desvalorização do real torna também mais cara a
modernização do parque industrial, desestimulando os investimentos produtivos.
O aumento da inflação
decorrente da desvalorização cambial afeta diretamente o custo de vida da
população e corrói o poder de compra das famílias, especialmente dos mais
pobres, que gastam a maior parte de sua renda com o consumo e são os mais
prejudicados com o aumento dos preços. Esta é uma dinâmica perversa: enquanto
os abutres financeiros ganham rios de dinheiro com a especulação e a
desvalorização cambial, o que aprofunda a concentração de renda, os
trabalhadores são os principais perdedores, porque são obrigados a reduzir seu
consumo e padrão de vida, ampliando a desigualdade social.
A desvalorização
cambial também aumenta o custo da dívida pública denominada em moeda
estrangeira, agravando o déficit fiscal, limitando a capacidade de o Estado
realizar políticas sociais e desenvolver infraestrutura, abrindo espaço para
que a oligarquia financeira reivindique novos ajustes fiscais para garantir o
equilíbrio da dívida. Além disso, o clima volátil pode estimular a fuga de
capitais, o que, por sua vez, pode agravar ainda mais a depreciação cambial. Em
outros termos, a saída de capitais enfraquece a moeda nacional e gera mais
instabilidade econômica. Alguém pode argumentar que a desvalorização cambial
vai beneficiar os exportadores porque torna os produtos nacionais mais
competitivos no exterior. Esta é uma falsa visão, uma vez que a maior parte dos
setores exportadores dependem de insumos importados.
O aumento dos juros e
o desastre econômico