quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Na véspera de Trump, Irã e Rússia assinavam um acordo histórico

"Potências eurasianas Rússia e Irã lançaram um desafio à ordem global liderada pelos Estados Unidos e mandaram um aviso a Trump", escreve Pepe Escobar



O presidente russo Vladimir Putin e o presidente iraniano Masoud Pezeshkian se encontram em Moscou, Rússia, em 17 de janeiro de 2025. (Foto: REUTERS/Evgenia Novozhenina/Pool)




Timing é tudo em geopolítica. Nessa última sexta-feira, em Moscou, apenas três dias antes da posse do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, em Washington, os líderes de dois membros da primeira linha dos BRICS, o Presidente russo Vladimir Putin e o Presidente iraniano Masoud Pezeshkian, assinaram um Acordo Abrangente de Parceria Estratégica detalhado em 47 artigos, o dobro dos artigos do recente acordo Rússia/Coreia do Norte.

Essa parceria estratégica está agora gravada indelevelmente em pedra, no mesmo momento em que a gigantesca e impagável dívida do governo dos Estados Unidos atinge o montante sem precedentes de 36,1 trilhões de dólares, equivalente a 106.400 dólares por cidadão americano, e no mesmo momento em que a participação dos Estados Unidos na economia global, pela primeira vez, cai abaixo de 15%, segundo dados do Banco Mundial/FMI.

Em nítido contraste, a parceria estratégica Rússia-Irã visa a solidificar ainda mais o esforço conjugado das principais organizações multilaterais visando a organização do novo mundo multimodal: BRICS+, Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e a União Econômica Eurasiana (UEEA).

Pode-se chamar a isso de um momento-marco no longo processo de integração da Eurásia hoje em curso. Ou, na intepretação de grande parte da Maioria Global, um desafio direto e soberano à moribunda “ordem internacional baseada em regras” imposta pelo Ocidente.

A ampla parceria estratégica Teerã-Moscou fortalece a cooperação nas áreas de segurança e defesa, colocando especial ênfase no desenvolvimento fluido do Corredor Internacional de Transportes Norte-Sul (CITNS), um eixo transeurasiano unindo Rússia, Irã e Índia, fortalecendo o Irã como como um importantíssimo nó de trânsito para o gás e as mercadorias russas vendidas a diversos parceiros afro-eurasianos.


 

Reescrevendo as leis da guerra assimétrica - É esclarecedor ressaltar a interpretação que o próprio Putin dá a essa parceria, a que ele chama de “documento divisor de águas”, que estabelece “metas ambiciosas” baseadas no “desenvolvimento sustentável”.

Ele acrescentou que Rússia e Irã estão alinhados no tocante à “maioria” das questões de política externa, ambos são países independentes e nações civilizacionais que “resistem a pressões externas e se opõem a sanções ilegítimas”.

O Chanceler iraniano Abbas Araghchi ressaltou que a parceria vem substituir o “unilateralismo por cooperação e respeito”, em um acordo destinado a fornecer à Rússia e ao Irã instrumentos para a construção de uma “nova ordem na qual a cooperação irá tomar o lugar da hegemonia, e o respeito substituirá a imposição”.

Agora, vamos ao cerne da questão. Embora o acordo não se configure como uma aliança militar formal, a parceria institucionaliza intercâmbio militar no nível mais elevado – desde exercícios conjuntos e desenvolvimento de armamentos a projetos de compartilhamento de inteligência.

É inevitável que Moscou venha a vender jatos de caça Sukhoi S-30 e mísseis Pantsir, Tok e Buk, além de sistemas de defesa S-400s (e, em um futuro próximo, S-500s) para a defesa aérea iraniana, ao mesmo tempo em que compra uma vasta gama de mísseis e drones fabricados no Irã. O intercâmbio na área de Inteligência Artificial também será fortalecido. Tanto o Irã quanto a Rússia estão na linha de frente da reformulação das regras da guerra assimétrica.

A parceria estipula que a Rússia fornecerá “assistência” ao Irã. Na prática, isso significa não apenas armamentos, mas também que Moscou defenderá Teerã contra ameaças diplomáticas, nas Nações Unidas e face a outras forças internacionais, minimizando os efeitos disruptivos das sanções econômicas.

E caso venha a acontecer um ataque contra o Irã, a Rússia, por todos os meios, se recusará a colaborar com o atacante: desde o não fornecimento de informações de inteligência até a não permissão de uso de território russo para ataques ou incursões.

A infraestrutura de energia é um pilar essencial da parceria, e terá como meta aumentar as chances do Irã em meio a uma economia interna em deterioração. A Rússia irá fornecer tecnologias de energia estado-da-arte a fim de desenvolver a vasta – embora ainda necessitando de modernização – infraestrutura energética iraniana, suas redes de dutos e o comércio de GNL (gás natural liquefeito) em constante expansão.

No dia da assinatura do acordo, o Ministro da Energia russo, Sergei Tsivilev, forneceu maiores detalhes sobre o novo acordo, com vigência de 30 anos, entre a Gazprom e a Empresa Nacional Iraniana de Gás (NICG), tratando de um gasoduto no Mar Cáspio, que incluirá o Azerbaijão, e provavelmente irá tentar convencer Baku a abandonar posturas regionais hostis. A Rússia irá cobrir os custos de infraestrutura e, essencialmente, fornecer gás ao Irã e a alguns outros países vizinhos.

O volume projetado de 55 milhões de metros cúbicos anuais à época da conclusão do projeto compara-se à capacidade dos Nord Stream gêmeos que abasteciam a União Europeia, clandestinamente sabotados pelos Estados Unidos, como revelado em 2022 pelo veterano jornalista investigativo Seymour Hersh.

Esse acordo energético é essencial para Teerã porque, embora detendo as segundas maiores reservas de gás de todo o planeta – 34 trilhões de metros cúbicos, menores apenas que as reservas russas – o país padece de falta de energia para uso interno, principalmente no inverno. A maioria das vastas reservas de gás iranianas não são exploradas devido às sanções dos Estados Unidos, que já duram décadas.

Aperfeiçoando o “laboratório do futuro” - No front geoeconômico, a Rússia e o Irã estão no centro de um dos principais corredores de conectividade do século XXI: o CITNS, que une três países BRICS (o terceiro sendo a Índia), que é imune a sanções e uma alternativa imensamente mais rápida e mais barata que o antes indispensável Canal de Suez.

O outro corredor é a Rota Marítima do Norte (RMNR), que cruza o Ártico, que os chineses chamam de Rota da Seda do Gelo, ou Rota da Seda Polar. A China define a si própria como um “estado próximo ao Ártico”.

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