Um tiro que atravessou fronteiras: o assassinato de Kirk transformou o epicentro do trumpismo e expôs a ruptura entre o sionismo político e ala “America First”
Por Reynaldo José Aragon Gonçalves (Jornalista Geopolítico)
Ativista e influenciador de extrema direita estadunidense, Charlie Kirk fala antes de ser alvo de um atentado a tiros, em evento na Utah Valley University, em Orem, Utah, EUA - 10/09/2025 (Foto: Trent Nelson/The Salt Lake Tribune via REUTERS)
A morte de Charlie Kirk, fundador do Turning Point USA e ícone da nova direita americana, detonou uma crise interna que já vinha latente: parte do movimento MAGA quer cortar o cordão financeiro e simbólico que une os EUA a Israel. Em meio ao colapso moral do genocídio em Gaza e à pressão internacional, Trump cedeu — e empurrou Netanyahu ao cessar-fogo. O caso Kirk é o gatilho que revelou a guerra civil dentro da própria direita global.
O Disparo que Ecoou no Oriente Médio
O assassinato de Charlie Kirk,
ocorrido em 10 de setembro durante um evento na Utah Valley University,
ultrapassou rapidamente o território do crime político para se tornar um
terremoto simbólico dentro do movimento MAGA. O episódio mobilizou a base
trumpista, reacendeu disputas internas e forneceu ao governo dos Estados Unidos
uma oportunidade de reconfigurar sua narrativa no exato momento em que a guerra
de Gaza já se tornava um fardo moral e diplomático. A sequência foi
meticulosamente administrada: a prisão imediata do suspeito, a comoção nas
redes, e o gesto calculado de Donald Trump ao conceder postumamente a Kirk a
Medalha Presidencial da Liberdade. O mártir estava criado, e com ele um novo
enquadramento simbólico para o poder — o da pacificação performativa.
A mesma semana marcou a consolidação
do cessar-fogo em Gaza, com Trump assumindo o papel de fiador do acordo e
exercendo pressão direta sobre Benjamin Netanyahu. O premiê israelense
resistiu, ausentando-se da cúpula realizada no Egito, mas o movimento já era
irreversível: a pressão doméstica, a fadiga de guerra e a erosão internacional
da imagem dos Estados Unidos exigiam uma virada de curso. A Casa Branca
percebeu a janela e aproveitou o luto como instrumento político. A figura do
presidente-estadista emergiu das cinzas da comoção, transformando um trauma
interno em legitimidade externa.
Não se trata de afirmar que um assassinato em Utah causou, sozinho, a suspensão dos bombardeios em Gaza. O que ocorreu foi um acoplamento estratégico de causalidades: a tragédia de Kirk funcionou como acelerador simbólico dentro de um processo já em marcha. A fadiga social com a guerra, as fissuras no MAGA entre doadores pró-Israel e isolacionistas, e o colapso moral do Ocidente diante das imagens de Gaza criaram o cenário ideal para que Trump reinterpretasse o próprio papel. O disparo que silenciou um ícone da direita americana reverberou como uma licença política — o som que permitiu ao presidente mover-se da retórica de confronto para a coreografia da paz, não por convicção humanitária, mas por puro instinto de sobrevivência.
A Guerra que Sairia do Controle
A guerra em Gaza, iniciada com a
promessa de “erradicar o Hamas”, tornou-se rapidamente o espelho de um colapso
moral global. O que o establishment político israelense e seus aliados no
Ocidente acreditavam ser uma operação de “legítima defesa” transformou-se, aos
olhos do mundo, em um genocídio transmitido em tempo real — uma sequência
interminável de corpos, ruínas e crianças soterradas sob a justificativa da
segurança nacional. A narrativa de “combate ao terror” perdeu tração. O
prolongamento da ofensiva não apenas multiplicava as vítimas, mas corroía a
imagem de Israel e dos Estados Unidos, que insistiam em respaldar o massacre
com ajuda militar e veto diplomático no Conselho de Segurança da ONU.