Em texto dirigido a Trump, presidente Lula reafirma disposição para negociações comerciais com os Estados Unidos
14 de setembro de 2025
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva - 26/08/2025 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
247 - “A democracia e a
soberania brasileiras são inegociáveis.” Foi com essa afirmação que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu o artigo publicado neste
domingo (14) no The New York Times. No texto, Lula defende
a legitimidade das instituições nacionais e alerta que nenhuma decisão externa
poderá interferir na democracia brasileira.
O artigo é um recado direto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Lula rebateu os argumentos apresentados por Washington e afirmou que a medida carece de justificativa econômica, revelando motivações políticas voltadas à proteção de Jair Bolsonaro (PL).
Críticas à tarifa americana
Segundo o presidente brasileiro, os
EUA acumulam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o Brasil nos
últimos 15 anos. Ele lembrou ainda que quase 75% das exportações americanas
entram isentas de tarifas no país. “O aumento tarifário imposto ao Brasil neste
verão não é apenas equivocado, mas também ilógico”, escreveu.
Lula citou relatos de que o vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria admitido a empresários brasileiros que as tarifas seriam parte de uma estratégia para buscar impunidade a Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por liderar uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado no Brasil.
Defesa das instituições democráticas
O presidente destacou a atuação recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou condenações de envolvidos nos atos golpistas. “Tenho orgulho do STF por sua decisão histórica, que salvaguarda nossas instituições e o Estado Democrático de Direito”, afirmou. Lula lembrou que as investigações revelaram planos para assassinar autoridades e até um decreto que visava anular as eleições de 2022.
Tecnologia, economia digital e meio ambiente
Lula também contestou as críticas
americanas sobre a regulação de empresas de tecnologia. Ele afirmou que não há
perseguição, mas aplicação igual da lei para todas as plataformas, nacionais ou
estrangeiras, com o objetivo de combater crimes digitais, desinformação e
discurso de ódio.
O artigo defendeu o sistema de pagamentos instantâneos PIX, que promoveu a inclusão financeira de milhões de brasileiros, e ressaltou o compromisso ambiental de seu governo. Nos últimos dois anos, o Brasil reduziu em 50% o desmatamento da Amazônia e confiscou ativos milionários usados em crimes ambientais.
Apelo ao diálogo
Apesar das críticas, Lula reforçou
que o Brasil continua aberto à cooperação com os Estados Unidos. Ele recordou
que a relação entre os dois países ultrapassa dois séculos e não deve ser
prejudicada por diferenças ideológicas.
“Presidente Trump, continuamos
abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a
democracia e a soberania do Brasil não estão em pauta”, escreveu, encerrando o
artigo com uma lembrança de discurso feito por Trump em 2017 na ONU, no qual o
próprio líder americano exaltava o princípio da soberania nacional.
Com esse tom, Lula reafirmou que a
parceria entre Brasil e Estados Unidos só poderá prosperar se baseada no
respeito mútuo e na cooperação entre duas grandes democracias.
Leia o artigo na íntegra:
A democracia e a soberania
brasileiras são inegociáveis
Luiz Inácio Lula da Silva - New York
Times, 14 de setembro de 2025
Decidi escrever este ensaio para
estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao
longo de décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como
presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os
interesses em jogo. Por isso, examinei cuidadosamente os argumentos
apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre produtos
brasileiros.
A recuperação dos empregos americanos
e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados
Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus
efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado
Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima,
liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada, dominante
desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais
contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo
oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao
Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos
não têm déficit comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas
elevadas. Nos últimos 15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no
comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o
Brasil entram isentas de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média
efetiva sobre produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais
itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de justificativa econômica
por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política.
O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início
deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para
abrir canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei
Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que
orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um
esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho do Supremo Tribunal
Federal (STF) por sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas
instituições e o Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma "caça
às bruxas". A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade
com a Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta
contra uma ditadura militar. A decisão foi resultado de meses de investigações
que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro
do STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria
efetivamente anulado os resultados das
eleições de 2022.
O governo Trump acusou ainda o
sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia
americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais,
nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto
chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a
proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A
internet não pode ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm
liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as
alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e
nos serviços de pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as
leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos
EUA, o sistema de pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX,
possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não
podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que
facilita as transações e estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos a
taxa de desmatamento na Amazônia pela metade. Só em 2024, a polícia brasileira
apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais.
Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem a sua parte
na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas
globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os
padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste
americano.
Quando os Estados Unidos viram as
costas para uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil,
todos perdem. Não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de
trabalharem juntos em áreas nas quais têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos
a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia
e a soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que “nações
fortes e soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos
diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no
respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos:
duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem para o
bem de brasileiros e americanos.