Jornalista ajudou a intermediar contato de fontes anônimas com o Intercept e depois fingiu indignação e surpresa.
Por Joaquim de Carvalho (Jornalista e colunista do
Brasil 247).
20 de dezembro de 2025
O jornalista Felipe Gasper e Alysson Mascaro (Foto:
Reproduçãoi)
Logo após a decisão da Congregação da Faculdade de
Direito da USP (Largo São Francisco), na quinta-feira da semana passada, que
aprovou a demissão de Alysson Mascaro (Professor e intelectual de esquerda brasileiro), as redes sociais voltaram a ser palco de
ataques ao professor e àqueles que questionam o processo administrativo
disciplinar (PAD).
“E parte da
esquerda tentou desqualificar as vítimas, como se um monte de gente tivesse se
unido e inventado mensagens e condutas criminosas só para prejudicar esse
sujeito. Vergonhoso”, comentou um professor na postagem do Intercept Brasil,
veículo que publicou a reportagem, com fontes anônimas, que motivou a abertura
do PAD.
A postagem do Intercept Brasil no Instagram tinha
tom de comemoração:
“Investigação da universidade, aberta após
reportagem do Intercept, durou mais de um ano; depois de ouvir vítimas e
realizar diligências, a Procuradoria da USP decidiu punir Alysson Mascaro com a
demissão. As acusações agora são investigadas pelo Ministério Público.”A Folha
de S. Paulo destacou que a decisão foi unânime.
O que nenhum órgão de imprensa informou é que a
reunião teve momentos de tensão e que a unanimidade foi apenas formal, não
refletindo o incômodo que o processo aparentemente gerou em alguns congregados.
Dois deles, desembargadores, teriam questionado a pena de demissão.
Para eles, seria, no máximo, o caso de suspensão.
Outro professor, magistrado em corte superior, teria deixado a reunião quando
houve inversão da pauta, e o caso Alysson Mascaro passou a ser o primeiro a ser
analisado. Esse professor teria se retirado acompanhado de outras três ou
quatro pessoas.
Àquela altura, o quórum, que já era baixo, foi
reduzido ainda mais. Dos cerca de 70 membros da Congregação, permaneceram na
sessão aproximadamente 20, e foram estes que condenaram Alysson Mascaro, em
votação simbólica, não nominal.“Aqueles que concordam permaneçam como estão.
Aprovado”, disse o presidente da sessão.
Esse relato foi obtido por meio de um dos
participantes da reunião. O diretor da Faculdade de Direito, Celso Campilongo,
foi procurado, mas afirmou não poder se manifestar em razão do sigilo do
processo administrativo, mesmo após sua conclusão.
“O processo é confidencial e sigiloso. Em razão
disso, nada posso falar sobre a deliberação e a votação”, afirmou, após receber
uma lista de perguntas, que reproduzo ao final deste texto.
Solicitei também acesso aos áudios e vídeos da
sessão que resultou na condenação de Alysson Mascaro, mas, alegando o sigilo, o
diretor negou o pedido.
O sigilo do processo tem como resultado imediato a
continuidade do linchamento do professor da USP nas redes sociais, uma vez que
há, nos autos, evidências que, no mínimo, colocam sob dúvida o veredito.
A comissão processante, integrada pelo procurador
da USP João Afonso Santiago Filho e pelos professores titulares Fabiana
Cristina Severi e Heitor Sica, não considerou, por exemplo, o testemunho
contundente de um orientando de Mascaro.
Trata-se de um relato que poderia ter sido checado
e, com relativa facilidade, a comissão descobriria que o professor estava sendo
vítima de um conluio. Conversei com esse aluno que prestou o depoimento, e ele
contou que foi procurado pela primeira vez em 5 de novembro de 2024 pelo
operador de um e-mail anônimo: pachucanusp@proton.me.
Em uma longa mensagem, o operador do e-mail disse
que já o conhecia da faculdade, mas não se identificou. Fez considerações
desairosas sobre Mascaro e afirmou ter ouvido dele que estaria “facilmente
comendo você”. Por fim, contou que outras pessoas haviam saído do anonimato
após o caso Silvio Almeida — que foi orientando de Mascaro — e sugeriu que o
estudante fizesse o mesmo.
“A Sanfran inteira”, disse, usando a expressão que
designa a Faculdade de Direito, sintetizando que todos estariam contra Mascaro.
Um evidente exagero, já que, apenas no processo, há
muitos testemunhos favoráveis a Mascaro, ainda que não tenham recebido o mesmo
peso que as versões dos acusadores. Entre eles, o desse aluno, procurado por um
dos protagonistas da campanha de perseguição.
“Quando esse hater me procurou, eu sabia que não
era verdade o que ele dizia sobre assédio do professor a mim, mas dei corda,
queria saber quem era”, contou. O autor do e-mail falso enviou mais algumas
mensagens até que, em 11 de novembro, indicou uma pessoa para falar com ele.
Tratava-se de Felipe Gasper, que não é aluno da
Faculdade de Direito, mas jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e
dono de um canal no YouTube. O nome de Felipe Gasper e a data são relevantes,
pois revelam a armação.
“Conseguimos destacar o Felipe Gasper para
conversar com você em adequação aos horários e locais sugeridos pelo camarada.
Achamos relevante lhe informar que o Felipe é alguém de absoluto
comprometimento com o processo e que está amplamente inteirado de todos os
alunos vitimados, inclusive daquilo que envolveria o nome do camarada (...)”,
dizia a mensagem.
Essa comunicação é de 11 de novembro de 2024. Em 18
de dezembro de 2024, Felipe Gasper publicou em seu canal um vídeo em que
demonstra surpresa e indignação com a reportagem com fontes anônimas do
Intercept Brasil, publicada em 3 de dezembro.
No vídeo, reage como se não fosse a mesma pessoa
que, em 11 de novembro, já era apontada como parte ativa do processo pelo
operador do e-mail anônimo.
“Desde que eu li aquela matéria publicada pela Laís
Martins, do Intercept, eu passei por tantos estados emocionais que eu não sei
mais o que eu sinto. Só sei que preciso colocar essa merda para fora, senão vou
explodir ou algo desse tipo”, afirmou.
“É como se houvesse em mim uma obrigação moral com
vocês que me acompanham e que sempre me viram divulgando esse cara”, declarou,
indignado.
Ora, ora, ora.
Continue lendo
Felipe Gasper era um dos protagonistas da campanha
contra Alysson, na medida em que ouvia as supostas vítimas e as encaminhava
para Laís Martins, do Intercept.
Mantidas sob anonimato, as fontes embasaram a
reportagem do veículo. Gasper, fingindo surpresa, reforçou a campanha de
difamação por meio de seu canal, que conta com quase 12 mil inscritos.
Um de seus vídeos de maior audiência, com cerca de
450 mil visualizações, é aquele em que ataca Eduardo Marinho, que renunciou a
uma vida de classe média para viver nas ruas, de onde extraiu conhecimento que
compartilha com o público.
Felipe Gasper é claramente um comunicador que busca
alvos conhecidos para desconstruí-los e, assim, obter repercussão. Faz isso
como um esquerdista liberal que, em seus vídeos, chama bolsonaristas de
“vermes” e arranca aplausos.
Atribui-se a Tom Wolfe, autor de A Fogueira
das Vaidades, a frase segundo a qual há duas maneiras de fazer sucesso:
uma, mais difícil, é construir uma boa reputação; a outra, mais fácil, é
destruir quem já tem uma.
Sobre a carcaça de Alysson, não apenas Felipe
Gasper, mas também outras pessoas dentro da própria USP podem subir alguns
degraus em suas trajetórias ou, quem sabe, ter o prazer de dizer aos mais
próximos que destruíram um dos maiores intelectuais marxistas do Brasil.
No processo administrativo contra Alysson, há cerca
de uma dezena de depoimentos de pessoas que relatam fatos que consideram
desabonadores. Apenas dois são contundentes. Nenhum é de aluno da USP.
Um deles é de um professor de outra instituição,
que teve um relacionamento com Alysson após conhecê-lo em um evento externo.
Diz ter decidido depor por considerar que os relatos anônimos publicados pelo
Intercept faziam sentido, pois, segundo ele, correspondiam ao modo de abordagem
do professor. Ainda assim, admite que o relacionamento foi absolutamente
consensual.
O outro depoimento é de um estudante de uma
universidade pública de outro estado, que procurou Alysson por e-mail e passou
a agradá-lo com desenhos — é artista plástico, além de estudante de Direito —,
inclusive um em que ambos aparecem representados como homens musculosos se
agarrando (na época, Alysson e o estudante frequentavam academia).
Os dois se encontraram pessoalmente pela primeira
vez em 26 de maio de 2022. O estudante, ex-modelo, que dizia ter namorada,
afirma que Alysson o estuprou no primeiro dia em que o recebeu em sua casa.
Apesar disso, foi às aulas do professor no dia
seguinte, passeou com ele pela cidade, tirou diversas fotos e, ao retornar à
sua cidade, iniciou uma intensa troca de mensagens, nas quais elogia Alysson,
agradece pelos passeios e diz sonhar em estar com ele em cafés fora do Brasil.
Meses depois, levou a mãe a um evento em uma cidade
próxima à sua e fez uma selfie dos três juntos.
Há ainda depoimentos patéticos, como o de uma
mulher que relata que o ex-namorado teria lhe contado sobre um suposto assédio
de Alysson. Na comissão, ela se mostrou indignadíssima.
A pergunta que não quer calar: por que a comissão
processante não ouviu a própria vítima do suposto assédio? O nome dela consta
nos autos.
A resposta que obtive: simplesmente porque ela não
quis depor, pois não se considera vítima e não viu nada demais na cantada de
Alysson. Recusou-se a participar e seguiu em frente, mantendo amizade com ele.
“Há muita homofobia nesse caso”, afirmou uma
advogada formada na São Francisco que, sem qualquer vínculo com o processo,
conversou comigo por conhecer as fofocas que circulavam no ambiente acadêmico e
que, nos dias que antecederam e sucederam o julgamento, foram objeto de intenso
debate entre ex-alunos.
O aluno cujo relato favorável a Alysson foi
desprezado pela comissão resumiu bem o que estava acontecendo quando foi
procurado pelo grupo do qual fazia parte Felipe Gasper.
Ao se recusar a depor, o operador do e-mail pachucanusp@proton.me reagiu com
fúria. O estudante respondeu:
“E é o seguinte: vocês acham que é tranquilo sair
por aí fazendo inferências inverídicas sobre as pessoas? Vocês nem sequer me
conhecem. Quem vocês pensam que são? Na verdade, vocês são todos uns pés no
saco que não têm mais o que fazer na vida.”
O hater respondeu com uma mensagem de cunho
homofóbico, embora o estudante seja heterossexual:
“Te oferecemos solidariedade e amparo, porque a
situação é grave e, das centenas de casos, você foi mais um — e talvez o único
— a recusar o amparo. Compreensível para um novato. Se gosta do que lhe
acontece, bastava dizer desde o início. E aí isso passa a ser um problema seu,
não nosso. Faça bom proveito.”
O estudante não se intimidou:
“Vocês são uns arrombados. Disseram que me
conhecem, mas não tiveram coragem até agora de mostrar o rosto. Bando de
covardes. ‘Metade da Sanfran’… Pode vir a Sanfran inteira. Fazer suposições
falsas sobre a minha pessoa por meio de um e-mail anônimo é fácil; quero ver
falar na cara. Frouxos.”
Foram esses covardes, aliados ao jornalista Felipe
Gasper, que conseguiram conduzir uma campanha que lançou o nome da primeira
faculdade de Direito do Brasil na vala dos eventos injustos.
Covardes e frouxos não são apenas os haters.
Seguem as perguntas encaminhadas ao diretor da
Faculdade de Direito do Largo São Francisco e não respondidas, sob alegação de
sigilo do processo:
Professor Celso Campilongo, boa tarde. Td bem? Meu
nome é Joaquim, sou do Brasil 247 e estou fazendo reportagem sobre a decisão da
Congregação da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) de demitir o
professor Alysson Mascaro. Tenho algumas questões, que encaminho por aqui.
Soube que, dos 100 integrantes da Congregação,
apenas 20 votaram, em razão das faltas e de outros representantes que se
retiraram antes. Um dos que se retiraram foi o ministro (...). Juntamente com
ele, outros três também deixaram a sala.
Recebi também a informação de que os
desembargadores (...) e (...) discordaram da pena de demissão, sugerindo que
fosse aplicada a de suspensão.
Além disso, a votação foi simbólica. "Quem
estiver de acordo com o parecer permaneça como está. Aprovado!".
Para que não haja dúvida quanto a essas
informações, pergunto se posso ter acesso à gravação em vídeo da reunião.
Segundo apurei, toda reunião é gravada, e não poderia ser diferente em relação
a esta. É possível?
Pergunto também se, em razão das manifestações dos
desembargadores e do ministro, e do baixo quórum, o senhor considera que houve
mácula no processo que resultou em uma decisão extrema.
Procurei também o jornalista Felipe Gasper, mas até
agora ele não se manifestou. Importante: na rede social, o jornalista aparece
em evento social com antigos estudantes que romperam com Alysson Mascaro depois
de anos de convivência harmoniosa e passaram a atacá-lo. O evento social foi na
véspera de depoimento de acusação no Processo Administrativo Disciplinar.
![]() |
| Felipe Gaspar, com estudantes que passaram a atacar Alysson, após anos de convivência harmônica(Photo: Reprodução)Reprodução |
EM TEMPO: Na época da Ditadura Militar com certeza esse tal de Felipe seria um informante das forças de repressão.


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