- Texto extraído do Blog do Magno Martins
- - Edição de Camila Emerenciano
Na manhã de
terça-feira, 22 de julho, Maria Lucineide Pereira, atendeu a uma chamada de voz
pelo whatsapp de um homem que dizia ser o comissário de polícia Moacir – o nome
que aparecia no perfil era Moacir Costa – perguntando se ela ainda tinha a
cópia do boletim de ocorrência da pichação de suásticas nazistas nas paredes do
centro de formação do MST e do incêndio criminoso que destruiu seu quarto, em
um anexo do centro, na zona rural de Caruaru, em novembro de 2022. Ela achou
esquisito, mas confirmou ter o documento guardado.
Minutos depois, a
agricultora Lucicleide Silva recebeu ligação do mesmo número, perguntando sobre
o b.o. do ataque ao seu lote de terra, vizinho do centro. As duas se
encontraram em seguida, confirmando que a origem da ligação era o mesmo número.
As duas mulheres acharam aquilo muito esquisito.
Mais esquisito
ainda porque, no dia seguinte, elas iriam encontrar uma equipe do Conselho
Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para tratar exatamente do tema que tanto
merecia a atenção do suposto policial: os ataques e pichações sofridas pelo
centro de formação em novembro de 2022, logo após a eleição presidencial em que
Lula derrotou Bolsonaro.
Desde então, a
única vez que as polícias Civil e Federal se interessaram pelo assunto foi no
dia seguinte ao ataque, quando jornalistas e cinegrafistas também estavam por
lá.
O ataque ao centro
de formação do MST em Caruaru aconteceu na madrugada do sábado, 12 de novembro
de 2022. As paredes do prédio onde funciona a sede administrativa foi pichado
com suásticas, símbolo nazista, e com a palavra “mito”.
A casa onde mora a
coordenadora Lucineide Pereira foi arrombada e incendiada. Dias depois, om lote
de terra onde vivem Lucicleide Silva e seu pai, Sebastião, foi invadida, os
animais foram soltos e a casa de taipa que servia de depósito para sementes e
ferramentas de trabalho foi incendiada e destruída.
Na quarta-feira,
elas contaram das chamadas de voz para Carlos Nicodemos e Edna Jatobá,
representantes do CNDH. “Fora essas ligações estranhas, a Polícia nunca mais
nos procurou para dar alguma satisfação ou apresentar o resultado da
investigação”, afirmou Lucineide.
Na sequência de
encontros com autoridades pernambucanas, a equipe do CNDH que apura como os
estados combatem grupos neonazistas entenderam a razão daquelas chamadas do tal
comissário Moacir. “Até esse momento, não sabemos quem estava investigando o
caso dois ataques em Caruaru. Perguntamos à Polícia Federal e à Polícia Civil
quais os desdobramentos dos inquéritos e ninguém nos soube dizer nada”, afirma
o conselheiro Nicodemos, relator da missão do CNDH.
Além de escutar os
relatos das agricultoras em Caruaru, a missão do CNDH manteve uma extensa
agenda institucional no Recife, onde foram recebidas pela governadora Raquel
Lyra, pelo procurador geral de Justiça na sede do Ministério Público, pelo
superintendente da Polícia Federal, Polícia Civil e secretarias estadual e
municipal de Educação. A equipe também participou de um seminário onde
pesquisadores apresentaram seus estudos sobre o tema.
“Nossa tarefa é de
controle externo, então o que estamos realizando é uma investigação
administrativa para entender como os estados lidam com as ameaças neonazistas e
ataques de ódio, como respondem a isso e qual a capacidade instalada possuem
para dar a resposta adequada”, explicou Nicodemos. Em Pernambuco, só o prefeito
do Recife, João Campos, e seu vice, Victor Marques, alegaram não ter tempo na
agenda para receber os representantes do Conselho.
Automutilação
Na reunião com gestores da secretaria estadual de Educação e diretoras de escolas, a missão conheceu uma iniciativa recém-implantada pelo governo estadual que, com um mês de funcionamento, revelou que a presença de grupos neonazistas em Pernambuco pode ser mais profunda do que parece. Trata-se do Registro de Ocorrência Escolar (R.O.E.), criado pela lei estadual 18.532, o marco legal de enfrentamento à violência escolar no estado.
No processo de
criação do R.O.E., dezenas de educadores passaram por treinamento na Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), onde foram capacitados para fazer
monitoramento de movimentos extremistas e neonazistas nas escolas da rede
estadual de ensino. O objetivo é prevenir mortes como as que aconteceram em
ataques em outros estados do país.
De acordo com
Érica Del Giudice, assessora técnica do CNDH e mestre em Políticas Públicas em
Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “no
encontro com a secretaria de Educação, ficamos sabendo que o registro foi
criado em maio mas, logo depois, entrou em inatividade com as férias escolares.
Mesmo assim, bastou um mês para que dois casos de ação neonazistas fossem
identificados em escolas públicas”.
Com nomes e
escolas mantidas sob sigilo, a Secretaria da Educação informou que, no primeiro
caso, um adolescente cometeu automutilação para “tatuar” uma suástica na pele.
E isso, segundo Del Giudice, é um péssimo sinal, a ponta de um iceberg
assustador: “a automutilação é um desafio imposto por comunidades ou grupos
neonazistas, indicativo que não se trata de um lobo solitário”.
O segundo caso diz
respeito a material impresso encontrado dentro de um caderno, onde já havia
várias suásticas e outros símbolos extremistas desenhados.
Células ou organismos?
Como aconteceu nos
três primeiros estados que receberam a missão – Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul e Santa Catarina -, a agenda pernambucana encerrou-se com uma audiência
pública no auditório da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. A ideia era
colher relatos e denúncias específicas sobre a atuação de grupos extremistas,
neonazistas e discurso de ódio.
Apesar da maior
parte dos participantes ter preferido discursar sobre bandeiras gerais da
chamada agenda progressista, o líder comunitário Francisco Santana, morador do
Ibura, se ateve à pauta proposta pelo CNDH:
“A gente via como
algo distante, apenas em livros de história, mas meu filho estuda numa escola
municipal e trouxe para casa relatos de saudações nazistas feitas por
adoradores de Hitler em sala de aula, na hora do recreio”, alertou.
Representante dos pais no Conselho Municipal de Educação, Santana denunciou o
caso numa reunião, então escutou de diretoras de outros colégios que “aquilo
não está acontecendo só no Ibura, não”.
Carlos Nicodemos
anunciou que o CNDH vai requisitar às autoridades municipais informações sobre
o que está sendo feito em relação às denúncias.
Já o advogado
Bruno Ribeiro, da Comissão Pastoral da Terra e conselheiro do Gabinete de
Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), alertou sobre a
necessidade mudar a abordagem do problema: “já não é mais uma questão de
células neonazistas, mas de todo um organismo bastante articulado; também já
não cabe falar de discurso de ódio, mas de prática de ódio”.
Érica Del Giudice
recorre aos dados levantados pela antropóloga Adriana Magalhães Dias, autora da
pesquisa mais profunda que já se fez no Brasil sobre o avanço desses grupos no
país. “É comum a mídia destacar que, durante o governo Bolsonaro, de 2019 a
2022, houve crescimento de 270% de células neonazistas no Brasil, mas outro
dado ajuda a entender melhor a questão: de 2015 a 2019, ou seja, a partir das manifestações
contra Dilma Rousseff até a posse de Bolsonaro, a taxa de crescimento foi de
1.400%”.
Ou seja, o nazismo
brasileiro cresceu com o lavajatismo e com as passeatas “patrióticas” pelo
impeachment.
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