Paul Krugman é especialista em
comércio internacional, vencedor do Prêmio Nobel de Economia e um dos
economistas mais influentes da atualidade.
O Brasil está diante de uma encruzilhada nas suas relações com o país mais rico do planeta. Na próxima semana, devem entrar em vigor tarifas de importação de 50% sobre produtos brasileiros — a maior alíquota anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em sua ofensiva comercial com todo o mundo.
Trump vê Bolsonaro como alma gêmea
Paul Krugman é um dos economistas
mais influentes do mundo — tanto por sua obra acadêmica como por suas colunas,
antes escritas para o jornal The New York Times e atualmente distribuídas na
internet pelo site de newsletters Substack.
O economista americano de 72 anos
ganhou sozinho o Prêmio Nobel de Economia de 2008 por suas contribuições em um
ramo da disciplina conhecido como "nova teoria do comércio" — que
sugere que a maior parte do comércio internacional acontece entre países com
níveis semelhantes de desenvolvimento, uma noção que contradiz a maioria dos
modelos econômicos anteriores aos anos 1980.
Krugman costuma ser classificado como
um dos principais economistas da corrente neo-keynesiana de pensamento na
Economia, que buscou reabilitar algumas ideias do economista britânico John
Maynard Keynes (1883-1946). Keynes foi um dos principais proponentes de teorias
macroeconômicas sobre como os governos podem intervir para estabilizar
problemas na economia dos países.
Nas últimas
semanas, Krugman tratou do Brasil em dois artigos. Primeiro, classificando as
tarifas de Trump contra o país de "demoníacas e megalomaníacas". E depois,
sugerindo que o Brasil "pode ter inventado o futuro do
dinheiro" com o sistema de pagamentos Pix.
Em entrevista à BBC News Brasil, Krugman
disse não acreditar que exista um grande problema ideológico de Trump com o
Brasil — como por exemplo o alinhamento do país com a China no grupo dos Brics.
O economista americano sugere que a carta
de Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve ser lida ao pé da
letra — como uma indignação do americano com a forma como o Brasil está
julgando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"A primeira coisa que ele menciona é
que vocês [brasileiros] têm a ousadia de realmente levar a julgamento um
ex-presidente que tentou anular uma eleição. Do ponto de vista de Trump, isso é
pessoal. Ele claramente vê Bolsonaro como uma alma gêmea. E é disso que se
trata", disse Krugman.
"Isso tudo é, em grande parte, Trump
dizendo: 'Ei, eu tentei derrubar uma eleição e ninguém me puniu. Então, como o
Brasil ousa tentar fazer isso com o Bolsonaro?'"
Krugman diz que carta de Trump deve ser levada ao pé da
letra, e que indignação do americano com tratamento a Bolsonaro é mesmo o
principal motivo das medidas contra o Brasil
Investigação dos EUA sobre Pix é 'insana'
Sobre o Pix, Krugman diz que é
surpreendente que o Brasil tenha sido responsável por uma inovação tecnológica
de ponta no sistema bancário — e que isso teria despertado rancores no setor
privado americano, principalmente entre operadoras americanas de cartão de crédito,
que estão perdendo mercado.
"Se um país tem um sistema de
pagamentos que pode fazer um trabalho melhor do que algo oferecido por uma
empresa estrangeira, isso deveria ser perfeitamente razoável. Eu diria que, se
alguém está violando a lei do comércio internacional, seriam os EUA."
A eficiência do Pix também estaria
despertando raiva do mundo de criptomoedas, segundo ele por conseguir entregar
o que moedas como bitcoin nunca conseguiram fazer.
Krugman se diz preocupado com o futuro da
democracia nos EUA. Ele acha que existe uma grande chance de historiadores do
futuro olharem para esse período na e dizerem que 2025 foi o ano em que a
democracia acabou nos EUA.
E também elogiou a reação das instituições
brasileiras aos ataques que a democracia do país sofreu nos últimos anos.
Confira abaixo a
entrevista que ele deu para a BBC News Brasil.
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BBC
News Brasil: Sobre as guerras comerciais no mundo hoje, como o Brasil deveria
responder às tarifas de Trump? Ele deve retaliar? Ou pode conseguir algo por
meio de negociações? O Brasil teria algo a oferecer?
Krugman: Isso é um pouco engraçado porque a maioria
dos países com os quais os EUA estão negociando já têm tarifas muito baixas. E,
portanto, eles não podem realmente oferecer reduções tarifárias.
O Brasil tem tarifas um pouco mais altas.
O Brasil reduziu muito as alíquotas tarifárias altíssimas que costumava ter,
mas ainda poderia oferecer algumas concessões tarifárias. Mas isso não
satisfaria nem de longe o governo Trump.
E em termos de retaliação, eu diria que o
Brasil tem muito pouco a perder e a grande vantagem do ponto de vista do Brasil
aqui é que, para o Brasil, os EUA são um parceiro comercial relativamente
menor. É o terceiro depois da China e da União Europeia.
E tudo que vimos sobre a maneira como meu
governo opera agora é que suas chances de realmente fazer [Trump] recuar são
muito maiores se você mostrar que tem coragem e está preparado para reagir, do
que oferecendo concessões. Eu não acho que isso vai mudar a política americana,
mas talvez possa.
E pode chegar um dia em que Trump e as
pessoas ao redor dele vejam a futilidade de tentar intimidar o Brasil, e essa
data pode ser acelerada por retaliação. De qualquer forma, não acho que seja um
grande problema.
BBC
News Brasil: O senhor falou no seu artigo sobre o futuro do dinheiro e existe
uma espécie de corrida entre bancos centrais ao redor do mundo para tentar
alcançar uma moeda digital de banco central, algo ainda inédito. Algumas
pessoas ficaram surpresas com seu artigo elogiando o Brasil por suas inovações
tecnológicas. O senhor acha que o Brasil pode ser o primeiro país a conseguir criar
uma moeda digital de banco central, que é uma ideia revolucionária?
Paul
Krugman: O
principal a dizer é que isso tudo é um pouco surpreendente — as pessoas
normalmente não pensam no Brasil como um país de tecnologia de ponta.
Mas o ponto principal é que a moeda
digital do banco central não é algo tão difícil [de se criar].
Bancos comerciais nos EUA efetivamente têm
acesso a uma moeda digital do banco central. Eles têm depósitos no Federal
Reserve (o banco central americano). Eles podem ter um sistema eletrônico para
transferir dinheiro entre si.
Tecnologicamente, não é nada difícil
fornecer algo semelhante para o público em geral.
Quando analiso a literatura sobre moedas
digitais do banco central, as complicações vêm principalmente da política, e
não de tecnologia. O problema é que as propostas que vejo sendo lançadas
envolvem maneiras bastante elaboradas de executá-las por meio de bancos
privados.
Não há uma razão especial para fazer isso,
exceto pelo fato de que eles têm um grande interesse e você tem que fazer
concessões.
Não é um problema tão difícil. Tenho
certeza de que existem muitos detalhes que eu não sei, mas o que parece ser o
caso, a razão pela qual o Brasil parece estar na vanguarda é que os interesses
do setor financeiro e a oposição ideológica da direita política não é tão
absoluta no país quanto nos EUA.
BBC
News Brasil: Os EUA incluíram o Pix em sua investigação da Seção 301 do Brasil
sugerindo que o sistema pode ser uma prática comercial injusta. O Pix é
realmente uma ameaça aos interesses corporativos dos EUA? Existe alguma prática
injusta?
Krugman: Parece que o Pix está em grande
parte derrotando os cartões bancários no Brasil. As empresas americanas lucram
com o uso de Visa e MasterCard no Brasil, e certamente há algo acontecendo —
elas estão perdendo a concorrência.
Mas elas estão sendo superadas pela
concorrência porque o Pix é simplesmente melhor. Isso não é uma prática
comercial desleal no sentido de que elas estão enfrentando concorrência
subsidiada. Mas certamente o atual governo dos EUA não se importa em estar
sendo justo.
Eles [o governo Trump] estão apenas
defendendo os interesses dos seus doadores. Isso é fundamentalmente insano. Se
um país tem um sistema de pagamento que pode fazer um trabalho melhor do que
algo oferecido por uma empresa estrangeira, isso deveria ser perfeitamente
razoável.
Eu diria que, se alguém está violando a
lei do comércio internacional, seriam os EUA.
Mas existe motivo para eles estarem
abalados. Se eu fosse um banco lucrando com cartões de crédito e débito, eu
ficaria meio chateado que outro sistema de pagamentos estivesse assumindo o meu
lugar.
BBC
News Brasil: Você disse que o Pix está conseguindo fazer o que as criptomoedas
prometeram mas nunca conseguiram: oferecer baixos custos de transação e
aumentar a inclusão financeira. O Pix pode também ser uma ameaça ao mundo de
criptomoedas — que é um setor muito ligado ao governo Trump?
Krugman: O mundo das criptomoedas certamente
odeia a ideia [do Pix]. Eles investem muito dinheiro politicamente para tentar
impedir que as pessoas percebam que as criptomoedas, na verdade, não funcionam.
Não funcionam no seu princípio de
facilitar transações, de substituir o dinheiro convencional. Elas realmente não
funcionam. Tem um livro sobre isso, no qual um autor, depois de viajar pelo
mundo estudando criptomoedas, conclui dizendo que passou a apreciar seu cartão
Visa, que funciona tão facilmente e faz tudo o que precisa sem toda essa
complicação e custo extra.
E se o Pix é melhor do que um cartão Visa,
então isso é uma ameaça real às criptomoedas.
Não se trata apenas da perda de negócios,
mas do exemplo. Quando você consegue mostrar em um gráfico que 93% dos
brasileiros estão usando pix para pagamentos e 2% dos americanos estão usando
criptomoedas para comprar qualquer coisa. Isso não é uma boa propaganda para a
indústria de criptomoedas. E a resposta deles, como sempre, é tentar suprimir
as críticas em vez de abordá-las.
Economista americano não vê papel do Brasil com Brics como principal fator das tarifas americanas
BBC News Brasil: O Brasil não é muito relevante comercialmente
para os EUA e até gera um superávit comercial para os EUA, mas é o mais afetado
de todos os países nessa ofensiva comercial. Qual é a importância do Brasil, na
sua opinião, para os EUA mirarem no país? É um problema ideológico? É por causa
do alinhamento do Brasil com a China e com os Brics?
Krugman: Eu acho que deveríamos levar a carta
de Trump totalmente a sério. A primeira coisa que ele menciona é que vocês
[brasileiros] têm a ousadia de realmente levar a julgamento um ex-presidente
que tentou anular uma eleição. Do ponto de vista de Trump, isso é pessoal.
Ele claramente vê Bolsonaro como uma alma
gêmea. E é disso que se trata.
Eu não acho que existe nada mais
substancial além disso. Sim, o Brasil pode ser, até certo ponto, uma voz de
liderança nos Brics, que eu acho que é um conceito bastante fictício.
O Brasil é um mercado emergente líder que
parece estar desempenhando pelo menos um pouco de papel de liderança. Mas não
podemos atribuir muito comportamento sistemático ou racionalidade [às decisões
de Trump]. Isso tudo é, em grande parte, Trump dizendo: "Ei, eu tentei
derrubar uma eleição e ninguém me puniu. Então, como o Brasil ousa tentar fazer
isso com o Bolsonaro?"
BBC
News Brasil: Trump tem escrito cartas aos líderes mundiais e ameaçado todo
mundo com tarifas. E todos estão sentando com os EUA para renegociar. E no
final alguns países estão concedendo a Trump. Além disso, o governo americano
pode arrecadar mais com tarifas maiores. Você é muito crítico deste governo,
mas não é o caso de se dizer que a estratégia de Trump está funcionando?
Krugman: Estamos vendo até agora os acordos
que foram negociados e há pequenas concessões tarifárias de alguns países, mas
são bem pequenas.
Muito do que está nesses acordos é
praticamente sem sentido, em termos de substância real. O que o Japão acabou de
concordar é muito pouco.
Sobre os EUA estarem obtendo maiores
receitas, isso é em última instância um imposto que os Estados Unidos estão
cobrando de si mesmos.
Você precisa olhar o que está acontecendo
com os preços de importação dos EUA. O resto do mundo está cortando o preço dos
seus produtos e absorvendo o impacto dos impostos americanos? Basicamente, não.
Os preços de importados nos EUA, como
mencionei hoje, subiram ligeiramente em relação ao ano passado, apesar de
termos tido um enorme aumento nas tarifas — o que significa que os estrangeiros
não estão arcando com esse custo.
Estamos apenas começando a ver o impacto
[do tarifaço de Trump] nos preços ao consumidor, mas as empresas estão
absorvendo uma parte muito grande disso agora. As empresas dos EUA.
BBC
News Brasil: Qual vai ser o desfecho final de toda essa guerra comercial, na
sua opinião? Pode haver recessão ou um salto da inflação nos EUA?
Krugman: A narrativa de que haverá uma
recessão sempre foi pouco plausível. A lógica de que tarifas causam recessões não
é muito forte. E historicamente esse não tem sido o caso. Então, não tenho
certeza sobre isso.
Existe um ponto e ainda pode acontecer em
que a incerteza sobre o regime tarifário pode causar uma recessão, mas eu não
tenho muita confiança nisso.
O que teremos é um aumento em uma só vez
nos preços ao consumidor. E se o que estamos vendo do Japão [país com o qual
Trump anunciou um acordo tarifário esta semana] for indicativo, as tarifas vão
se estabilizar ao redor de 15% mais altas do que eram antes, o que acaba
significando para os EUA um aumento de algo como 1,5% a 2% nos preços ao
consumidor como resultado das tarifas.
Provavelmente é um choque único.
Provavelmente não se refletirá em inflação persistente, mas isso pode vir a
acontecer. E é um resultado líquido negativo para os EUA.
Economistas tendem a exagerar. Temos a
tendência de ter um pouco de misticismo sobre as virtudes do livre comércio e
os malefícios das tarifas. Elas são ruins, mas não tão ruins quanto a lenda
costuma dizer.
Acho que o resultado final provavelmente é
que os EUA simplesmente terão tarifas permanentemente mais altas. E a questão é
o que o resto do mundo fará. E talvez haja alguma retaliação, mas em grande
medida acho que o que acontece é que o resto do mundo fará acordos comerciais
entre si e os EUA ficarão meio que excluídos do processo.
Krugman diz que EUA de Trump "fazem o que bem
entendem" e desrespeitam seus próprios acordos assinados com outros países
BBC News Brasil: Com tudo que está acontecendo no mundo desde que Trump chegou ao poder, o quão grande você acha que é esse momento na história mundial? É comparável com as mudançås no mundo pós-Segunda Guerra, por exemplo? Como isso entrará para a história?
Krugman: Acho que é uma mudança muito
fundamental. Há uma chance certamente muito alta de que os historiadores do
futuro olharão para os EUA de hoje e digam que a democracia americana acabou em
2025.
Chance de que nos tornaremos um regime
autoritário brando como a Hungria, embora eu não tenha tanta certeza de que é
algo brando, dado o que está acontecendo aqui.
Certamente, como um todo, o papel dos EUA
no mundo mudou fundamentalmente, e, eu acho, de forma irreversível.
É muito importante enfatizar que tudo o
que os EUA estão fazendo sobre tarifas é uma violação de acordos. Temos acordos
de livre comércio com alguns dos países aos quais estamos impondo tarifas.
Temos acordos comerciais multilaterais e
todos os países que têm o status de Nação Mais Favorecida [cláusula da
Organização Mundial do Comércio que diz que esses países precisam ter
tratamento tarifário igual aos demais], o que inclui o Brasil, supostamente
deveriam estar legalmente protegidos contra o que os EUA estão fazendo.
O que vimos agora é que basicamente um
acordo firmado com os EUA não tem efeito vinculante. Os EUA simplesmente fazem
o que bem entendem.
Um acordo comercial é um contrato, e temos
um governo que considera contratos assinados solenemente como meras sugestões.
BBC
News Brasil: Você acha que tudo isso que está acontecendo é reversível em um
futuro próximo, como daqui a cinco a dez anos? Você acha que poderíamos voltar
ao mundo anterior a essas mudanças?
Krugman: Certamente poderíamos ter muita
mitigação se conseguíssemos ter um presidente e um Congresso que não fossem
MAGA [Make America Great Again, o movimento político criado por Trump], o que
nos preocupa muito. Eu realmente me preocupo muito se teremos eleições livres e
justas.
Mas se tivermos eleições suficientemente
justas e a repulsa pública for suficientemente forte, poderemos ter um governo
muito mais normal. Mas isso levará algum tempo.
A história não é simplesmente o fato de
termos Trump no poder, mas o fato de que Trump conseguiu voltar.
Então, qualquer pessoa que analise o papel
dos EUA no mundo terá que levar em conta o fato de que somos um país onde
coisas assim podem acontecer. E isso exigirá múltiplas rejeições desse tipo de
impulso autoritário para que as pessoas possam confiar nos EUA novamente.
BBC
News Brasil: Você ficou surpreso com a reação institucional do Brasil aos
desafios à democracia e à forma como está lidando com Bolsonaro, em comparação
com a forma como as instituições americanas estão reagindo à Trump?
Krugman: Sim, o Brasil tem sido uma surpresa
positiva. Vocês [brasileiros] têm uma história cheia de regimes militares e
coisas ruins. E, pelo menos até agora, a democracia está se mostrando muito
mais robusta do que muitas pessoas poderiam esperar.
E para os EUA, tenho que admitir que tenho
me preocupado com a democracia aqui há muito tempo. Eu venho me preocupando que
temos há uns 30 anos um movimento antidemocrático. Então, não estou tão
surpreso em ver isso acontecendo.
A velocidade com que as instituições estão
entrando em colapso é espetacular. Eu não teria imaginado que universidades,
escritórios de advocacia, corporações iriam se curvar tão facilmente. Eu não
fui um romântico sobre essas coisas, mas isso tudo é, na verdade, pior do que
eu imaginava.
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