- Texto extraído do Blog do Magno Martins
- - Edição de Camila Emerenciano
Por Inácio França
Da Marco Zero Conteúdo
Ameaçado de
cassação por ter reagido com um chute a uma série de provocações de um
militante de extrema-direita nos corredores do Congresso, Glauber Braga
(PSOL-RJ) está percorrendo o Brasil com o duplo objetivo de defender seu
mandato e mobilizar a sociedade contra o orçamento secreto do Congresso
Nacional. Na segunda-feira, 2 de junho, ele veio ao Recife participar de um ato
organizado pelo seu partido e do protesto que lembrou os cinco anos de
impunidade da morte do menino Miguel, que caiu de uma das “torres gêmeas” do
Cais de Santa Rita.
Em entrevista
exclusiva para a Marco Zero, ainda no aeroporto dos Guararapes, Braga explicou
como e porque a estratégia de viajar pelo país é a mais adequada para enfrentar
as pressões e a “perseguição do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)”.
Para o deputado carioca, Lira passou a persegui-lo para se vingar de suas
críticas e iniciativas para por fim ao segredo que envolve a liberação de
recursos bilionários a partir das emendas de relator.
O processo de
cassação foi interrompido temporariamente em meados de abril por decisão do
atual presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) depois que Glauber
entrou em greve de fome.
Marco Zero – Por que a escolha da estratégia de sair em
caravana pelo país, apostando mais na mobilização do que em fazer corpo a corpo
com os demais deputados na Câmara Federal?
Glauber Braga – O inimigo é muito forte, tem
muito poder, tem muito dinheiro. Nunca se teve uma quantidade tão grande de
recursos capturados a partir do tal orçamento secreto. E eu sou exatamente a
pessoa que está sofrendo perseguição por denunciar esse esquema.
Avaliei que ficar
exclusivamente num diálogo institucionalizado, sem mobilizar de fora para
dentro, para além de ser a certeza da derrota, não aproveitaria essa
oportunidade para mostrar que existem outras saídas, outras alternativas,
outras táticas, para além da articulação institucional da maioria de ocasiões.
Então, é uma
tentativa de casar as duas coisas. Isso quer dizer que eu não vou falar com o
deputado? Evidentemente que eu vou fazer isso. O deputado que quiser conversar,
se quiser que eu apresente os argumentos, estarei à disposição para fazê-lo,
como estamos buscando apresentar esse argumento aos parlamentares.
Mas a gente
considerou que essa mobilização tinha que se dar à quente, com envolvimento
social, mostrando para as pessoas o que está acontecendo, demonstrando de uma
forma bastante contundente que eu não ficaria refém da maioria de plantão que,
inicialmente, já tinha tomado a decisão por uma cassação sumária. Mas, acredito
que, inclusive, muito por conta dessa mobilização que nós estamos tocando, o
cenário já é outro.
E qual é o cenário hoje?
Continue lendo
Por onde eu já
passei, tenho fraternalmente conversado com a imprensa e pedido ‘se vocês
puderem fazer um exercício de conversar com deputados do estado e confirmarem
ou negarem aquilo que eu estou dizendo’, pois tem um discurso que se repete
entre os deputados: ‘que é injusto, é desproporcional, é perseguição, mas o
Lira está irredutível’. Isso tem acontecido em tudo quanto é lugar, comigo e
com outras pessoas. Então já existe um sentimento hoje majoritário, por
incrível que possa parecer, não só no campo da esquerda, mas até dos demais
partidos, das outras forças, de que se trata de uma perseguição política fazer
a cassação.
Com isso, qual é a
nossa tática? A tática pública é amplificar o que está acontecendo para ampliar
também a pressão que os próprios aliados de Lira já estão fazendo. Eles já
estão chegando por ali, eles estão dizendo ‘tudo bem, você quer caçar, mas isso
se transformou em algo com um preço político que não estava calculado
anteriormente, então passa a ser um erro político’.
Diante dessa situação,
que isso se intensifique. E que possui possibilidade da força para a gente
conseguir exatamente esse apoio, essa solidariedade popular? Eu tenho a minha
palavra, a minha voz, a minha possibilidade de dizer o que eu tenho dito. E
tenho a solidariedade das pessoas.
Então qualquer
tática que possa ser vitoriosa nesse processo tem que apostar nisso.
E por que é importante para a sociedade a tua
posição de fazer dessa caravana mais uma maneira de denunciar o orçamento
secreto?
Hoje os deputados
estão desdenhando assumir os ministérios, daqueles que normalmente seria
assumido pelas forças do Centrão, afinal hoje um parlamentar executa mais
recursos do que muitos ministérios na Esplanada. É esse o poder do orçamento
secreto.
Aí vamos para um
número rápido: o Governo Federal tem, para fazer investimentos do tipo
construir uma nova escola, fazer uma estrada, tocar um novo projeto, R$ 200
bilhões. E o Congresso tem de emendas R$ 50 bilhões. É um quarto do total do
que tem o Governo Federal.
Daí já está a desproporção
evidente. Eu espero que, um dia, as emendas nem existam mais, que todo o
orçamento público seja discutido e acompanhado pelo povo. No nosso mandato, por
exemplo, a gente faz emendas participativas, 100% das emendas são decididas em
plenárias públicas em que as pessoas apresentam as ideias, votam, além dos
comitês de acompanhamento, que monitoram como esses recursos vão ser aplicados.
Mas, nesse caso,
não estamos nem discutindo o caráter da emenda. Não é essa a discussão. A
discussão é que não há o mínimo de transparência na aplicação dessas emendas
que estão sendo liberadas, desses 50 bilhões. É isso. Afinal, por que um
deputado que indica uma emenda para determinada região não quer ser
identificado? Evidentemente que tem coisa que não está certa aí.
Ter entrado com a
ação do Supremo Tribunal Federal, fazer a denúncia, explicar para as pessoas o
que está ocorrendo, mostrar a distorção que é essa captura do orçamento público
que se intensificou com o orçamento secreto, eu acho que é uma tarefa muito importante.
Porque senão você fica ad eternum, a vida toda, refém de uma institucionalidade
que hoje capturou a possibilidade de uma modificação de instrumentos mínimos na
política.
Ah, eu quero
salvar o mandato? Com certeza, queremos salvar nosso mandato, achamos que é
importante, mas nós queremos mudar a política. E para mudar a política, uma das
lutas que tem que se fazer nesse momento presente, é a luta contra o orçamento
secreto e o que ele representa.
Antes desse processo todo, como os demais parlamentares
reagiam quando você tocava nesse assunto, já que a maioria está se
beneficiando?
É evidente que,
quem não concorda comigo, ou não pode concordar, não gosta. Eu acabei sendo o
deputado que mais vezes subiu na tribuna para denunciar o orçamento secreto,
foram vinte e tantas vezes. Antes do processo de cassação, entrei e articulei o
mandado de segurança no STF, tem uma ação do PSOL também, que o resto da
bancada assinou. Também sou testemunha em um inquérito da Polícia Federal, que
foi aberto para tratar exatamente disso.
Assim, o deputado
tem o direito, ou ela pode não gostar daquilo que eu digo, mas os deputados não
podem querer calar, ele não pode querer inviabilizar que eu diga. Porque hoje
sou eu, amanhã é outro, por uma outra razão, outra coisa. Vou dar um exemplo:
um deputado que não é da esquerda, deputado Fausto Pinato, do PP, partido do
Lira, de São Paulo, foi na Comissão de Constituição e Justiça, e começou
dizendo o seguinte: ‘já vi que eu vou ser o próximo a ser cassado, mas Glauber
está certo, esse orçamento secreto está um absurdo mesmo’. Olha como é que ele
começa a frase, ele começa dizendo: ‘já vi que eu serei o próximo’.
Em que ponto que
nós estamos, em que a pessoa não pode expressar publicamente uma posição de
contrariedade contra uma política majoritária dentro do Congresso. Isso é muito
grave. A turma não gosta quando falo, mas, mesmo aqueles que não gostam, uma
parte significativa deles, e na minha avaliação, hoje é a maioria, entende que
não é justificativa pública para uma cassação. Diferente do Lira.
E aí eles tentam
me pegar com o quê? Pela minha reação ao provocador do MBL, que por sete vezes
foi me atacar em espaço público e, na quinta vez, atacou minha mãe, de maneira
covarde. Esse é um elemento que eles precisam ter nessa narrativa para
justificar a perseguição. A turma pode não gostar, mas entende que não há
justificativa pública para fazê-lo. E o Lira está fazendo esse movimento por
duas razões, na minha interpretação. Por um lado é vingança, e por outro lado é
recado: ‘olha o que acontece com quem mexe comigo’.
E o papel do presidente da Câmara Hugo Motta até
aqui?
No início dessa
história, quando o processo tramitou no Conselho de Ética, ele segurou a
abertura da Ordem do Dia no plenário, o que fez com que não fosse possível adiar
a votação no Conselho de Ética com a obstrução que a gente estava fazendo, que
os meus companheiros e companheiras estavam fazendo. Mas, depois disso, quando
eu entrei em greve de fome, ele verbalizou e assumiu um compromisso público
que, na prática, foi um recuo à posição original de cassação sumária.
Acho que o Lira
não faria esse recuo que ele fez. Agora nós temos que ver as próximas etapas.
Como é que ele quer ficar descrito historicamente? Serão os próximos capítulos
que vão dizer. Eu, pessoalmente, acho que do ponto de vista político, ele não
quer cassar porque politicamente é ruim para ele cassar.
Uma cassação de
meu mandato não dá a ele a demonstração de autonomia política de quem está
exercendo aquele cargo precisa construir. Trata-se do presidente de um poder. E
ele ser aquele que vai conduzir uma execução de um mandato que foi trabalhado,
encomendado e pactuado pelo presidente anterior? Um ex-presidente que está
irredutível, em um movimento que está sendo considerado pelos seus próprios
aliados mais próximos como um movimento irracional. Acho que o Hugo Motta não
tem nada a ganhar com isso, inclusive porque ele é deputado federal pela
Paraíba, um estado que em todos os seus municípios, no segundo turno das
últimas eleições, não votou na extrema direita, não votou na direita, votou em
Lula. Então não acho que tenha, da parte dele, ganho com isso.
Agora,
evidentemente, a pressão que o Lira está fazendo sobre parlamentares é grande.
Mas eu acho que a nossa tese vai prevalecer.
Ele continua fazendo essa pressão?
Continua. Pelo
menos as últimas informações que eu tive, principalmente na articulação no
Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça, era pegando
telefone, ligando para deputados. Mas eu acho que a gente consegue reverter
esse cenário, o que passou a ser, acima de tudo, uma movimentação politicamente
irracional.
Por que, mesmo com o Congresso tendo acumulado um
poder inédito desde o golpe contra Dilma Rousseff, que ficou ainda mais
fortalecido durante o governo Bolsonaro, os grupos que dominam o parlamento
ainda não partiram para defender a implantação do parlamentarismo no Brasil?
Eles ensaiam isso.
De vez em quando, eles ensaiam essa possibilidade. Já foi ensaiado por vários
presidentes de Câmara, mas eu acho que tem um elemento nessa história, que é o
imponderável daquilo que estaria nesse script, que inicialmente pode parecer
fácil a execução, mas pode contar com uma reação que eles não esperam.
Ou seja, o povo
ficar puto e dizer, ‘não, isto é golpe, eu quero votar para o presidente. Não
pode ser desse jeito’. Você pega a pesquisa Atlas, que faz a avaliação de todas
as lideranças políticas do Brasil, durante todo o tempo que o Lira esteve na
presidência da Câmara, ele foi o mais mal avaliado de todos os políticos. Aí
você pega esse sujeito, que é o mais mal avaliado, e ele vai tocar uma operação
como essa, para constituir e estabelecer um chefe de governo indicado pelos
próprios deputados?
A minha avaliação
é que isso seria uma reação, e eles consideram isso, que não necessariamente
vai estar num script pré-determinado, como se fácil fosse. Então acho que eles
calculam.
Vou dar um exemplo
de projeto em que eles voltaram atrás porque as coisas saíram do script: por
exemplo, a PEC do Estupro. O Lira botou para votar e tal. Teve mobilização das
mulheres em todo o Brasil. Ele voltou atrás. Então acho que tem um pouco disso
também. Tem um cálculo político com a preocupação do que pode ser o resultado
com a aprovação de uma matéria como essa.
Mas o que temos
agora, do ponto de vista orçamentário, é um parlamentarismo de fato.
Será que esse cálculo não passa pelo medo dos
deputados passarem a ser alvo das cobranças e da indignação que, no modelo de hoje,
são destinadas apenas ao presidente da República da vez?
É, eu acho que é
um outro elemento também. E se o cara já vai um pouco também na tua pergunta,
no jeito que você formulou, e que já contém um tanto da resposta, se ele já tem
o poder que tem sem precisar fazer uma operação que contém algum risco, para
que fazê-la?
Lira agora não tem algo mais para se preocupar não
do que a sua cassação? Eu estou falando sobre Alagoas, que Renan Calheiros está
para puxar o tapete dele com uma aliança surpreendente com o João Henrique
Caldas, prefeito de Maceió.
Ele tem muito mais
coisa do que eu para se preocupar. Muito mais. Mas muito mais mesmo. Agora,
resolveu se preocupar comigo, né? Em uma operação que eles sempre fizeram desse
jeito. Mas, por isso mesmo, não posso dar bobeira. Porque eles esfriam um
pouquinho, daqui a pouco eles se mobilizam rápido e já colocam em votação.
Foi o que
aconteceu, por exemplo, no Conselho de Ética. O sujeito ficou demorando a
apresentar esse relatório e, em dezembro, ele apresenta o relatório, bota no
sistema, sob sigilo. E fica ali? Fica ali, fica ali, fica ali. Até que, de
março para abril, do dia para a noite, ele fala está pronto, semana que vem eu
apresento. E aí já era para a cassação.
Esperou ficar um
pouquinho melhor o clima pra ele, deu uma diminuída em relação às denúncias na
Polícia Federal. Mesma coisa que estão fazendo agora. As pessoas pensam ‘não
deu uma esfriada? Não deu uma esfriada?’ Deu, mas eles rearticulam rápido, né?
Por isso que tem que manter a mobilização ativa.
Mas ele tem muito
mais preocupações do que eu, acho que em todas as esferas.
Nessa peregrinação você passou por 15 estados. Já
houve alguém ou algum fato que tenha te emocionado assim profundamente?
Muitas, muitas. Eu
pensei que você ia perguntar o contrário. Se teve alguma reação negativa, algum
ataque contra, aí eu fiquei lembrando que nesses 15 estados, só teve um
rapazinho, só teve um caso na Paraíba. Foi um rapaz que, na hora que eu estava
entrando na Assembleia Legislativa, parou naquela coisa do MBL, nem sei se era
MBL, acho que era um bolsonarista, mas ele estava tão nervoso com o que tava
fazendo, mas tão nervoso, que le se tremia todo, que eu fiquei respondendo às
perguntas por aí, dando uma força. A turma que foi se irritando, mas foi um episódio
sem nenhuma consequência mais grave, né? Ele queria circular o vídeo nas redes
e tal.
Agora, fora isso,
todos os espaços cheios de gente. Tudo lotado. Solidariedade! As pessoas
dizendo que estão firmes. As pessoas já conhecem o que está acontecendo, nem
tem a necessidade de eu amplificar tanto a história porque todo mundo já
conhece. Aí, eu acabo trazendo elementos mais dos bastidores mesmo do que está
acontecendo. Da minha leitura, da minha interpretação do caso. Então tem sido
muito bacana. Onde chego, como aconteceu agora aqui em Recife, uma pessoa me
deu uma rede aqui no aeroporto.
Eu estou com um
quarto em Brasília cheio dos presentes das viagens que vieram nesse período
todo, né? Pô, isso é reconfortante.
Em várias falas suas, você admite claramente que
fez a greve de fome para chamar atenção. Funcionou?
A greve de fome eu
não discuti com ninguém antes, porque se discutisse, eu sabia que a posição ia
ser minoritária, mas tem coisa que tem de ser assim, tem de fazer, vamos fazer.
E, sim, foi isso
mesmo, fazer greve de fome
Sim, é isso. É
isso mesmo, era pra ampliar essa denúncia. E deu o resultado.
Você pretende ir a Alagoas, a terra de Arthur Lira?
O que está sendo organizado em Alagoas?
Vai ser com um
grupo de movimentos sociais, de companheiros de partidos políticos. Tem se
repetido um pouco o formato nos encontros em que eu converso com a imprensa
local e vou pra um ato público onde as variadas forças políticas falam
manifestando a sua solidariedade ou as suas dúvidas. No fim, eu faço uma fala mais
longa mostrando como é que tá o processo e a minha interpretação sobre tudo o
que está acontecendo. Em Alagoas, vai ser mais ou menos esse mesmo formato.

Nenhum comentário:
Postar um comentário