Enquanto a extrema-direita global aposta no caos, Lula responde com diplomacia e estratégia
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Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR) |
Por Reynaldo José
Aragon Gonçalves (Jornalista)
A cena em Moscou e
a virada do jogo diplomático
No dia 9 de maio de 2025, enquanto a maioria dos
líderes ocidentais mantinha distância, Lula subiu ao palanque vermelho da Praça
Vermelha, ao lado de Vladimir Putin, para o desfile do Dia da Vitória. Mais do
que uma presença simbólica, sua participação foi estratégica. Poucos dias
depois, Putin anunciou publicamente a disposição de negociar a paz com a
Ucrânia — sem pré-condições, sugerindo Istambul como sede. O gesto, inesperado
e rapidamente capitalizado por Lula em conversas diplomáticas, recolocou o Brasil
no radar como ator internacional com voz própria. A coincidência temporal entre
a visita e a abertura russa ao diálogo expôs que a diplomacia brasileira, com
sua tradição de diálogo e neutralidade ativa, pode ter influenciado diretamente
um dos maiores impasses geopolíticos do século XXI.
Enquanto isso, a reação da mídia ocidental e de
setores da política ucraniana foi de cautela, quando não de hostilidade. Lula
foi acusado de “passar pano” para Putin, apesar de reiterar publicamente — e
diante do próprio presidente russo — que o Brasil condena a invasão da Ucrânia
e não aceita ocupações territoriais. Essa é a costura complexa da diplomacia
brasileira: manter pontes abertas mesmo onde o cinismo diplomático de outros
preferiu muros. A virada, no entanto, parece ter surtido efeito. Putin está
isolado no ocidente, mas escuta Lula. E essa escuta, neste momento, pode ser
mais poderosa do que as sanções de Washington.
Neutralidade ativa
e alianças estratégicas: a paz como geopolítica
A leitura simplista de que Lula estaria “se
alinhando a ditaduras” ignora um movimento diplomático mais profundo e
sofisticado: a tentativa de construir um novo eixo de mediação global fora da
órbita de Washington e Bruxelas. Ao propor um “clube da paz” envolvendo países
como China, Índia, Turquia e Indonésia, Lula não está apenas oferecendo uma
saída diplomática para a guerra na Ucrânia. Ele está promovendo uma
reconfiguração simbólica do poder internacional, onde os países do Sul Global,
historicamente marginalizados das grandes decisões mundiais, assumem
protagonismo em temas estruturantes da ordem mundial.
Essa postura — criticada por setores atlantistas —
é, na verdade, uma resposta concreta ao vácuo deixado pelas potências
ocidentais, que instrumentalizaram o conflito em nome de seus próprios
interesses econômicos, militares e eleitorais. Ao se recusar a tomar partido
nas lógicas binárias da Guerra Fria reciclada, Lula atua na construção de uma
neutralidade ativa, onde o Brasil não se omite, mas tampouco serve de satélite
para os desígnios alheios. A política externa brasileira, nesse contexto,
recupera seu papel histórico de buscar consenso onde outros fomentam o
conflito.
Soft power como
escudo contra a extrema-direita global e nacional
A ascensão internacional de Lula como figura de mediação e equilíbrio ocorre em um momento em que a extrema-direita global se reorganiza em torno de projetos autoritários, neocoloniais e tarifários. O gesto de Putin, ao aceitar negociar pouco depois do encontro com Lula, não é um ato isolado — ele também funciona como sinal geopolítico: a Rússia reconhece, diante do mundo, que o presidente brasileiro tem capital diplomático suficiente para ser ouvido.
Esse reconhecimento público fortalece Lula internacionalmente
e o blinda, ao menos parcialmente, contra os ataques internos e externos
promovidos por setores da extrema-direita que trabalham para desestabilizar
lideranças progressistas por meio de lawfare, campanhas de
desinformação e sabotagem institucional.Além disso, o apoio sutil, porém
crescente, de outros líderes estratégicos — como Xi Jinping, Recep Tayyip
Erdoğan e Narendra Modi — compõe um cenário em que o Brasil volta a ser visto
como potência diplomática relevante. Esse soft power se
transforma em ativo político real: amplia a margem de manobra de Lula frente à
chantagem institucional da extrema-direita no Congresso e na máquina estatal,
reposiciona o Brasil no debate global sobre multipolaridade e ajuda a impedir o
isolamento narrativo que tantas vezes precedeu os golpes midiático-jurídicos no
Sul Global.
O Brasil no centro
da disputa pela ordem global
Lula não é hoje o principal líder global devido ao
poder bélico ou financeiro do Brasil, mas porque é o único chefe de Estado com
capacidade real de dialogar com franqueza tanto com as potências ocidentais
quanto com os países do Sul Global. Ao contrário de Xi Jinping e Vladimir Putin
— que, apesar da força geopolítica, enfrentam barreiras estruturais no trânsito
diplomático com o Ocidente — Lula carrega a legitimidade de quem construiu
pontes nos dois mundos. Isso o coloca em posição única para exercer a mediação
em um planeta cada vez mais polarizado, onde o conflito de blocos cede espaço à
disputa por narrativas e modelos de convivência. Como líder simbólico do Sul
Global, ele representa uma alternativa à lógica do confronto, sem se curvar a
nenhuma das potências hegemônicas.
A guerra na Ucrânia, que deixou de ser apenas um
conflito regional para se tornar símbolo da crise do multilateralismo, oferece
a Lula uma plataforma para exercer não apenas influência política, mas também
disputar os rumos da governança mundial. E ele faz isso com o corpo político
que tem: vindo do sindicalismo, sobrevivente de lawfare, porta-voz
de um país periférico que insiste em não aceitar o papel de subalterno.
Enquanto Donald Trump intensifica sua guerra tarifária contra a China e
pressiona por um novo nacionalismo econômico autoritário, Lula aparece como o
contraponto diplomático: um líder que ainda acredita na mediação, na
coexistência, na autonomia dos povos. A disputa não é apenas por território ou
acordos — é por narrativas. É nesse terreno simbólico que o Brasil, com Lula à
frente, aparece como alternativa à lógica destrutiva da extrema-direita
internacional. E, ao contrário de quem acredita que se trata apenas de
prestígio pessoal, esse movimento redefine o papel brasileiro nas guerras
híbridas do século XXI: não como alvo passivo, mas como articulador ativo de uma
paz geopolítica.
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