Governador e secretário de segurança pública criticaram publicamente a agressão
Por: Hyndara Freitas, Nicolas Iory e Guilherme Queiroz
São Paulo. Em 04/12/2024
PM é
flagrado jogando homem em rio na Zona Sul de SP — Foto: Reprodução vídeo
Gravada em uma câmera de
celular, a cena de um homem jogado de cima de uma ponte em um córrego na Cidade
Ademar, na Zona Sul de São Paulo, é o mais novo episódio a pôr em xeque o
preparo dos policiais militares e a política de segurança pública do
governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos), a cargo do secretário Guilherme
Derrite. Tarcísio, assim como Derrite, criticou na terça-feira
publicamente a agressão, e a morte de um ladrão de uma pequena loja por tiros
nas costas dados por um PM de folga no dia 3 de novembro. Mas na manhã
seguinte, nesta quarta-feira, um outro caso de violência policial tornou-se
público. Desta vez, imagens mostram um motociclista
já rendido, no chão, sendo agredido por agentes no bairro de
Jardim Damasceno, na zona norte da capital paulista.
O caso que provocou maior
repercussão ocorreu na madrugada de segunda-feira, quando testemunhas gravaram
vídeo que mostra três PMs em uma ponte. Um deles encosta uma moto na mureta
após uma abordagem, e outro segura pelas costas um homem com camiseta azul. De
repente, o PM levanta o rapaz pelas pernas e o joga no córrego.
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| Mais letal — Foto: Editoria de Arte |
A Secretaria de Segurança Pública afastou 13 PMs envolvidos na ação, que estariam dispersando um baile funk nas proximidades. O Jornal Nacional informou na noite de terça-feira que a vítima é um entregador chamado Marcelo, que feriu o rosto na queda e foi levado para o hospital depois de ser socorrido por moradores de rua que estavam embaixo da ponte.
— Eu gostaria de uma
explicação desse policial aí e o porquê ele fez isso — disse ao telejornal da
TV Globo o pai de Marcelo, o mecânico Antônio Donizete do Amaral.
Pela manhã, nas redes
sociais, Tarcísio afirmou que “aquele que atira pelas costas, aquele que chega
ao absurdo de jogar uma pessoa de uma ponte, evidentemente não está à altura de
usar essa farda”. Secretário de Segurança Pública, Derrite divulgou um vídeo
dizendo que a ação na ponte “não encontra respaldo nos procedimentos
operacionais” e “ações isoladas não podem denegrir a imagem” da PM.
O governador convocou na
tarde de terça-feira uma reunião de emergência com o comandante-geral da
corporação, Cássio Araújo de Freitas, o subcomandante-geral, coronel José
Augusto Coutinho, e o corregedor-geral, Silvio Hiroshi Oyama. O encontro seria
para corrigir rumos e punir excessos da PM.
A publicação do governador na
manhã de terça-feira também se refere à morte de Gabriel Renan da Silva Soares,
no dia 3 de novembro, atingido com 11 tiros nas costas ao tentar furtar pacotes
de sabão em um mercado da Zona Sul da capital paulista. Vídeos divulgados esta
semana contrariam a versão do policial Vinicius Lima Britto, autor dos
disparos, de que ele atirou em legítima defesa, registrada no boletim de
ocorrência da Polícia Civil. O agente, que estava de folga quando atirou em
Renan, foi afastado e será investigado pela Corregedoria.
Os dois casos repercutiram ao
mesmo tempo em que terça-feira uma perícia confirmou o que a Polícia Militar já
havia antecipado como provável: partiu da arma de um policial a bala que matou
o menino Ryan de Silva Andrade, de 4 anos, no morro de São Bento, em Santos, no
dia 5 de novembro, em uma incursão onde também foi morto um adolescente.
‘Estarrecedoras’
As imagens do agente jogando
um homem da ponte foram classificadas como “estarrecedoras e absolutamente
inadmissíveis” pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e
Costa, que determinou que o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública
(Gaesp) do Ministério Público acompanhe o caso. “Pelo registro, fica evidente
que o suspeito já estava dominado”, disse Oliveira.
De 1º de janeiro até 29 de
novembro, São Paulo teve 697 mortes decorrentes de intervenção de PMs, contra
460 em todo o ano passado, segundo o Gaesp. O aumento foi de 51%. Desse total,
595 foram cometidas por policiais em serviço e 102 por agentes de folga.
Somadas as mortes por policiais civis, o estado conta 768 casos, uma alta de
66% sobre os dez primeiros meses de 2023. Em relação a todo o ano passado, a
alta é de 42%.
As forças de segurança
respondem por uma em cada quatro (23,9%) vítimas da violência em São Paulo
entre janeiro e outubro, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Foram 2.153
vítimas de homicídio doloso no período, e 676 mortes decorrentes de
intervenções policiais.
Só no mês passado, mais de 30
policiais — militares e civis — foram afastados por envolvimento em casos de
violência. Além do caso de Ryan, a atuação da PM também foi criticada em
novembro pela morte do estudante de medicina Marco Aurelio Cardenas Acosta, de
22 anos, baleado ao tentar resistir à abordagem policial em um hotel, depois de
bater no carro dos agentes que tentaram imobilizá-lo.
No episódio de Ryan, Derrite
havia saído em defesa dos policiais, dizendo que “foram agredidos a tiros”. No
dia seguinte, Tarcísio afirmou que o secretário “tem se saído bem” e evitou
abordar a morte da criança. Quanto ao estudante de medicina, Derrite não
prestou solidariedade à família e o governador só se manifestou após cobrança
de parentes, dizendo que “abusos não serão tolerados”.
Especialistas em segurança
pública ouvidos pelo GLOBO apontam que os episódios se enquadram na
descontinuidade de políticas de redução do uso da força policial e que os
discursos de lideranças, como o governador e o secretário Derrite, contribuíram
para isso.
— A postura pública da
liderança importa na ponta. Se você tem um discurso que legitima a violência,
isso legitima a tropa a usar a violência — aponta Carolina Ricardo, diretora-executiva
do Instituto Sou da Paz.
Leonardo Carvalho,
pesquisador sênior do Fórum de Segurança Pública, critica as mesmas políticas.
— O programa de câmeras da
PM, que era entendido como exitoso, foi questionado por Tarcísio já no processo
eleitoral. Toda liderança passa uma mensagem para sua equipe — ele diz.
A advogada e tia de Renan,
Fátima Taddeo, conta que a família sempre questionou a versão apresentada pelo
PM Vinícius para a morte do rapaz e já havia pedido imagens do estabelecimento
em que ele foi baleado, que só foram enviadas no dia 29 à Polícia Civil.
— Vimos no BO “morte por
intervenção policial, tentativa de roubo e resistência”. Só que o mesmo boletim
fala que tem 11 perfurações no corpo. Se ele estava tentando furtar, por que
constava roubo? Não foi legítima defesa — disse.


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