O vídeo bateu recorde negativo: mais de 1.400 comentários, 78% em tom de indignação e com percepções negativas
02 de dezembro de 2024
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| Vídeo da Marinha sobre "privilégios" (Foto: Reprodução) |
Por Denise Assis (247) - A semana começou mal para a Marinha, que, neste domingo, primeiro de
dezembro, lançou um vídeo com o título: “Privilégios? Vem para a
Marinha”. Em apenas 24 horas, a peça havia atingido 50 mil visualizações,
de acordo com a revista Sociedade Militar, que se debruçou sobre os
desdobramentos do vídeo e seus efeitos. Tantos cliques, no entanto, não foram
creditados ao sucesso do lançamento. Muito pelo contrário. A empreitada foi
descrita assim pelo veículo voltado para os militares:
“Não se pode atribuir esse ‘sucesso’
a uma estratégia bem-sucedida de marketing institucional. Na verdade, a peça
publicitária, parte do plano de comunicação estratégica da Marinha, tem atraído
visualizações por conta da curiosidade gerada pela enxurrada de críticas que
vem recebendo.”
O vídeo, agora se sabe, não só teve a
anuência do comandante da Marinha, Marcos Olsen, mas contou com sua presença no
lançamento, junto a outras autoridades militares, gerando uma onda de debates e
críticas. Como se sabe, a relação entre a sociedade civil e os militares não
anda das melhores, desde que veio a público o relatório da Polícia Federal
revelando os planos golpistas de generais e oficiais do Exército, com a adesão
do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier.
O lançamento da peça publicitária só
ressaltou a complexa relação entre as Forças Armadas e a sociedade civil, que
já não está em boa fase. A animosidade só aumentou após o anúncio, há poucos
dias, dos cortes orçamentários e medidas para redução de benefícios militares.
O vídeo da Marinha foca nesse ponto, destacando o trabalho dos militares,
contrastando-o com momentos de lazer de civis, e encerra com o provocativo
questionamento: “Privilégios? Vem para a Marinha.”
De acordo com o que apurou a RSM, “apesar da evidente intenção de valorizar a carreira militar, o material surtiu efeito contrário e foi amplamente criticado, gerando uma repercussão majoritariamente negativa nas redes sociais e na opinião pública”. A revista procurou especialistas para analisarem o impacto da campanha, e eles destacaram a desconexão entre a narrativa apresentada e as condições vividas pela população brasileira.
Repercussão majoritariamente negativa
Uma análise de sentimento realizada
pela Revista Sociedade Militar sobre os comentários nas redes
sociais, usando uma amostra de 120 comentários postados no perfil da força no
YouTube, revelou que 78% das reações foram negativas, 10% positivas e 12%
neutras. A maior crítica apontada pelos cidadãos foi a percepção de que o vídeo
tentava justificar privilégios, criando uma polarização artificial entre as
vidas civil e militar.
Usuários das redes sociais
expressaram indignação:
·
“A Marinha do
Brasil deveria se lembrar que eles só vestem roupas porque tem uma costureira,
e que os jeeps só andam porque existem metalúrgicos” (@lucaslopesresende1123).
·
“O vídeo é uma
resposta aos pacotes de reforma fiscal do governo para corrigir privilégios dos
militares, tentando criar um antagonismo entre as atividades militares e da
sociedade civil” (@giovanosiqueira2546).
· “A MARINHA FEZ UM VÍDEO DEPRECIANDO O POVO QUE A SUSTENTA!!! O vídeo é uma vergonha, uma afronta, um escárnio além de ter sido feito com o dinheiro dos impostos de toda a sociedade brasileira!!! FIM AOS PRIVILÉGIOS DAS FFAA!” (@danielleserpa_).
DeDesconexão da realidade mostrada no vídeo da Marinha com a realidade social
Especialistas também destacaram o
descompasso entre a mensagem do vídeo e a realidade da maioria dos brasileiros.
Para a professora Carla Teixeira, historiadora militar e coautora do
livro Ilegais e Imorais, ouvida pelo Canal UOL, a
campanha reforça “uma visão elitista e insensível às dificuldades enfrentadas
pela população, como transporte público precário, baixos salários e falta de
acesso a serviços básicos”.
A professora classificou o vídeo como reflexo de um “deslocamento histórico e social”, apontando para a necessidade de as Forças Armadas se alinharem às demandas e percepções da sociedade contemporânea.
Impacto grave na imagem institucional
Também o impacto do vídeo na
reputação da Marinha foi significativo, conforme atestou a RSM.
“Comentários indicaram que a narrativa contribuiu para aprofundar o
distanciamento entre as Forças Armadas e a sociedade civil.” Segundo Carla Teixeira,
consultada pelo UOL, “a campanha comprometeu ainda mais o respeito
pela instituição e evidenciou a necessidade de reformas estruturais para
modernizar os valores militares, tornando-os mais compatíveis com as
necessidades do Brasil contemporâneo”.
Na opinião da pesquisadora, a campanha reacendeu o debate sobre os benefícios concedidos às Forças Armadas, como pensões vitalícias, aposentadorias precoces e vantagens salariais amplamente criticadas por sua desproporcionalidade. A narrativa do vídeo, que tentava associar sacrifício e risco ao papel militar, foi vista como desconectada de uma realidade percebida por muitos como marcada por privilégios. Ou seja, realçou ainda mais as diferenças.
Conclusão
O vídeo institucional da Marinha
revelou tensões profundas entre a visão que as Forças Armadas têm de si mesmas
e a percepção do público. A rejeição generalizada à peça evidenciou a
necessidade de um timing correto para emplacar determinados
discursos, estratégias de comunicação mais alinhadas à realidade social e de
uma abordagem institucional que, ao invés de criar conflitos do tipo militar x
paisano, promova o diálogo e o entendimento com a sociedade.
Em grupos restritos de militares, a peça foi
mencionada como “verdadeira, mas inoportuna”. Militares se enxergam como
profissionais que arriscam as vidas e têm um cotidiano diferenciado. Mas não
fazem menos do que profissionais como “os caras que cuidam das redes de alta
tensão, que também se arriscam muito. Cada um tem sua briga. Achei a coisa meio
mal colocada”, disse um suboficial.
Assista o vídeo:

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