quinta-feira, 4 de julho de 2024

 

Um dos pais do Real expõe a farsa da tática para sabotar Lula

“Winston Fritsch repete várias vezes que o discurso da questão fiscal é uma tapeação a serviço do mercado”, escreve o colunista Moisés Mendes

Winston Fritsch (Foto: Reprodução/YouTube)


 





É mais do que esclarecedora, é demolidora a entrevista que o economista Winston Fritsch concedeu à Folha essa semana. Um dos pais do Plano Real esclarece pelo que diz e pelo que não precisa ser dito. Isso é o que ele diz: 

“Não se pode dizer que os juros estão onde estão por causa do fiscal. É por causa do choque da inflação pós-Covid. A resposta do Banco Central, independente, foi dada um ano antes dos Estados Unidos, e foi muito violenta. Mas funcionou. Só que, agora, para baixar, começa o lero-lero de ‘pô, olha o fiscal’. Mas não foi o fiscal que fez a taxa subir. Foi o choque exógeno da inflação. E com os juros americanos de curto prazo a 5,5%, não dá para baixar muito por aqui. Se baixa muito no Brasil, tem êxodo de capital, o dólar vai para o espaço. É o que está acontecendo”.

O resto é complemento do seu argumento e nem precisaria estar aqui, para que se saiba o que ele não disse. O que Fritsch deixou subentendido é que toda a conversa sobre a questão fiscal, que sustenta a argumentação do mercado, do Banco Central e da grande mídia, é uma farsa. A ladainha fiscal não deveria ser usada para explicar a atual calibragem do juro. Mas é usada (e isso Fritsch não precisa dizer) para acossar e imobilizar o governo, jogá-lo às hienas da Faria Lima e criar manchetes com a sabotagem de Folha, Globo e Estadão. O que fica claro na entrevista é que o argumento da direita é usado para inviabilizar o governo e culpá-lo publicamente pelo juro alto. Quem diz não é um economista de esquerda.

Vamos seguir em frente com a explicação de Fritsch, que leva a um desfecho arrasador:

“Toda vez que aparece a ideia de que o juro vai cair, o dólar sobe. Virou uma espécie de armadilha. Porque veio a crise, o juro subiu. Os americanos subiram, e temos agora um patamar que é dado pela conta de capital, não mais pela economia interna. Então, tem que ficar esperando o Fed (o BC americano) baixar o juro para a gente ir atrás”.

E chegamos então ao gran finale da entrevista, quando o entrevistador Fernando Canzian insiste em dizer que “o calcanhar de Aquiles continua sendo o fiscal”. Eis o trecho com a resposta:

“Agora, o juro está alto por causa do fiscal? Bullshit (bobagem). Está alto pela taxa do Fed a 5,5% ao ano. Mas aparece todo o discurso conservador da Faria Lima”. 

Vamos repetir: a questão fiscal é uma asneira, uma conversa fiada, uma farsa. Mas mesmo assim o que prevalece, com a insistência em torno do corte de gastos, é “o discurso conservador da Faria Lima”.

Fritsch define a defesa do arrocho fiscal, com cortes na educação e na saúde, como propõem os jornalões, como discurso conservador do mercado financeiro, porque é uma pessoa educada. 

É mais do que isso, é a pregação rentista, que concilia interesses imediatos dos donos do dinheiro com os interesses políticos do bolsonarismo articulado com Roberto Campos Neto.

O que Fritsch reafirma várias vezes é que o principal argumento para que os juros sejam altos é falso. O que ele não precisa dizer é que nunca antes um argumento pretensamente econômico do mercado financeiro e do BC se prestou tanto ao ativismo político de direita e extrema direita como agora. 

Só o que faltou na fala de Fritsch foi uma referência direta a Campos Neto, que é apenas o capataz do mercado e está a caminho de colocação num emprego do bolsonarismo, como fez Sergio Moro.

A Folha deu à entrevista esse título: “Há tarefas inacabadas, mas juro alto não é problema só do fiscal, diz um dos pais do Real”.

Essa relativização, essa história de “não é problema só do fiscal”, não aparece em nenhuma frase e nem poderia ser usada como resumo do que disse o economista. Fritsch não diz nada disso. Não tem nada de não é ‘só’ do fiscal. O que tem é: o juro alto hoje não é culpa da questão fiscal.  

O que ele repete está nessa sequência de frases. Vamos ler de novo. Primeira frase: “E não se pode dizer que os juros estão onde estão por causa do fiscal”. Segunda frase: “Mas não foi o fiscal que fez a taxa subir”. E a terceira e definitiva frase: “Agora, o juro está alto por causa do fiscal? Bullshit”. Ou dito sem volteios: é uma conversa de merda mesmo.

O resumo da entrevista, para rimar com tapeação e bobagem, é esse: a tática do mercado, do BC e das corporações de mídia é parte da sabotagem.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Europa: o Partido da Guerra perdeu


Fracassaram os governos que mergulharam na política bélica de Washington e voltaram as costas à crise social


 


O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, apertam as mãos durante uma declaração conjunta com o presidente francês, Emmanuel Macron, no Palácio do Eliseu, em Paris, França, em 8 de fevereiro de 2023. (Foto: REUTERS/Sarah Meyssonnier/Pool)

 (Publicado originalmente no Outras Palavras)

Ao dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas no domingo (9/6), logo depois de sofrer derrota política avassaladora, o presidente da França, Emmanuel Macron, deu o tom das manchetes e análises sobre o resultado da disputa pelo Parlamento Europeu. A extrema direita teria obtido, em todo o velho continente, uma grande vitória. O resultado estaria fazendo tremer as instituições. Somado à alta probabilidade de triunfo de Donald Trump nos EUA, em novembro, ele pressagiaria o pior.

Esta análise oculta mais do que revela. O avanço da ultradireita é real. Mas sua causa maior não é uma onda súbita e incompreensível de conservadorismo do eleitorado. Como nos anos 1920 e 30, o avanço do “neo”fascismo deve-se ao fiasco desastroso dos governos que adotaram, nos últimos anos políticas ultraliberais. Destacam-se os da França e Alemanha, eixo permanente da União Europeia. 

Ao embarcarem de armas e bagagens na guerra dos EUA contra a Rússia, eles debilitaram suas economias, agravaram a crise social e ampliaram o descrédito na democracia. O retrocesso, portanto, não é um destino, mas o resultado de políticas reversíveis. Os fatos podem dizer muito também ao Brasil. Porém, a mídia conservadora calará a respeito e apenas parte da esquerda parece atentar para o problema real.

Os gráficos a seguir – do The Guardian e Le Monde – são um primeiro elemento para compreender o resultado além dos mitos. Eles mostram que as duas principais correntes da ultradireita europeia cresceram de fato – porém, moderadamente. O grupo parlamentar ECR (Conservadores e Reformistas da Europa) que é pró-OTAN e cuja referência principal é a primeira ministra italiana, Giorgia Meloni, conquistou quatro novas cadeiras (+5,8%). Agora tem 73 dos 720 assentos do parlamento, ou 10,1%. 

A facção Identidade e Democracia (ID), liderada pela francesa Marine Le Pen e contrária à guerra na Ucrânia, cresceu 18,3% e formou uma bancada de 58 parlamentares. A estes somam-se ultradireitistas rejeitados no momento pelos dois blocos (por sua proximidade com o nazismo), em especial a Alternativa para a Alemanha (AfD), que elegeu 15 eurodeputados (tinha 11).