"Paiva surfou na onda lamacenta da enchente
para dizer à sociedade o que tranquiliza ouvir: seu posicionamento é pela
pacificação da tropa", diz Denise Assis
08 de junho de 2024
Tomás Paiva e José Múcio (Foto: Vinicius
Loures/Câmara dos Deputados)
O general e comandante do Exército
Brasileiro, Tomás Paiva, manteve-se discreto desde que assumiu a liderança da
Força. Nunca se esquivou de opinar, quando instado a fazê-lo, mas até então
evitou entrevistas longas, em que emitisse opiniões políticas ou mesmo sobre o
trabalho que vinha desenvolvendo. Parecia avaliar que, depois do 8 de janeiro
(2023), episódio que arrastou para investigações e as páginas policiais nomes
de peso das fileiras – entre ativos e reformados -, era preciso esperar que os
ânimos se abrandassem ou, como se costuma dizer, a tempestade passasse. Em seu
caso, essa espera foi literal. Depois da atuação avaliada como positiva, da
tropa, no socorro à tragédia no Rio Grande do Sul, Paiva parece ter avaliado
que era hora de falar.
Numa entrevista publicada neste
sábado (08/06) em O Globo, o comandante manda vários recados. O primeiro, à
tropa. Não se arvorem a fazer política, contaminando o ambiente dos quartéis,
pois isto não será mais tolerado. Sua fala deixa claro que a ordem é trabalhar
à luz da Constituição e pela defesa do país. “Esse é o único caminho eu temos
na direção de ser um país moderno”, determina, acrescentando que “O militar não
pode se envolver” (em política).
Aproveita a ocasião para dizer que se
arrepende de não ter melhor “assessorado” o ex-comandante, Eduardo Villas Boas,
de quem foi chefe de gabinete, no sentido de dissuadi-lo de emitir o tuíte que
levou o Supremo Tribunal Militar (STF) a negar o habeas corpus que livraria o
então ex-presidente Lula da prisão, em 2018, permitindo que disputasse a
eleição em que era franco favorito. Embora ressalte, corretamente, que “ninguém
pressiona o Supremo”. Não deveria, mas o STF medrou.
A autocrítica é louvável e corajosa,
mas não muda os rumos da história, que desembocou no atraso cultural, econômico
e na desgraça do fascismo explícito, na contaminação do país pelo ódio que não
dá sinais de ir embora tão cedo. Fez muito mal, general. Para isto, sentimos
muito, não há perdão.
Outro recado contundente foi para os
que estão sob investigação: não terão a mão do Exército a tirá-los do apuro.
Não vai interferir nos desígnios da Lei. E para os que forem condenados,
restará ainda a avaliação militar se permanecem ou não a serviço das suas
fileiras. Sua disposição parece ser a de quem vai desligar os condenados acima
de dois anos. A regra é clara e Paiva deixou antever que irá segui-la.
Fala para dentro, faz um afago em
seus pares radicais do Alto Comando, quando atribui aos trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade, “um viés que buscava uma justiça de transição que não
existe”. Ou ele não leu sobre justiça de transição, ou não leu a lei de criação
da CNV. Não há uma linha sequer que fale em “fazer justiça”, a interpretação
dada pelo general. A Comissão caminhou apenas no sentido de trazer à luz os
fatos ocorridos no período da ditadura (1964-1985), não tendo nenhum poder de
punir ou indiciar quem quer que fosse.
Não é possível acreditar que ele não
tenha pelo menos passado os olhos pelo Relatório Final da CNV. E se o fez, o
que o assombrou não foi nenhum tom “revanchista”, como costumam atribuir. O seu
espanto é ver ali, colocado para a opinião pública, o terror cometido por
homens que tiveram a mesma formação que ele. É constrangimento, o nome disso.
Ou, para os mais jovens, “vergonha alheia”.
Ainda nesta seara, a dos direitos
humanos, ao lado da condenação à CNV, como já disse, uma clara intenção de
perfilar-se à opinião do grupo do Alto Comando, sinaliza ao atual governo,
comprometido desde a campanha com a reconstituição da Comissão Nacional de
Mortos e Desaparecidos, que não irá se opor. Pelo contrário, destaca: “a
Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos é outra iniciativa: busca que
pessoas que perderam os seus entes queridos tenham o direito de saber o que
aconteceu. Isso é humanitário. Ninguém pode se opor a esse direito, mesmo que
resvale no Exército atualmente”. Ou seja, confessa que foi o impacto causado
pelas descobertas da CNV que impactaram os seus pares, o real motivo da sua
indignação. E isso não passa.
Deixa transparecer que, sim, houve um
pacto de não mexer nesse passado nos 60 anos do golpe de 1964: “Já se passou
muito tempo (do golpe). Eu acho que ele (Lula) fez um gesto ao país”. Fez, e
por isso ele agora faz outro, dizendo que tudo bem. Que venha a Comissão
Nacional dos Mortos e Desaparecidos.
E, por fim, admite que está orgulhoso
do desempenho do Exército na tragédia do Sul, embora tente tirar do foco o uso
desse bom momento em termos de imagem da Força: “Seria triste falar que
precisamos de uma tragédia para melhorar a nossa reputação”, reage. “O
prestígio das Forças cumprindo a missão constitucional, ocorre naturalmente e é
proporcional ao tamanho do engajamento na missão”, arremata.
Sem dúvida, Tomás Paiva surfou na onda lamacenta da
enchente para dizer à sociedade o que mais nos tranquiliza ouvir: seu
posicionamento é pela pacificação da tropa – “essa missão nunca está
concluída”, adverte -, mas nos apraz saber que há alguém se incumbindo da
tarefa com consciência e dever. Relevamos o momento escolhido. Como militar,
foi estratégico.
EM TEMPO: Não só os militares das Forças Armadas, como também os demais integrantes das forças de segurança e repressão (PM, PC, PF, PRF, .....), não devem se envolver em política.
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