"Por ironia do destino, os que se apresentavam como combatentes da corrução agora estão sendo desmascarados como corruptos", escreve Jorge Folena (Advogado e Cientista Político)
20 de abril de 2024
Da esq. para a dir.: Deltan Dallagnol, Gabriela Hardt
e Sergio Moro (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados | Reprodução/Twitter)
O corregedor Nacional de Justiça,
Luís Felipe Salomão, no seu voto pelo afastamento da juíza lavajatista Gabriela
Hardt das suas funções, trouxe ao debate o acordo de leniência firmado entre a
Petrobras, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América do Norte e a
Procuradoria do Leste de Virginia, de interesse da lava jato, que construiu um
estratagema para, de forma ilícita e simulada, receber uma generosa comissão,
num nocivo esquema desenvolvido entre juízes e procuradores.
Nesse ponto, é importante resgatar o
que manifestou o próprio ex-chefe da força tarefa de Curitiba, em 25 de julho
de 2016, em um dos diálogos obtidos na “Operação Spoofing” e tornados públicos
pelo STF: “talvez dependamos de fazer um acordo com a vítima, a Petrobras. Vc.
Podia marcar a reunião com a Petrobras para isso tb. A justificativa é que sem
investigação e sistemas etc. nunca ela seria ressarcida. 10% é algo razoável a
perder para ganhar muito mais. ...”.
Em decorrência da correição feita
pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba, o corregedor pôde expressar, em sua
decisão, que os “membros da força tarefa agiram (...) para auxiliar autoridades
americanas a construírem casos criminais em face da Petrobras com interesse no
retorno de parte de multa que seria aplicada”.
Assim, segundo o corregedor, o
referido acordo, celebrado pela Petrobras com os seus sócios minoritários nos
Estados Unidos, nasceu de pressão dos integrantes da lava jato para se
beneficiarem e formarem uma fundação de direito privado, que viria a ser a base
política e financeira para o partido político dessa organização, que, num gesto
de traição nacional, atentou contra a soberania do país, levou à derrocada das
nossas empresas de engenharia, causou o desemprego de milhões de trabalhadores
brasileiros, destroçou com a democracia e abriu as portas do país para o
fascismo.
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É importante lembrar que os dois
principais líderes desta organização (um ex-juiz e um ex-procurador) eram, na
verdade, políticos transvestidos de autoridades do sistema de justiça, que
depois foram eleitos senador e deputado federal pelo Estado do Paraná e são
explícitos apoiadores da extrema-direita, que atenta diariamente contra o
Estado Democrático de Direito e as instituições políticas do Brasil.
Dito isto, considero importante
resgatar do texto da mencionada transação (assinada pela Petrobras durante o
governo de Michel Temer) a afirmação de que a petrolífera brasileira “fez
acordo em uma ação coletiva privada de acionistas, a Petrobras Securities
Litigation, n. 14-cv-9662 (S.D.N.Y), relativa à conduta descrita na Declaração
de Fatos, segundo a qual concordou em pagar US$ 2,95 bilhões”. Lembrando que a
Vale do Rio Doce foi privatizada, na era FHC, por R$ 3 bilhões de reais e o
acordo da lava jato nos EUA foi de quase 3 bilhões de dólares.
O acordo privado celebrado entre a
Petrobras e os autores da mencionada ação coletiva foi uma forma simulada de
transferir indevidamente divisas do Brasil, em desacordo com a legislação
brasileira, para favorecimento dos acionistas minoritários estrangeiros e da
própria lava jato, como foi apurado pela Corregedoria do CNJ.
Em 03 de janeiro de 2018, a Petrobras
levou a público, por meio de fato relevante, o seguinte:
“Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2018 –
Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras informa que assinou acordo para encerrar a
Class Action em curso perante a Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados
Unidos da América.
O acordo, que será submetido à
apreciação do Juiz, objetiva encerrar todas as demandas atualmente em curso e
que poderiam vir a ser propostas por adquirentes de valores mobiliários da
Petrobras nos Estados Unidos ou listados naquele país. O acordo elimina o risco
de um julgamento desfavorável, que, conforme anteriormente reportado ao
mercado, poderia causar efeitos materiais adversos à Companhia e à sua situação
financeira.
Além disso, põe fim a incertezas,
ônus e custos associados à continuidade dessa ação coletiva. No acordo proposto
para o encerramento da ação, a Petrobras pagará US$ 2,95 bilhões, em 2 (duas)
parcelas de US$ 983 milhões e uma última parcela de US$ 984 milhões. A primeira
parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação preliminar do Juiz. A
segunda parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação judicial final.
A terceira parcela será paga em (i) até 6 (seis) meses após a aprovação final,
ou (ii) 15 de janeiro de 2019, o que acontecer por último. O valor total do
acordo impactará o resultado do quarto trimestre de 2017.
O acordo não constitui reconhecimento
de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras. No acordo, a
Companhia expressamente nega qualquer responsabilidade. Isso reflete a sua
condição de vítima dos atos revelados pela Operação Lava Jato, conforme
reconhecido por autoridades brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal.
Na condição de vítima do esquema, a Petrobras já recuperou R$ 1,475 bilhão no
Brasil e continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e
indivíduos responsáveis.
O acordo atende aos melhores
interesses da Companhia e de seus acionistas, tendo em vista o risco de um
julgamento influenciado por um júri popular, as peculiaridades da legislação
processual e de mercado de capitais norte-americana, bem como o estágio
processual e as características desse tipo de ação nos Estados Unidos, onde
apenas aproximadamente 0,3% das class actions relacionadas a valores
mobiliários chegam à fase de julgamento.
O acordo será submetido à apreciação
do Juiz, que, após aprovação preliminar, notificará os membros da Classe. Após
avaliar eventuais objeções e realizar audiência para decidir quanto à
razoabilidade do acordo, o Juiz decidirá sobre a sua aprovação definitiva.
As partes pedirão à Suprema Corte
norte-americana que adie, até a aprovação final do acordo proposto, a decisão
quanto à admissibilidade de recurso apresentado pela Petrobras, o que estava
previsto para o dia 05/01/2018.”
Ou seja, a Petrobras firmou, de forma
prematura, referido acordo “para encerrar a Class Action em curso perante a
Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América”, de modo a
beneficiar, a princípio, acionistas americanos (“sócios” minoritários da
companhia), que sequer tiveram sua expectativa de direitos reconhecida
judicialmente, e sem que a empresa tenha logrado que o recurso por ela
interposto fosse examinado e julgado pela Suprema Corte Americana, como
anunciado no próprio fato relevante, e também reconhecendo que “o acordo não
constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela
Petrobras.” Ora, se não houve culpa nem foram praticados atos irregulares,
porque o acordo foi firmado, se não havia qualquer decisão contrária à empresa?
Além disso, ao fazer o mencionado acordo,
a Petrobras (sob pressão da lava jato) possibilitou a indevida transferência de
divisas do Brasil para o exterior, que podem ter sido usadas pelos supostos
“acionistas” americanos para a aquisição de mais ações da empresa (no momento
em que estavam desvalorizadas), e sendo a outra parte dos recursos devolvida em
forma de comissão (“10% é algo razoável a perder para ganhar muito mais”), para
ser empregada em favor da própria lava jato, que usaria o dinheiro para
constituir a sua fundação, o que foi suspenso por decisão do ministro Alexandre
de Moraes, na ADPF 568.
Com efeito, na sua decisão, o
ministro Alexandre de Moraes reconheceu que a lava jato firmou ilegalmente o
acordo nos EUA, sem nenhuma consulta à União ou à sua chefia na PGR; e o mais
grave, identificando-se como “Brasil” ou “autoridades brasileiras”, conforme
trecho a seguir:
“Após a celebração do primeiro acordo
entre as autoridades norte-americanas e a Petrobras, a empresa brasileira e
Procuradores da República no Paraná, inexplicavelmente, optaram pela realização
de um segundo acordo, sem qualquer participação da Chefia Institucional e
Administrativa do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, como
determina o artigo 26, inciso I, da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da
União).
Sem consulta à União ou à
Procuradoria-Geral da República, a Petrobras e a Procuradoria da República no
Paraná resolveram, de maneira sigilosa e à margem da legalidade e da
moralidade administrativas, definir esse órgão de execução do Ministério
Público de 1ª instância como ‘Brasil’ e ‘autoridades brasileiras’, referidos no
termo de acordo com as autoridades norte-americanas, e, consequentemente, como
destinatário da administração e aplicação dos valores da multa, em total
descompasso com as normas constitucionais e legais que regem o Parquet.”
Pressionada pela lava jato, a
Petrobras, na época do governo de Michel Temer, abriu mão do seu dever moral e
jurídico de se defender nos Estados Unidos contra seus “sócios” minoritários,
porque, como expuseram o corregedor do CNJ e o ministro Alexandre de Moraes, o
referido acordo foi firmado contra disposição da legislação brasileira e
constituindo uma forma simulada de pagamento, na medida em que não caberia à
Petrobras promover a reparação de “acionistas”, pois, como sócios da empresa, a
eles caberia a eventual propositura de ação de reparação de danos contra os
administradores, para exigir deles a reparação civil em favor da companhia,
como determina a Lei das Sociedades Anônimas.
Assim, a responsabilidade civil
deveria recair sobre os gestores, e não sobre a empresa, como indevidamente
construído pela lava jato, pela diretoria da Petrobras (no governo de Michel
Temer) e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O mais lamentável e até mesmo
revoltante foi ouvir, na sessão do dia 16 de abril no CNJ, as falas cínicas
sobre “contemporaneidade”, pois o tempo está passando e com ele se escoa o
prazo de prescrição para se buscar a responsabilização de todos os envolvidos.
O voto do ministro corregedor do CNJ
deixou patente que, além do peculato e da corrupção, a assinatura do referido
acordo foi, em tese, uma traição nacional promovida pelos integrantes da lava
jato, que impuseram à Petrobras firmar o acordo com o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, para favorecerem acionistas minoritários americanos e, ao
final, obterem vantagens por meio da fundação de direito privado que iriam
constituir para seu grupo, mediante a devolução de parte dos recursos
transferidos para o exterior. Literalmente: “10% é algo razoável a perder para
ganhar muito mais.”
A coisa é muito mais séria do que se
pode imaginar e o ministro Barroso deverá ficar com seu cabelo em pé, a partir
da leitura do relatório apresentado, pois, pelo visto, o corregedor do CNJ já
teve acesso a todos os documentos da farsa montada pela lava jato para sangrar
os cofres da Petrobras e se beneficiar; o enredo, montado entre 2016/2018, que
parecia um roteiro cinematográfico para um filme de “mocinhos bons e bem
educados”, vai sendo agora desmontado e se revela como uma lesiva trama de
cobiça, espionagem e traição.
Por ironia do destino, os que se
apresentavam como combatentes da corrução agora estão sendo desmascarados como
corruptos. Mas a sociedade deve ficar atenta, pois o discurso manipulado por
eles costuma dar audiência. Assim, no horizonte há sempre a ameaça de uma
reprise, a reencenação de uma “nova” operação com “novos mocinhos”.
Artigo 159, § 7o, da Lei 6.604/76.
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