(Foto: Mídia chinesa) |
"A Eurásia está prestes a aumentar muito de
tamanho, com países fazendo fila para se juntarem aos BRICS e à OCX, liderados
pela China e pela Rússia", diz Pepe Escobar (*)
Comecemos com o que é de fato um conto sobre o comércio do Sul Global entre dois membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Em seu cerne está o já notório drone Shahed-136 – ou Geranium-2, em sua denominação russa: o AK-47 da guerra aérea pós-moderna.
Os Estados Unidos, em mais um característico ataque
histérico transbordando de ironia, acusou Teerã de armar as Forças Armadas
Russas. Tanto para Teerã quanto para Moscou, o drone superstar, de ótimo
custo-benefício e terrivelmente eficiente, usado no campo de batalha ucraniano,
é um segredo de estado: seu uso desencadeou uma tempestade de negativas
de ambos os lados. Se esses drones são made in Iran, ou se o projeto foi comprado e a
fabricação tem lugar na Rússia (a opção mais realista) não faz a menor
importância.
Os registros mostram que os Estados Unidos armam
até o pescoço a Ucrânia contra a Rússia. O Império, na verdade, é um combatente
na guerra, por intermédio de um bando de "consultores", conselheiros,
treinadores, mercenários, armamento pesado, munições, inteligência via satélite
e guerra eletrônica. E, no entanto, os funcionários imperiais juram que
não participam da guerra. Eles, mais uma vez, mentem.
Bem-vindos a mais um exemplo explícito da
"ordem mundial baseada em regras" em operação. É sempre o Hegêmona
quem decide quais regras aplicar, e quando. Qualquer um que se contraponha a
ele é um inimigo da "liberdade" e da "democracia", ou
qualquer outro chavão, deverá ser – o que mais seria? – punido com sanções
arbitrárias.
No caso do Irã, há décadas sancionado até a
exaustão, o resultado foi, como seria de se esperar, uma outra rodada de
sanções. O que é irrelevante. O que importa é que, segundo o Corpo de Guarda
Revolucionário Islâmico do Irã, nada menos que 22 países – lista que vem
crescendo – estão fazendo fila para
pegar o bonde do Shahed.
Até mesmo o líder da Revolução Islâmica, o Aiatolá
Ali Khamenei, alegremente entrou na onda, comentando que o Shahed-136 não
precisa photoshop.
A corrida rumo ao
BRICS+
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O que o novo pacote de sanções contra o Irã
realmente "conseguiu" foi desfechar mais um golpe na cada vez mais
problemática assinatura do ressuscitado acordo nuclear em Viena. Mais petróleo
iraniano no mercado, na verdade, seria um alívio para as dificuldades de
Washington após a recente e épica esnobada da OPEC+.
No entanto, um imperativo categórico continua
existindo. A iranofobia – da mesma forma que a russofobia – sempre fala mais
alto para os defensores da guerra straussianos-neocons que comandam a política
externa americana e para seus vassalos europeus.
Então, aqui temos mais uma escalada hostil nas
relações do Irã tanto com os Estados Unidos quanto com a União Europeia, uma
vez que a junta não-eleita de Bruxelas também sancionou três generais
iranianos.
Compare-se isso com o destino do drone turco
Bayraktar TB2 – que, diferentemente das "flores no céu" (os
gerânios russos) mostrou um péssimo desempenho em campo de batalha.
Kiev tentou convencer os turcos a usarem uma
fábrica de armamentos da Motor Sich na Ucrânia ou abrirem uma nova
empresa na Transcarpátia/Lviv para construir Bayraktars. O oligarca
presidente da Motor Sich, Vyacheslav Boguslayev, de 84 anos de idade, foi
acusado de traição por suas ligações com a Rússia, e talvez seja trocado por
prisioneiros de guerra ucranianos.
Ao final, a negociação fracassou em razão do
excepcional entusiasmo mostrado por Ancara em trabalhar para a construção de
um novo centro de produção de gás na Turquia –
uma sugestão pessoal do Presidente russo Vladimir Putin a seu colega turco
Recep Tayyip Erdogan.
O que nos leva à interconexão cada vez maior entre
os BRICS e os nove membros da OCX – à qual essa instância russa-iraniana de
comércio militar está inextricavelmente ligada.
A OCX, liderada pela China e pela Rússia, é uma
instituição paneurasiana cujo foco original era o combate ao terrorismo, mas
que agora se volta cada vez mais para a cooperação geoeconômica – e
geopolítica. Os BRICS, liderados pela tríade Rússia, Índia, e China,
superpõem-se à agenda da OCX em termos geoeconômicos e geopolíticos, expandindo
essa agenda para a África, América Latina e mais além: esse é o conceito
do BRICS+, analisado em detalhe em um recente relatório do Clube Valdai , e plenamente
abraçado pela parceria estratégica Rússia-China.
O relatório pesa os prós e contras de três cenários
relacionados a possíveis candidatos ao BRICS+ no futuro próximo:
Primeiro, os países que foram convidados por Pequim
para fazer parte da cúpula do BRICS de 2017 (Egito, Quênia, México, Tailândia,
Tajiquistão).
Segundo, os países que fizeram parte do encontro de
chanceleres do BRICS, em maio do corrente ano (Argentina, Egito,
Indonésia, Cazaquistão, Nigéria, UEA, Arábia Saudita, Senegal, Tailândia).
Terceiro, as principais economias do G20
(Argentina, Indonésia, México, Arábia Saudita, Turquia).
E há também o Irã, que já demonstrou interesse em
se juntar aos BRICS.
O Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa,
confirmou recentemente que "diversos países" estão morrendo de
vontade de ingressar nos BRICS. Entre eles, um importantíssimo ator do Oeste
Asiático: a Arábia Saudita.
O que é ainda mais surpreendente é que, há apenas
três anos, no governo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, o
Príncipe Muhammad bin Salman (MbS) – o verdadeiro governante do país – estava
resolvido a se juntar a uma espécie de OTAN árabe, na condição de aliado privilegiado
do Império.
Fontes diplomáticas confirmam que no dia seguinte à
retirada das tropas americanas do Afeganistão, os enviados de MbS
começaram a negociar seriamente com Moscou e Pequim.
Supondo-se que o BRICS alcancem o consenso
necessário para a aprovação da candidatura de Riad em 2023, mal se pode
imaginar as consequências avassaladoras dessa decisão para o petrodólar.
Ao mesmo tempo, é importante não subestimar a capacidade dos controladores de
criarem o caos.
A única razão pela qual Washington tolera o
regime de Riad é o petrodólar. Não se pode permitir que os sauditas persigam
uma política externa independente e verdadeiramente soberana. Se isso
acontecer, o realinhamento geopolítico não irá afetar apenas a Arábia Saudita,
mas também todo o Golfo Pérsico.
Mas é cada vez mais provável que isso aconteça,
depois de a OPEC+ ter de fato escolhido o caminho BRICS/OCX liderado pela
Rússia e pela China – no que pode ser interpretado como um preâmbulo brando
para o fim do petrodólar.
A tríade
Riad-Teerã-Ancara
O Irã comunicou seu interesse em ingressar nos
BRICS antes mesmo da Arábia Saudita. Segundo fontes diplomáticas do Golfo
Pérsico, eles já estão engajados em um canal algo confidencial com a mediação
do Iraque, na tentativa de se organizarem para tal. A Turquia virá em seguida –
no BRICS, certamente, e possivelmente na OCX, onde Ancara hoje tem o status de
observador extremamente interessado.
Agora, imaginem essa tríade – Riad, Teerã, Ancara –
estreitamente ligadas a Rússia, Índia e China (o verdadeiro cerne dos BRICS), e
futuramente na OCX, onde o Irã é, até agora, o único país do Oeste Asiático
aceito como membro pleno.
O golpe estratégico desferido contra o Império
quebrou todos os récordes. As discussões que levam ao BRICS+ focam o
desafiador caminho rumo a uma moeda global lastreada em commodities capaz de
superar a primazia do dólar.
Diversos passos interligados apontam para uma
simbiose cada vez maior entre os BRICS+ e a SCO. Os estados-membros desta
última já chegaram a um acordo quanto a um roteiro para o aumento gradual do
comércio em moedas nacionais com base em acordos mútuos.
O Banco Estatal da Índia – o maior emprestador do
país – vem abrindo contas especiais em rúpias para o comércio relacionado com a
Rússia.
O gás natural russo enviado à Turquia será pago 25%
em liras turcas, com um desconto de 25% que Erdogan pediu pessoalmente a Putin.
O banco russo VTB lançou transferências para a
China em yuans, contornando o SWIFT, enquanto o Sberbank começou a
emprestar dinheiro na moeda chinesa. A gigante de energia russa Gazprom
combinou com a China que os pagamentos por fornecimento de gás devem mudar para
rublos e yuans, meio a meio.
O Irã e a Rússia estão unificando seus sistemas
bancários para conduzir comércio em rublos/rials.
O Banco Central do Egito está tomando providências
para estabelecer um índice para a libra egípcia – usando um grupo de
moedas e o ouro – com o objetivo de afastar a moeda nacional do dólar.
E, também, há a saga do TurkStream. .
O presente do
centro de gás
Ancara, há anos, vem tentando se posicionar como um
centro privilegiado de gás Oriente-Ocidente. Após a sabotagem dos Nord Streams, Putin entregou de
bandeja à Turquia a possibilidade de aumentar o fornecimento de gás para a
União Europeia usando esse centro. O Ministério da Energia turco afirmou que
Ancara e Moscou, em princípio, já chegaram a um acordo.
Na prática, isso significa que a Turquia irá
controlar o fluxo de gás não apenas da Rússia, mas também do Azerbaijão e de
grande parte do Oeste Asiático, talvez incluindo até mesmo o Irã e a Líbia, no
nordeste da África. Terminais de GNL no Egito, na Grécia e na própria
Turquia irão completar a rede.
O gás russo se desloca através dos gasodutos
TurkStream e Blue Stream. A capacidade total dos gasodutos russos é de 39
bilhões de metros cúbicos ao ano.
O TurkStream foi inicialmente projetado como um
gasoduto de quatro linhas, com uma capacidade nominal de 63 bilhões de metros
cúbicos ao ano. Nas atuais circunstâncias, apenas duas linhas – com capacidade
total de 31,5 bilhões de metros cúbicos – foram construídas.
Portanto, uma extensão, em tese, é mais praticável
– com a totalidade dos equipamentos de fabricação russa. O problema, mais uma
vez, é a instalação dos dutos. Os navios a serem usados pertencem ao Allseas
Group – e a Suíça faz parte da demência das sanções. No Mar Báltico,
embarcações russas foram usadas para concluir a construção do Nord Stream 2.
Mas, para uma extensão do TurkStream, seria necessária operar em profundidade
oceânica muito maior.
O TurkStream não seria capaz de substituir
completamente o Nord Stream, pois ele comporta volumes muito menores. A
boa notícia para a Rússia é não ser alijada do mercado europeu. É evidente que
a Gazprom só assumiria o significativo investimento necessário para a
construção de uma extensão se houver garantias férreas quanto a sua segurança.
A desvantagem é que a extensão também transportaria gás dos concorrentes da
Rússia.
Aconteça o que acontecer, resta o fato de que o
combo Estados Unidos-Reino Unido ainda exerce uma forte influência sobre a
Turquia – e a BP, a Exxon Mobil e a Shell, por exemplo, participam de
praticamente todos os projetos de extração de petróleo em todo o Oeste
Asiático. Eles, portanto, certamente iriam interferir na operação dos centros
de gás turcos, como também na determinação do preço do gás. Moscou tem que
pesar todas essas variáveis antes de se comprometer com o projeto.
A OTAN, é claro, ficará lívida de ódio. Mas
nunca subestimem o Sultão Erdogan, especialista em minimizar riscos. Sua
história de amor tanto com os BRICS quanto com a OCX está apenas
começando.
(*) Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações
internacionais
Tradução de Patricia Zimbres
EM TEMPO: O presidente Lula foi um dos signatários da formação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Portanto, o presidente Lula terá um papel fundamental na consolidação do mundo Multipolar.
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