"O risco maior é Minas: com Zema e as fake news em operação, Bolsonaro vai tentar virar a eleição no estado que é profundamente católico", avalia Rodrigo Vianna (*)
Lula e Bolsonaro estão em empate técnico no Rio e SP 16/08/2022 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
Por Rodrigo Vianna (*)
As próximas quatro semanas serão as mais tensas e importantes na política brasileira, desde que o país voltou a ser uma Democracia. Peço atenção de vocês para uma projeção de segundo turno que começa com análise política e termina com algumas contas - feitas na ponta do lápis. Construído nos anos 1980, o sistema político brasileiro começou a ser atacado com fúria em 2013. Depois, foi bombardeado pela Lava-Jato com apoio da Globo, golpeado em 2016 e, por fim, destruído em 2018. O que assistimos, no primeiro turno de 2022, é apenas a remoção dos corpos que estavam abandonados no campo de batalha.
Aqueles que promoveram o bombardeio esperavam que um cadáver estivesse sendo removido agora: o PT. Mas o partido, com Lula e as forças progressistas, comanda a resistência nessa Batalha de Stalingrado - da qual tem tudo pra sair mais forte. Outros mortos, no entanto, ficaram pelo caminho. O cadáver mais evidente é o do PSDB. O partido perdeu São Paulo, não conseguiu eleger Serra nem para deputado federal, viu sua bancada cair para apenas 13 deputados (menor do que a Federação PSOL/Rede, que elegeu 14 parlamentares) e assiste agora, nos estados, a um salve-se quem puder que lembra o de famílias desesperadas atrás de botes para flutuar enquanto o Titanic afunda.
Rodrigo Garcia, último tucano no poder em São Paulo, declarou apoio ao bolsonarista Tarcísio na eleição para governador, e vai ficar com Bolsonaro no segundo turno nacional. Garante algumas secretarias para sobreviver. E ponto. A ilusão de que o moribundo PSDB paulista pudesse apoiar Haddad, em troca do apoio do PT para Eduardo Leite no Rio Grande do Sul, mostrou que era apenas isso: ilusão. O PSDB deixou de existir como partido nacional. O DEM já havia desaparecido. Kassab com o PSD teve a bancada fagocitada pela fúria fascista. O MDB resiste. Cada um tenta salvar seus cacos.
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Aproveito para ressaltar aqui um movimento que
considero preocupante nesse início de segundo turno. Lula e o PT, com 6 milhões
de vantagem sobre o capetão, operam de forma tradicional nas negociações:
conversam com a direção do PSDB, comemoram a nota de Roberto Freire/Cidadania,
esperam sinais da direção emedebista e do PSD, além de negociar com Lupi uma
aliança orgânica com o PDT.
Bolsonaro age de forma mais realista. Se o sistema
político, com exceção do PT, está de fato estilhaçado, o capetão é a hiena que
devora os restos pelo chão. Ele vai direto ao poder real: Zema em Minas, Caiado
em Goiás, nacos do PSDB paulista, pedaços podres da Lava-Jato, escombros do
coronelismo de ACM na Bahia. E, principalmente, aprofunda a aliança com os
novos operadores políticos, que não assinam notas de apoio nem dirigem partidos
oficiais: donos de igrejas, chefes milicianos, pequenos coronéis do agronegócio
e do varejo no Brasil profundo.
Sim, eu sei que Lula precisa de menos votos do que
Bolsonaro para vencer. E tudo leva a crer que vencerá. A operação tradicional,
via partidos, deve ser suficiente. Mas a tática de Bolsonaro parece mais de
acordo com um país que não é aquele de Covas/FHC, Dr. Ulysses, Brizola e Arraes
no comício do Pacaembu no segundo turno de 1989.
O Brasil é um país em escombros, também na
política.
Mais importante do que as direções partidárias do
PDT, Cidadania, PSDB e MDB, parece-me, é contabilizar para o lado de Lula:
- o apoio (já anunciado) de Rodrigo Neves, com o
PDT de Niterói e do interior do estado do Rio, o que pode levar Lula a perder
de pouco no segundo turno fluminense;
- a costura do petista Quá Quá, que tenta trazer
partes do governo Castro para o lado de Lula no Rio;
- o apoio (que virá) dos irmãos Cid e Ivo Gomes e
da grande bancada pedetista eleita no Ceará, o que pode levar a votação em Lula
- naquele estado - para algo perto de 80% no segundo turno;
- a declaração de voto de parlamentares pedetistas
como Pompeu de Matos (brizolista histórico, reeleito no Rio Grande do Sul) ou
Duda Salabert (pedetista, trans, eleita por Minas);
- a parceria decidida das famílias Barbalho e
Calheiros que, ao lado de Baleia Rossi, significam mais voto emedebista na
urna;
- a presença de Alckmin no interior de São Paulo e
Minas, costurando apoio direto de prefeitos, sem passar por Garcia ou Zema.
Digamos com todas as letras: o bombardeio ininterrupto desde 2013 não destruiu o PT nem Lula, mas dissolveu o sistema partidário e os partidos de "centro. Por isso, é dessas alianças fragmentadas - colhidas entre os escombros que virá a força final de Lula para derrotar Bolsonaro. O único apoio "por cima" que realmente pode fazer a diferença é o de Simone Tebet. Ela é a face visível de um "centro democrático" que terá mais chance de se reorganizar sob um governo de Lula do que sob um governo fascista.
Por fim, uma conta de padaria (lembrando sempre que
política não é planilha de Excel)...
1 Soraya e Partido Novo juntos tiveram cerca de
1.150.000 votos no primeiro turno. Digamos que uma parte vá para
Nulo/Branco/Abstenção, mas que 1 milhão votem em Bolsonaro.
2 Simone Tebet teve quase 5 milhões de votos.
Digamos (com pessimismo) que, tirando aqueles que preferirão anular, 20% apenas
sigam para Lula (1 milhão) e 60% para Bolsonaro: mais 3 milhões de votos.
3 Ciro teve 3.500.000 votos. Digamos que, mesmo com
apoio formal do PDT, quase metade siga para brancos/nulos e apenas 30% fiquem
com Lula (1 milhão), despejando mais 1 milhão dos votos ciristas para
Bolsonaro.
Por essa conta - ultra "otimista" para
Bolsonaro - o candidato fascista obteria 5 milhões de votos a mais no segundo
turno, contra 2 milhões a mais para Lula.
Ou seja, supondo que Lula e Bolsonaro mantenham a
votação obtida em 2 de outubro, a diferença de 6 milhões de votos pró-Lula
cairia na pior das hipóteses, no segundo turno, para algo em torno de 3
milhões de votos.
Lula tem tudo para ganhar. Eu diria que ele tem
chance de obter a maior parte dos votos da "terceira via".
A diferença deve ficar, nos votos válidos, em algo
como 52% x 48% ou 53% x 47% - em favor de Lula. Mas, mesmo no quadro mais
pessimista que eu trouxe acima, Lula venceria por 51% x 49%.
A chance de Bolsonaro é uma onda de terror e
mentira. E ele vai tentar, criando a imagem de que Lula é satanista e anti
religioso. A onda, que já bateu nos evangélicos no primeiro turno, será agora
direcionada ao povo católico. A campanha petista deve ficar atenta a
isso.
O risco maior é Minas: com Zema e as fake news em
operação, Bolsonaro vai tentar virar a eleição no estado que é profundamente
católico.
Serão semanas de tensão e ódio. Precisamos defender
a Democracia e depois reconstruir o Brasil dos escombros.
(*) Jornalista desde
1990. Passou por Folha, TV Cultura, Globo e Record; e hoje apresenta o
"Boa Noite 247". Vencedor dos Prêmios Vladimir Herzog e Embratel de
Jornalismo, é também Mestre em História Social pela USP. Blogueiro, integra a
direção do Centro de Estudos Barão de Itararé.
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