O pacote criminoso de Sérgio Moro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) |
"No campo jurídico esse impasse do cômputo
político também aparece, de que críticas podem evidenciá-lo e, ao fim,
beneficiá-lo de forma inversa", diz Proner
15 de janeiro de 2022
Doutora em Direito, professora da
UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF
As últimas pesquisas mostram que Sérgio Moro não
convence. Mesmo com padrinhos influentes na mídia, que o sustentam há anos,
como se vê agora na sua enésima capa da Veja, o ex-juiz não decola e frustra os
planos da terceira via. Como tal, opinam alguns, mereceria ser ignorado. No
campo jurídico esse impasse do cômputo político também aparece, de que críticas
podem evidenciá-lo e, ao fim, beneficiá-lo de forma inversa.
O dilema se instalou no meio jurídico após Moro,
via twitter, recusar um convite do grupo Prerrogativas para um debate a
respeito da Lava Jato. A recusa reavivou uma enxurrada de mensagens e artigos
do grupo lembrando da conduta do ex-juiz na chefia da operação farsesca que
abalou o curso natural da democracia brasileira.
É difícil esperar que juristas moderem suas
críticas porque levamos anos dizendo a mesma coisa e é exasperante que o
ex-juiz que feriu gravemente os interesses brasileiros tenha o descaramento de
se candidatar. Aliás, essas mesmas críticas foram as que, muito antes da Vaza
Jato, sempre identificaram no juiz a intencionalidade de condenar Lula sem
provas e de capitanear um novo processo penal no Brasil, imediatamente
compreendido pelos especialistas como um processo penal de exceção.
Faço um testemunho do dia em que a sentença condenatória do Triplex do Guarujá foi publicada, um dia trágico para o direito brasileiro. Era uma quarta-feira, 12 de julho de 2017, quando o professor Juarez Tavares me telefonou dizendo que deveríamos nos reunir imediatamente para avaliar a longa sentença, pois à primeira vista lhe parecia grave. Fomos para o escritório e ali, acompanhados dos professores Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, decidimos organizar um livro-denúncia contra as aberrações jurídicas prolatadas por Sérgio Moro numa decisão de 217 páginas que é um documento ímpar do arbítrio judicial no Brasil.
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Após extenuante trabalho de revisão e diagramação,
o livro foi publicado menos de um mês depois da sentença e o resultado foi
inesperado. Recebemos 103 artigos de 122 juristas que esmiuçaram o procedimento
esclarecendo as regras efetivamente em vigor e concluindo, em uníssono, que se
tratava de uma decisão injusta e ilegal.
Portanto, um mês após a decisão, já havia um livro
com farto matéria técnico e acadêmico de uma centena de articulistas que
fundamentavam a intencionalidade condenatória de Moro contra Lula.
Importante notar que muitos dos autores jamais
votariam em Lula ou teriam qualquer relação com a esquerda partidária. O que
convocou a todos foi a percepção de perigo iminente, de que poderia ser firmado
grave precedente de atribuir a um réu a condenação por crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro a partir de fatos indeterminados com a justificativa de que
era necessário combater a corrupção a qualquer preço. Em síntese, era o power
point do Dallagnol tornado sentença.
Logo na apresentação da coletânea, o jurista
Geraldo Prado destacou que o juiz recorreu a critérios de avaliação que
convertem o ordinário em exceção: “O raciocínio condenatório que se apoia na
exceção, recorre retoricamente a modelos jurídicos estrangeiros e traduz
indevidamente conceitos penais – como salta aos olhos na condenação do
ex-presidente por corrupção – fazendo letra morta da advertência da
impossibilidade de transplantes do gênero, haveria de provocar vívida reação entre
estudiosos do direito”.
O livro foi traduzido ao inglês e ao espanhol e
motivou lançamentos em mais de 40 cidades no Brasil e no exterior, eventos
levados pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia, que depois viria a se
institucionalizar na forma de Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
(ABJD). Ali também se consolidava o papel do grupo Prerrogativas que, naquele
momento, ainda confiava que os tribunais fariam justiça revertendo a aberrante
decisão.
Poucos meses depois, e mesmo com todos os apelos e
recursos impetrados pela ciosa defesa técnica, o acórdão do TRF4 confirmou a
sentença contra Lula e deu razão às insinuações de que a Lava Jato fazia parte
de uma estratégia maior de desestabilização política em curso no Brasil.
As escutas de Walter Delgatti ainda nem eram
conhecidas quando lançamos, em maio de 2018, outro livro-denúncia, “Comentários
a um acórdão anunciado”, organizado pelo mesmo grupo. Lembro-me que, às
vésperas da decisão que possibilitaria a aplicação da pena antecipada de prisão
a Lula, vivemos, Gisele Cittadino e eu, uma experiência incomum para
professores de direito. A palestra que deveríamos proferir em Porto Alegre
tinha como palco o carro de som da CUT estacionado em frente ao TRF4 e lá fomos
nós, bastante surpreendidas e tímidas a princípio, mas logo entendendo que a
luta pela presunção de inocência não estava nas academias de direito, mas nas
ruas, e então soltamos a voz no megafone em direção às paredes moucas do
Tribunal.
Essas são apenas algumas memórias entre tantas que
vivemos, entre outros livros que lançamos depois e que fazem recordar a
necessidade de denunciar a farsa jurídica que estava em curso e que prosperou
graças à conivência dos tribunais superiores e da imprensa que hoje apoia o
candidato Moro.
Cada um de nós do campo jurídico é capaz de lembrar
onde estava no momento em que o habeas corpus a favor de Lula foi negado,
abrindo alas para a espetaculosa prisão efetivada no Sindicado dos Metalúrgicos
em São Bernardo do Campo. Ali, assim como nas decisões anteriores, nós fomos
abatidos como juristas na defesa da Constituição e da democracia.
Com as revelações da Vaza Jato, os detalhes
sórdidos da farsa jurídica tornaram-se finalmente conhecidos, embora só
tardiamente reconhecidos pelo STF. Descobrimos que o MPF de Curitiba, liderado
por Dallagnol, operava uma espécie de organização criminosa em conluio com Moro
e integrantes da Polícia Federal, praticando ilegalidades no esquema de
cooperação internacional com autoridades americanas. Com o passar do tempo e as
revelações divulgadas, também percebemos que os integrantes do conluio tinham
pretensões políticas, de formar o partido da Lava Jato, o que agora se confirma
com a pré-candidatura de Moro. A mera candidatura de Moro, acompanhada por um
livro autobiográfico que é pleno de cinismos e mentiras, é a demonstração de
que a farsa ainda não acabou.
Os meandros da operação não são totalmente
conhecidos e as consequências da Lava Jato ainda precisam ser mensuradas, mas o
que está cada vez mais evidente é que a intencionalidade do ex-juiz que
condenou Lula e o tirou da corrida eleitoral de 2018 vai além da saga contra o
Partido dos Trabalhadores. Seja estagiando como Ministro de Jair Bolsonaro ou
atuando como advogado em firma estadunidense, as conexões de Sérgio Moro com
órgãos de inteligência daquele país sempre foram prioridade.
Nesse sentido, nem que seja por estratégia
pedagógica, acredito que os integrantes do grupo Prerrogativas, do qual faço
parte, e também da ABJD, do MP Transforma, da AJD e de tantas outras entidades
que reúnem defensores das garantias jurídicas, devem sim seguir denunciando as
atitudes perversas de um ex-servidor público que tem como traço de
personalidade a perfídia.
Sérgio Moro desmereceu a toga para perseguir
adversários políticos beneficiando interesses próprios quando não obscuros.
Como Ministro, defendeu o excludente de ilicitude e outras teses punitivistas.
Como advogado, traiu a profissão atuando, num evidente conflito de interesses,
em processo de recuperação judicial no qual foi o juiz.
Acertam também os que o criticam em nome da memória
histórica e do direito à reparação. Se é verdade que fomos vítimas de um golpe
de novo tipo, menos ostensivo, híbrido, também é verdade que precisamos de
algum tipo de justiça de transição para seguir adiante, pois são inúmeras suas
vítimas diretas e indiretas.
E se Moro pretende se candidatar à Presidência
depois de tudo o que fez, deve ser exposto por inteiro à luz dos
holofotes.
EM TEMPO: O erro que algumas pessoas cometem é pensarem que as demais são "bobas". Certamente, Moro pensava que iria enganar a população por muitos anos, agindo politicamente sob a proteção da toga.
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