FOLHApress - JOELMIR TAVARES
SÃO PAULO, SP
(FOLHAPRESS) - Decana da esquerda brasileira, a deputada federal Luiza
Erundina, 87 (PSOL-SP), diz que a oposição não pode titubear diante da
candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) e prega união em
torno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas faz ressalvas sobre as alianças.
"Não pode ser
a qualquer preço", diz à Folha a ex-prefeita de São Paulo, que resiste à
entrada do ex-governador Geraldo Alckmin (recém-saído do PSDB, agora sem
partido) como vice na chapa. Para ela, o modelo histórico dos tucanos destoa de
um projeto de reconstrução que o petista deve apresentar.
Licenciada da
Câmara dos Deputados por ordem médica em razão do risco de contaminação por
Covid-19, ela mantém o trabalho parlamentar em seu escritório na capital paulista
e em atividades virtuais.
Erundina faz também
críticas ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e ao Orçamento de 2022
aprovado pelo Parlamento, com cifras que ela considera "escandalosas e
criminosas" para o fundo eleitoral (R$ 4,9 bilhões) e as emendas de
relator (R$ 16,5 bilhões).
"O Congresso é
corresponsável pelo que acontece, funciona de costas para a sociedade",
afirma.
Folha - Quais as
suas queixas sobre Lira, que é alvo frequente de críticas em suas redes
sociais?
Luiza Erundina -
Discordo da forma como ele conduz a presidência da Casa. É responsável, como
presidente da Câmara, e com o apoio do centrão, pelos malefícios que recaem
sobre o nosso povo.
Quem governa o país
não é Bolsonaro, com as bobagens que ele faz todo dia. Quem governa,
comprometendo o futuro do país, seu patrimônio, sua soberania, é sem dúvida
nenhuma Lira e [Paulo] Guedes [ministro da Economia]. Os dois têm uma base de
sustentação alimentada a preço de ouro, haja vista o quanto se destinou no Orçamento
para as emendas de relator, mais de R$ 16 bilhões.
Sem dúvida nenhuma,
a história vai registrar o papel do Lira e do Congresso, neste período de
tragédia bolsonarista no Brasil, como grandes responsáveis pelo comprometimento
do futuro do país, do ponto de vista social, econômico, ambiental. É por isso
que recomendo aos partidos que cuidem das eleições proporcionais. Não dá para
menosprezar a escolha dos deputados e senadores.
Folha - Lira,
quando questionado sobre a fisiologia do centrão, diz que os partidos de centro
são responsáveis por dar estabilidade a todos os governos. Acha possível
governar sem o centrão?
Luiza Erundina -
Sim, é só fechar a torneira das emendas. O centrão se vende permanentemente, a
quem estiver disposto a comprar voto. E ele [Lira] é um dos chefões do centrão.
Sem falar na forma
como ele procede na aplicação do regimento da Casa. Chegou a alterar
dispositivos regimentais no curso de votações importantes para conseguir obter
os resultados que queria. É um absurdo. Em seis mandatos, nunca vi tanto abuso
e desrespeito à Constituição e ao regimento.
As oposições não
conseguem aprovar um destaque a uma matéria que é danosa para o nosso povo. A
correlação de forças é muito desigual. Não se consegue o número de votos porque
vem o rolo compressor do centrão e da maioria, regados a dinheiro público. Essa
é a verdade. O Orçamento de 2022 é um retrato fiel disso e vai deixar
registrado o atual Congresso como o mais corrupto da história do país.
Folha - A sra. se
constrange de alguma forma diante da pesquisa Datafolha que mostrou estar em
10% a aprovação da população ao Congresso, menor índice da atual legislatura?
Luiza Erundina -
Com certeza, me constranjo, porque eu gostaria que houvesse um processo
radicalmente democrático, controlado pela sociedade civil, com participação
direta, como ocorre em outros países. Se a democracia direta e participativa
não é exercitada, o sistema não é aperfeiçoado, vai sempre ficar refém do
Congresso.
Folha - Por que
acha que a avaliação é tão ruim?
Luiza Erundina -
Nosso Congresso funciona de costas para a sociedade. Quando a sociedade está se
desmontando, com a humilhação do desemprego em massa, mais de 600 mil mortes
por Covid que poderiam em grande parte terem sido evitadas, a população
disputando comida no lixo ou comendo ossos... Em uma das economias mais fortes
do mundo.
Isso me dá um
enorme desgosto. Desgosto com a política em si, com a forma como ela é
exercida. Esta legislatura é a pior composição que a Câmara já teve, não tenho
a menor dúvida. A corrupção corre solta, os acordos, os arranjos. Não tem nem
sequer um presidente independente.
Folha - E mesmo
assim a sra. cogita disputar mais um mandato. Por quê?
Luiza Erundina -
Porque eu quero ter voz para denunciar. Sonho é algo que me alimenta. E falo isso
não só pensando no meu tempo de vida. Sonho, para mim, é algo que não cabe em
uma vida, porque é medido pelo tempo da história.
Estou com saúde,
com a cabeça boa. Recebo manifestações das pessoas que votam em mim para que
não desista, que vá em frente. Mas nem decidi ainda se saio ou não [candidata].
Estou conversando com o meu pessoal para ver se é o caso, se interessa ou não
ao meu partido.
Folha - A sra.
discorda do valor de R$ 4,9 bilhões para o fundo eleitoral, mas qual seria uma
alternativa para o financiamento de campanhas?
Luiza Erundina -
Esse valor para campanhas é escandaloso e criminoso. E isso vai para o bolso de
alguns candidatos, os donos dos partidos, as candidaturas laranjas.
Lamentavelmente, as
últimas reformas políticas se resumiram a remendos na legislação em benefício
dos partidos. Este país precisa fazer uma reforma política de fôlego, com
debate sobre teto para o financiamento público, orçamentos mais modestos de
campanha, controle, fiscalização e transparência.
Folha - E no curto prazo,
de que o país precisa?
Luiza Erundina - De
fato, não há soluções simples para garantir o futuro deste país, que está
comprometido. Por isso, nestas eleições, não se pode apenas ficar discutindo
nomes ou posições de chapa. Tem que se apontar o que se pretende fazer em
medidas de emergência no pós-pandemia. Não tenho entusiasmo nenhum de discutir
nomes, sejam eles os melhores da praça, se isso não vier associado a um
projeto, a planejamento, a compromissos.
Folha - No debate
que ocorre dentro do seu partido, a sra. acha que o PSOL tem que
necessariamente ter candidato próprio à Presidência?
Luiza Erundina -
Não, não acho isso. Acho que, exigindo as questões que considero fundamentais,
de não ser só [apoio a] um nome, ou um nome junto de não sei quem lá, [pode
haver composição]. Com base no objetivo primeiríssimo, que é derrotar
Bolsonaro.
Folha - Alas do
PSOL desaprovam as movimentações de Lula ao centro e a possível chapa com
Alckmin. Como avalia?
Luiza Erundina -
Antes da possibilidade de ter aliança com Alckmin na vice, havia quase consenso
no partido de uma frente ampla com unidade das forças que queiram tirar o país
deste abismo em que se encontra, derrotando o bolsonarismo, não só o Bolsonaro.
E não seria apoiar
qualquer um, porque Lula não é qualquer um, já foi testado como presidente duas
vezes. Não é que ele tenha sido perfeito. Tenho restrições, fiz críticas a seus
governos. Mas não dá para titubear, ele provavelmente seja um dos poucos
capazes de derrotar Bolsonaro.
Folha - Como
deveria ser negociada essa aliança, essa frente ampla?
Luiza Erundina -
Não pode ser a qualquer preço. Não pode ser a preço de conciliações que não
permitirão que se façam as reformas de que o país precisa. Precisamos recuperar
aquilo que se perdeu ao longo de três anos de Bolsonaro. A busca de
governabilidade não pode levar a conciliações que não servem para construir um
outro país.
Não é questão de
nomes. Não tenho nada contra a pessoa do ex-governador [Alckmin], mas o partido
do qual ele fez parte a vida inteira é conciliador de primeiríssima hora. Todo
governo, seja qual for, tem tucano nele. Lembremos que o [governador João]
Doria apoiou o Bolsonaro. O modelo histórico do PSDB é de governos privatistas,
neoliberais, de Estado mínimo e que subordinam o Legislativo.
Folha - Que
programa Lula deveria então propor?
Luiza Erundina -
Primeiro, tem que haver uma frente democrática, de união nacional. Não
necessariamente tem que ser uma frente de esquerda, ortodoxa. E o programa tem
que sair não do candidato ou dessa frente, mas da sociedade.
Não vi até agora
nenhuma discussão de programa. O que se pretende fazer com a economia, com os
prejuízos que este governo deixou, com a austeridade fiscal imposta pelo teto
de gastos?
Folha - E como
lidar com o bolsonarismo?
Luiza Erundina -
Não acho que, ao derrotar o Bolsonaro, estaremos derrotando o bolsonarismo, que
é uma corrente ideológica radical de direita e um movimento mundial. Mas no
Brasil muita gente já se converteu e viu a bobagem que fez ao eleger esse cara.
Percebeu o equívoco.
Folha - O Brasil já
teve políticos de direita melhores?
Luiza Erundina -
Não, a direita é sempre a direita. Não tem isso de melhor ou pior. É como a
história de "capitalismo selvagem": todo capitalismo é selvagem.
Agora, essa direita que vive à custa da desigualdade e da discriminação racial
e de gênero está atrasada demais.
Eu faço política
preocupada com os meus atos e posições. Quando retirei a minha candidatura a
vice na chapa do Haddad [na eleição municipal de 2012], depois do encontro do
Lula e do Haddad com o [Paulo] Maluf, é porque não faço concessões. Esse
pragmatismo é bom na política? Não. Mas, se for para fazer do mesmo jeito, é
preferível deixar para a direita, que faz melhor, por não ter escrúpulos.
Folha - Ter chegado
ao segundo turno na eleição de 2020 em São Paulo, como vice de Guilherme Boulos
(PSOL), deu à sra. novo fôlego?
Luiza Erundina -
Sim, sem dúvida. Sou movida a desafios e não consigo viver acomodada, me
queixando que tudo está ruim. Acho que tem sempre jeito. Já vivi tanto e vi
tanta virada neste país.
Sou de uma família
de dez filhos nordestinos, camponeses, sem-terra. Meus primeiros dois irmãos
morreram crianças, por subnutrição. E no Nordeste é assim: família pobre e
numerosa, quando não morre no primeiro ano de vida, se cria e é forte. E eu
sobrevivi.
Folha - Como avalia
o governo Ricardo Nunes (MDB) na Prefeitura de São Paulo?
Luiza Erundina -
Péssimo. É um prefeito ilegítimo, ele não teve voto. É absolutamente
desconhecido do eleitor, uma pessoa que não foi testada pelas urnas. Política é
coisa séria. Não pode a prefeitura da maior cidade do país estar na mão de um
aprendiz.
Com que sentimento
a sra. entra em 2022? Eu cultivo a esperança. A desesperança é conservadora,
porque é paralisante. Quando você reduz as expectativas, deixa de agir para
mudar aquilo que precisa mudar. Sempre vou acreditar nisso. É por isso que eu
vou morrer jovem, apesar da minha idade.
Eu não preciso mais
de mandato, poderia estar descansando. Mas não posso. Nasci para fazer as
coisas que imagino serem obrigação minha, em nome dos pobres, dos excluídos,
dos marginalizados. Eu sou dessa origem. E estou arrastando outras pessoas. É
isso o que eu acho que é a política.
RAIO-X Luiza
Erundina de Sousa, 87
Nascida em Uiraúna
(PB), é deputada federal por São Paulo, em seu sexto mandato. Foi prefeita da
capital paulista (1989-1992), além de vereadora, deputada estadual e ministra.
Militou no PT de 1980 a 1998, quando migrou para o PSB. Filiou-se ao PSOL em
2016 e concorreu novamente a prefeita. Foi vice na chapa de Guilherme Boulos
(PSOL) à Prefeitura de São Paulo em 2020, derrotada no segundo turno.
EM TEMPO: Convém lembrar que os deputados federais Luiza Erundina e Glauber Braga, ambos do PSOL, foram os nossos principais defensores na aprovação da nossa proposta de implantação da CODEVAM (Companhia de Desenvolvimento do Vale do Mundaú), a qual foi defendida pelo projetista e engenheiro civil Paulo Camelo de Holanda Cavalcanti e, pela Associação Quilombola do Castainho. Portanto, a proposta foi aprovada por unanimidade pelos integrantes da CLP (Comissão de Legislação Participativa) da Câmara dos Deputados. A nossa madrinha Luiza Erundina se comprometeu a lutar pela implantação da CODEVAM, órgão semelhante a CODEVASF, a qual será possível num provável governo Lula.