terça-feira, 9 de novembro de 2021

PEC dos Precatórios, que deve ser votada hoje, vai criar 'bola de neve impagável', alertam especialistas

Foto: Michel Jesus / Agência O Globo

O GLOBO - Manoel Ventura e Martha Imenes

09/11/2021

Medida, que abre espaço para novo Auxílio Brasil, deve criar fila a perder de vista para quitar dívidas da União, inclusive com aposentados do INSS

PEC dos Precatórios vai à votação em segundo turno nesta terça-feira.


BRASÍLIA e RIO — A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que deve ser votada em segundo turno nesta terça-feira na Câmara, é apontada como grande solução orçamentária para viabilizar o novo Auxílio Brasil de R$ 400. Mas a medida pode criar uma fila a perder de vista para quem tem dívidas a receber de ações judiciais contra a União, inclusive aposentados e pensionistas do INSS.  Além disso, um acordo feito na semana passada para viabilizar a votação da PEC em primeiro turno na Câmara devem aumentar ainda mais esta “fila”. 

Os precatórios são dívidas judicias para as quais o governo não pode mais recorrer. A PEC cria um teto para o pagamento dessas dívidas, basedo nos precatórios pagos em 2016. Em 2022, esse teto será de R$ 44,5 bilhões. Mas o total de dívidas judiciais que deveriam ser quitadas no ano que vem é de R$ 89 bilhões.  Assim, metade dos títulos ficará para ser pago no ano seguinte — quando novos precatórios também entrarão na conta e haverá novamente um teto, atualizado pelo IPCA.  

Fila de prioridades

A proposta estabelece uma fila de prioridades para pagamento. Na semana passada, um acordo costurado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou ainda uma nova preferência para o pagamento de dívidas da União com estados relativas ao Fundef (fundo da educação básica). 

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Os precatórios do Fundef tentam a crescer nos próximos anos.Também estão entre prioritários os precatórios alimentares (como os relativos a salários de servidores e dívidas do INSS), de idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves, além de requisições de pequeno valor (até R$ 71,5 mil).Na equipe econômica, a conta é que apenas esses precatórios cheguem a R$ 21 bilhões.  

Além disso, outros R$ 7 bilhões já estão carimbados para pagar o Fundef, já que o acordo negociado por Lira prevê que 40% da dívida com o fundo educacional seja paga em 2022. No fim das contas, haverá pouco espaço para grande parte dos precatórios. E até os “prioritários” podem ficar sem receber. Integrantes do governo reconhecem que mesmo precatórios alimentares, referentes a pensões, aposentadorias, salários ou indenizações por morte, não serão integralmente quitados, mesmo tendo prioridade em relação aos demais títulos.

VEJA 5 EFEITOS DO AFROUXAMENTO DE REGRAS FISCAIS COMO O TETO DE GASTOS:

1 - Aumenta a desconfiança dos investidores. A Lei de 2017 manteve a expansão das despesas públicas limitada à inflação. Com sete anos de déficit público, mexer nessa âncora gera desconfiança no mercado. Investidores tendem a evitar alocar recursos em papéis e projetos no país com maior percepção de risco;

2 - Real se desvaloriza perante o dólar: Com a incerteza sobre se o governo vai conseguir equilibrar as contas, investidores estrangeiros evitam o Brasil ou tiram seus investimentos daqui. Aumenta a demanda por dólar em busca de proteção, impulsionando cotação;

3 - Inflação sobe: Com mais gastos públicos, aumenta a circulação de dinheiro na economia, um dos fatores que incentivam a inflação. Além disso, a alta do dólar bate direto na inflação ao tornar mais caros produtos importados ou com preços negociados no exterior, como alimentos e combustíveis;

4 - Juros sobem: Com a inflação subindo, o Banco Central é obrigado a elevar ainda mais a taxa básica de juros, que atualmente está em 6,25%. Isso deixa o crédito mais caro para as famílias — do rotativo do cartão de crédito ao financiamento da casa própria — e para as empresas;

5 - Economia gera menos empregos: Com a inflação corroendo renda e crédito mais caro, o consumo cai e as empresas investem menos em novos projetos para abrir mais vagas;

Outros precatórios, como de empresas que venceram ações contra o governo, também serão adiados: 

— Isso vai gerar um efeito bola de neve, porque o que não for pago em um ano, vai passar para o ano seguinte. O acúmulo vai ser absurdo e vai chegar num momento em que vai ser impagável. A lógica no mercado é de calote, e calote na coisa mais segura que existe, que é uma decisão transitado em julgado — disse Fernando Facury Scaff, sócio do Silveira Athias Advogados e professor de Direito da USP.

Controle sobre emissão

O presidente da comissão de precatórios da OAB, Eduardo Gouvêa, corrobora esta avaliação:  

— Os precatórios comuns não vão ser pagos nunca — afirma Gouvêa, que também aponta problemas na execução da PEC, caso ela seja aprovada:

— Como vai ser possível controlar a emissão de precatórios, sem saber quanto vai ser e o que vai ser pago de fato no ano? Não vai ter dinheiro para pagar nem a totalidade dos precatórios alimentícios.

A PEC ainda permite que um credor receba a vista, desde que aceite um desconto de 40% na sua dívida. Para especialista, muitos credores podem acabar aceitando receber um valor menor para evitar entrar nesta fila sem fim dos precatórios. 

Além disso, o mercado de empresas que compram dos credores essas dívidas por um valor bem menor tende a crescer. Essas empresas podem usar o precatório para abater uma dívida junto ao governo.

— Hoje, as empresas buscam insistentemente os donos desses papéis para comprar os precatórios, muitas vezes induzindo os credores a acharem que nunca receberão, o que é uma inverdade. Com a aprovação da PEC, teremos, talvez, um movimento inverso: as pessoas procurando essas empresas para vender com medo de nunca receberem — avalia Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Segundo a advogada Cristiane Saredo, os mais afetados serão os precatórios relacionados às verbas alimentares, normalmente devido a servidores e a aposentados e pensionistas do INSS.  

— Depois de anos para ter seu dinheiro reconhecido na Justiça, o cidadão ainda terá que esperar pela concretização do seu direito.

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