FOLHApress - ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
***ARQUIVO***BRASÍLIA,
DF, 17.08.2021 - Sessão da CPI da Covid realizada no Senado Federal, em
Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "A
última sequela que eu tinha era uma angústia que eu pus pra fora ontem",
diz o advogado Tadeu Frederico de Andrade, 65.
Na véspera, quarta (7), ele disse aos
senadores da CPI da Covid que, se hoje está vivo para contar sua história, foi
só porque sua família "lutou contra essa poderosa corporação chamada
Prevent Senior".
Ele acusa a operadora de saúde, alvo
da comissão, de ter tentado interromper seu tratamento contra a Covid-19 sem
dar tempo para que ele se recuperasse de um quadro grave da doença. "Eles
lutaram para que eu não viesse a óbito. Eles, minha família, não aceitaram a
imposição dos chamados cuidados paliativos, que era a prática utilizada pela
Prevent Senior para eliminar pacientes de alto custo."
"Me fez um bem enorme tirar esse
peso da consciência", afirma Andrade um dia após detalhar para senadores
como, um mês após ser internado, suas filhas foram procuradas pela equipe
médica: o hospital queria transferi-lo para a chamada unidade de cuidados
paliativos.
"Ou seja, eu sairia da UTI, iria para um chamado leito híbrido e lá teria, segundo as palavras da dra. Daniella [da rede Prevent], maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias", o advogado narrou no Congresso. "Eu seria... Seria ministrada em mim uma bomba de morfina, e todos os meus equipamentos de sobrevivência na UTI seriam desligados. Inclusive, se eu tivesse alguma parada cardíaca, teria recomendação para não haver reanimação."
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Segundo Andrade, um time médico da
Prevent usou dados de uma idosa para tentar convencer suas duas filhas e uma
irmã dele a aceitar a transferência. "Pelo prontuário na mão, eu tinha
marcapasso, eu tinha sérias comorbidades arteriais e que, enfim, eu tinha uma
idade muito avançada. Só que esse prontuário não era meu, era de uma senhora de
75 anos. Eu não tenho marcapasso, a única coisa que eu tenho hoje é pressão
alta, sempre tive pressão alta." Ele não estava consciente na época.
O advogado ficou 120 dias internado,
foi intubado duas vezes, passou por várias sessões de hemodiálises, teve
pneumonia bacteriana e arritmia cardíaca e fez traqueostomia. "No entanto,
hoje estou aqui vivo e com saúde."
"Acho que a CPI é só o
começo", ele diz à reportagem. "Espero que o Ministério Público de
São Paulo condene os responsáveis."
Andrade já protocolou sua denúncia no
órgão. Também diz que procurou dois petistas, o vereador Antonio Donato e o
deputado estadual Paulo Fiorilo, para oferecer sua colaboração em eventuais
CPIs que investiguem a Prevent na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa
de São Paulo.
Sim, dois petistas. E daí? "A
parte ideológica é a que menos me interessa, até porque não me considero
militante", diz o advogado. Se fosse, não seria de esquerda, aliás.
"Sou de direita, sou
conservador. Votei nele [Jair Bolsonaro] por falta de outra opção."
O advogado avalia que o homem que
teve seu voto em 2018 "pisou na bola em diversos pontos", e que
"a pandemia foi uma coisa na qual ele entrou de gaiato". A defesa da
cloroquina, remédio comprovadamente ineficaz para tratar o novo coronavírus,
"foi um tiro no pé".
Em seu prontuário, consta que ele
recebeu flutamida, o que diz que aconteceu sem autorização de familiares. Na
CPI, ele lembrou do episódio. "E flutamida, eu descobri, depois que eu
tive alta, que é um remédio pra..." Nessa hora, o senador Otto Alencar
(PSD-BA), que é médico, o ajuda: "É uma medicação usada para o câncer de
próstata". Sem serventia certificada para a Covid.
Um dossiê entregue à CPI traz
mensagem em que Fernando Oikawa, diretor da Prevent, fala do remédio como
protocolo: "Bom plantão a todos e enfatizo a importância da prescrição da
Flutamida 250 mg de 8/8h para todos os pacientes que internarem. Estamos muito
animados com a melhora dos pacientes".
Andrade disse aos congressistas que
seus parentes, "desconfiando da estrutura da Prevent Senior",
contrataram um médico particular para fazer a fiscalização dos procedimentos
internos. "Porque, mesmo eu estando na UTI e não tendo iniciado os
cuidados paliativos, a minha família não confiava mais na estrutura. E esse
médico foi um verdadeiro fiscal dos procedimentos. Acho que eu estou vivo
também por causa dele."
"Arrepender é uma palavra
difícil de a gente falar", responde ao ser questionado sobre a escolha que
fez nas urnas. "Já foi. Não vai fazer diferença. Eu quase morri. Foi por
causa dele? Não. Indiretamente, pode ser. Pode ser que sim, pode ser que não.
Não cabe a mim fazer essa investigação."
Andrade está mais interessado em
buscar justiça não só por ele, mas por todos que perderam alguém por conta da
suposta postura criminosa da operadora de saúde.
"Bom, eu não tenho nenhuma
procuração formal para falar em nome das centenas ou talvez milhares de vítimas
fatais e também de suas famílias, mas eu acredito que eu tenha uma procuração
moral, uma procuração cívica para falar em nome de muitas vítimas que agora não
têm mais voz", disse na CPI.
O advogado diz que o zelo pelas
finanças motivaram a tentativa de movê-lo da UTI. Com 1.398 exames feitos e
mais de dez sessões de hemodiálise, calcula que deve ter custado à operadora
até R$ 600 mil.
Em notas sobre as denúncias contra
ela, a empresa disse que os documentos em poder da CPI da Covid "foram
visualmente manipulados e utilizados fora de contexto" e que, no caso
particular de Andrade, "deu todo suporte ao paciente, acatando a vontade
dos familiares".
À reportagem o advogado diz estar com
o sentimento de missão cumprida após a passagem por Brasília --orgulha-se de
ter viajado sozinho, o que para ele prova sua boa condição física meses após
sua capacidade de sobreviver ter sido colocado em xeque. "Acendemos um pavio
que vai explodir lá no Ministério Público."
Ele tem o plano da Prevent Senior há
oito anos e conta que não o cancelou. Culpa a diretoria da operadora pelo que
lhe aconteceu e chama de "verdadeiros heróis" outros profissionais de
saúde, como auxiliares de enfermagem, enfermeiros, doutores da UTI e
fisioterapeutas.
Por estar aqui hoje, com saúde, diz agradecer
"a Deus, à minha família e aos médicos da linha de frente".
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