FOLHApress - RENATO MACHADO
***Arquivo**BRASÍLIA,
DF, 18.08.2021 - O advogado Tulio Silveira, da Precisa Medicamentos, presta
depoimento aos senadores da comissão à respeito do contrato entre a Precisa e o
Ministério da Saúde para aquisição da vacina Covaxin. O senador Renan Calheiros
(foto) (MDB-AL) é o relator da CPI. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
· O senador do MDB também acrescenta que cogita propor o indiciamento de filhos de Bolsonaro
· Para Renan, os personagens principais são Bolsonaro, Pazuello e Élcio Franco
· Renan volta aos holofotes após dois anos de ostracismo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O relator
da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirma que seu texto final
terá três personagens centrais: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-ministro da
Saúde Eduardo Pazuello e seu braço-direito, o coronel Élcio Franco.
Em relação ao chefe do Executivo, a quem chama "mercador da morte", afirma que está clara e comprovada a sua participação em crimes e que por isso não há dúvidas de que será responsabilizado. "Nós já temos a especificação de 11 crimes e vários agravantes", afirma em entrevista à reportagem. A previsão é de leitura do relatório no dia 19 de outubro.
O senador do MDB também acrescenta que cogita propor o indiciamento de filhos de Bolsonaro por suas ações com a negociação de vacinas contra a Covid-19, pela ligação com o caso Prevent Senior e com o gabinete paralelo. Além das tipificações que vêm sendo mencionadas para enquadrar os responsáveis —como prevaricação, crime contra a vida, charlatanismo e crimes de responsabilidade—, o relator afirma trabalhar com a hipótese de incluir nas sugestões de indiciamentos homicídio comissivo, quando é cometido por omissão.
De volta aos holofotes com a CPI,
após dois anos de ostracismo, o senador nega que esse seja um retorno
definitivo para o centro da política. "Não pretendo voltar a ser pauta da
política nacional."
Pergunta - Qual o balanço que o sr. faz dos trabalhos da CPI?
Continue lendo
Renan Calheiros - Eu nunca havia
participado de CPI, faço agora porque era preciso investigar profundamente e
exemplarmente punir essas pessoas. Era necessário retomar a capacidade do
Parlamento de investigar.
Essa CPI teve muitas especificidades,
foi sem dúvida a que obteve mais aderência social, teve índices históricos de
aprovação e foi a que mais obteve audiência.
O primeiro resultado visível da CPI
foi a potencialização da indignação social represada durante meses de pandemia
por temor a aglomerações e contágio.
A partir da CPI, as ruas passaram
novamente a ser ocupadas por opositores do governo Bolsonaro. E teve outras
coisas, como a maneira espontânea e inédita que criou também um gabinete do bem
de defesa da vida, da ciência, que envolveu denúncias, checagens, sugestões,
linhas de investigações, perguntas onlines. A sociedade verdadeiramente
participou do seu dia a dia.
Nós não imaginávamos inicialmente
investigar a corrupção.
Mas, a partir das primeiras reuniões,
nós começamos a receber denúncias de que, enquanto o governo recusava as
ofertas da Pfizer, do Butantan e da OMS, algo em torno de 170 milhões de doses
que poderiam ter sido aplicadas ainda no ano que passou, priorizava tratativas
com lobistas, atravessadores, indicados por critérios políticos, pelo seu líder
na Câmara dos Deputados [Ricardo Barros (PP-PR)].
E depois [chegamos aos] contratos
escusos no Ministério da Saúde, depois a disputa de poder dos remanescentes do
centrão com os representantes dos militares que foram levados pelo ministro
Pazuello.
Olhando para trás, o sr. se arrepende de algo, de ter ouvido algum depoente?
Renan Calheiros - Não, quem define os
limites da investigação acaba sendo a própria investigação. Chega em um momento
que é preciso ouvir todos os que têm culpa no cartório.
Naquela circunstância era necessário
ouvir o Luciano Hang, por tudo o que ele fez e deixou de fazer,
independentemente do que ele simbolizava ou não para o bolsonarismo.
A CPI, quando vai investigar, não
investiga em função de direção A ou B. Ela tem que investigar
indistintamente.
Se tivesse que ouvir, eu ouviria
novamente o Luciano Hang com as suas mentiras, com as suas imprecisões, suas
contas em paraísos fiscais, com a falsificação da certidão de óbito da sua
própria mãe, para não desmerecer a eficácia do tratamento da Covid, que era um
produto brasileiro que o governo brasileiro queria vender com a Prevent Senior
para o exterior.
Em regra geral, os governistas
negaram o negacionismo, enrolaram, procuraram ser imprecisos, mentiram
veladamente, mas isso não poderia inibir a convocação de ninguém.
Em alguns momentos, a CPI perdeu o foco?
Renan Calheiros - Nós apresentamos um
plano de trabalho. Nele, nós não iríamos investigar determinados desvios de
condutas. Acabamos tendo de investigar, sim, porque é a investigação que define
os rumos do trabalho. Então a CPI acertou sempre.
Nós mantivemos esse canal com a
sociedade, com os internautas, com redes sociais, com telespectadores, que
acompanharam como nunca os trabalhos da comissão.
Procuramos corrigir rumos, ouvir as
críticas, redefinir táticas de investigação. Nós tentamos o tempo todo colar o
ouvido no Brasil para amenizar os erros. Por isso estamos acabando com essa
aprovação popular.
A CPI teve muita audiência, virou trending topic, mas muitas vezes isso se deu por bate-boca, confusões, piadas. Como responde a essa crítica de que a CPI em determinados momentos virou um circo?
Renan Calheiros - Da forma que
respondemos a todos que procuraram expor a comissão parlamentar de inquérito
para atender aos propósitos do negacionismo e do governo Bolsonaro.
A circunstância juntou na comissão
parlamentar de inquérito quadros respeitados da vida nacional. O senador Tasso
Jereissati, por exemplo, exerceu uma liderança indiscutível do ponto de vista
ético, moral e colaborou para colocar equilíbrio.
O próprio presidente Omar [Aziz], com
muita precisão, catalisava rapidamente o sentimento majoritário e repelia com
firmeza arruaças, insinuações, intimidações.
A comissão, é claro, em todos os
momentos, procurou ouvir, ouvir, ouvir e por isso acertamos muito mais.
Qual será a tônica do relatório do sr.?
Renan Calheiros - O aprofundamento da
investigação nos levou a caracterizações várias, de procedimentos criminosos,
em função disso vamos usar vários tipos penais, desde crime de
responsabilidade, passando pelos crimes comuns, chegando aos crimes contra a
saúde pública e contra a humanidade. Mais de 40 pessoas serão indiciadas.
O sr. disse que o presidente Jair Bolsonaro será indiciado "com certeza". Quais seriam as tipificações?
Renan Calheiros - Detalhadamente,
ainda não as temos. E a partir do dia 15 eu vou colher o ponto de vista de cada
senador da CPI.
Mas há um consenso de que o Bolsonaro
é um mercador da morte. Sua trajetória é autoexplicativa: defendeu matar 30 mil
brasileiros, ainda quando deputado federal, inclusive o presidente Fernando
Henrique Cardoso. Idolatra ditadores carniceiros como Pinochet, Ustra,
Stroessner, Médici, tem vínculos inegáveis com a face mais assustadora da
morte, as milícias.
Quer dizer, continua defendendo
armamento, fala em armar a população, em fuzilar adversários. E foi decisivo
para a morte de milhares de brasileiros.
É um facínora, e esse governo criou o
gabinete da morte, um ministério paralelo, também responsável pelo extermínio
dos brasileiros. Por causa disso tudo, desse impedimento óbvio e majoritário,
ele será responsabilizado.
O sr. poderia mencionar alguns crimes ou quantos seriam?
Renan Calheiros - Nós já temos a
especificação de 11 crimes e vários agravantes. Mas não há ainda uma conclusão,
porque antes de qualquer coisa eu vou ouvir os senadores.
Cogita propor o indiciamento de filhos do presidente?
Renan Calheiros - Evidentemente que
eu não posso dizer o que estou cogitando, não posso antecipar, porque todas
dependerão da maioria da CPI e não apenas do relator.
Mas nós estamos estudando todas essas
hipóteses, inclusive em relação aos filhos, na negociação de vacinas, de defesa
do que aconteceu na Prevent Senior, no gabinete do ódio, nas fake news.
Quem serão os personagens centrais do relatório?
Renan Calheiros - Todos cujas
condutas foram investigadas serão responsabilizados. Esses encaminhamentos
[relativos a pessoas sem foro especial] não serão feitos para a
Procuradoria-Geral da República. Serão feitos a instâncias inferiores do
Ministério Público Federal.
Mas todos serão responsabilizados,
aqueles cujas comprovações a comissão parlamentar de inquérito observou durante
os trabalhos.
Existem figuras principais. O general
[Eduardo] Pazuello é um, o coronel Élcio Franco, o presidente da República,
tiveram participações comprovadas na materialização do que aconteceu no Brasil
e no custo que se pagou com vidas. Esses são os principais, mas vamos ter o
indiciamento de mais de 40 pessoas.
Há provas suficientes para ligar o caso Prevent Senior ao governo?
Renan Calheiros - O caso da Prevent
Senior, agora na reta final, e o de Manaus foram os mais aterradores de nossa
apuração.
Eles nos remetem a experiências
macabras do Terceiro Reich com seres humanos, teste de remédios, resistência
física e até mesmo experiências cruéis com gênios de Josef Mengele, com hinos
entoando a obediência e lealdade. É algo macabro, desumano, criminoso.
Em Manaus, a delegação da morte, que
é a comitiva oficial do Ministério da Saúde, matou pessoas asfixiadas.
Na Prevent Senior, o mais grave é a
vinculação direta com o Poder Executivo, com o presidente da República, com os
seus filhos e com o gabinete paralelo.
Os experimentos nazistas eram
festejados e espalhados pelo presidente. E nós temos provas de tudo isso. Era
um instrumento que, segundo o próprio Bolsonaro, iria revolucionar a medicina
do mundo.
O sr. pensa em propor indiciamento por homicídio por ações durante a pandemia?
Renan Calheiros - Dentre os tipos
penais que estão sendo observados, uma hipótese que avança é a hipótese da
utilização do homicídio por omissão, o homicídio comissivo.
Por isso que não pode haver a essa
altura ainda um detalhamento com relação aos tipos penais que vamos utilizar,
mas estamos discutindo, sim, a hipótese do homicídio como um deles.
Teme que o relatório final seja engavetado pelo procurador-geral Augusto Aras?
Renan Calheiros - Não tenho nenhuma
dúvida de que a investigação isenta, independente e profunda que se fez nesses
165 dias, defendendo a vida, a ciência, colocando luz em lugares que
precisariam ser iluminados, trabalhando na adversidade contra a morte, contra o
obscurantismo, a crença medieval e as trevas vai ser analisada
tecnicamente.
Eu não acredito que o
procurador-geral da República substitua tudo isso por um engavetamento de tudo
o que se levantou com o apoio da sociedade.
A expectativa que eu tenho é que as
coisas andarão na Procuradoria-Geral da República com relação àqueles que têm
prerrogativas especiais.
Eu acho que os índices superlativos
de apoio que essa CPI teve acenarão definidamente para que essas coisas
aconteçam no prazo da lei, que são 30 dias.
Depois da derrota nas eleições para a presidência do Senado, em 2019, o sr. manteve uma atuação mais discreta. A CPI marcou em definitivo sua volta aos holofotes da cena política?
Renan Calheiros - Não, eu apenas, com
meu trabalho, colaborei com a conexão do Senado com a sociedade, com a
investigação de fatos que precisavam vir à luz e, sobretudo, colaborei com a
retomada da condição de investigar do Senado Federal, do Parlamento, que tem
que fazer investigações coletivas todas as vezes em que fatos graves não estão
sendo investigados pelos canais convencionais.
Não pretendo voltar a ser pauta da
política nacional. Quero exercer plenamente meu mandato de senador, em nome do
povo de Alagoas e, modestamente, colaborar, como devo colaborar.
RAIO-X
Renan Calheiros, 66
Nascido em Murici (AL) e formado em direito,
iniciou sua carreira política no final dos anos 1970, ao ser eleito deputado
estadual em Alagoas. Foi também deputado federal e atua como senador desde
1995, sempre pelo MDB. Foi presidente da Casa por três vezes. É o atual relator
da CPI da Covid
Nenhum comentário:
Postar um comentário