FOLHA - PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP
(FOLHAPRESS) - A destruição contínua da Amazônia, aliada a crise climática
global, pode deixar milhões de brasileiros vivendo sob calor intenso, com
sensações térmicas que podem superar se aproximar ou superar os 34º C -na
sombra.
Essa situação de
estresse térmico atingiria principalmente a região Norte do país e pode causar
uma série de problemas de saúde para a população local, além do potencial
prejuízo para o mercado de trabalho. Sem contar o potencial de aumentar a
mortalidade em faixas mais vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com
determinados problemas de saúde -mortes que já vemos em ondas de calor que
ocorrem atualmente no mundo.
Uma nova pesquisa
publicada na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature),
na manhã desta sexta (1º) chegou a essa conclusão aplicando modelos matemáticos
para a situação climática brasileira.
Para fazer isso, os
cientistas primeiro se basearam em dois cenários -um intermediário (RCP4.5) e
um mais pessimista (RCP8.5)- criados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de
Mudança do Clima) para estimar como ficará a emissão de gases do efeito estufa
nos próximos anos. Com isso, os pesquisadores foram capazes de apontar como,
até o final do século, essa elevação global de temperatura se relacionaria com
um processo conhecido como savanização da Amazônia.
A ideia desse
conceito é que devido ao desmatamento, a floresta tropical com o tempo vai se
transformar cada vez mais em bioma semelhante ao das savanas -um bioma com
vegetação mais parecida com o cerrado brasileiro, com árvores de menor porte e
mais esparsas.
Diversos estudos e
projeções, inclusive, apontam que com o atual ritmo de destruição e degradação
da Amazônia, esse cenário não está tão distante assim.
Continue lendo
"As indicações
são contundentes de que a floresta está em um processo avançado de
savanização", afirma Paulo Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais) e um dos autores do estudo.
Considerando ainda
que a floresta é uma gigantesca bomba de água para a atmosfera, é de se esperar
que o processo de savanização interfira na umidade e nas temperaturas da região
-isso sem contar nas chuvas no resto do continente.
A soma da crise
climática e da savanização levaria mais de 6 milhões de pessoas a um extremo
risco térmico à saúde, com sensações térmicas próximas dos 34°C -isso no cenário
intermediário de emissões do IPCC. Já se as piores previsões se confirmarem, a
quantidade de brasileiros que estará exposta a esse estresse térmico extremo
saltará para mais de 11 milhões.
"Uma das
coisas que mais chamou a atenção é que o efeito do desmatamento tem a mesma
magnitude do efeito total das mudanças climáticas", afirma Nobre.
O limite de
temperatura associado ao extremo risco à saúde humana começa na casa dos 34°C,
como aponta a pesquisa. As simulações dos pesquisadores mostram que, no mês mais
quente, a média diária de máxima de temperatura na sombra é maior que essa
tempetura, chegando a uma máxima de 37°C no cenário intermediário do IPCC e de
41°C, no pessimista.
Nas simulações com
a presença da floresta tropical, essas elevadas temperaturas não foram
alcançadas.
Segundo os
pesquisadores, as pessoas seriam expostas por, no mínimo, uma hora por dia a
essa sensação térmica. "Quando você tem 40ºC na sombra, para onde você
vai? Onde você vai se esconder?", diz Nobre.
De acordo com a
pesquisa, as principais vítimas dessa situação vão ser as populações em
condições de maior vulnerabilidade social, considerando infraestrutura, saúde e
renda, por exemplo na região afetada.
O estudo aponta
menor potencial de resposta da região aos possíveis efeitos da combinação de
desmatamento e mudança climática, e relembra que, na pandemia de Covid, a
Amazônia foi o primeiro local do país a ter serviços de saúde colapsando.
Mas toda a Amazônia
vai realmente virar a savana? Não necessariamente. Segundo o pesquisador do
Inpe, os modelos às vezes têm dificuldade de apontar a velocidade dos impactos
das mudanças. Por isso, os cientistas decidiram "exagerar" a
situação, para conseguir compreender o potencial impacto da floresta tropical
-ou da ausência dela, no caso.
Segundo Nobre, não
é preciso perder toda a floresta para haver o estresse térmico e os efeitos
combinados de desmate e crise climática já são sentidos atualmente.
Não há mais como
controlar um dos aspectos apresentados na pesquisa: a crise climática, já
instalada e que necessariamente continuará a evoluir, como mostrou o relatório
mais recente do IPCC.
Mas a destruição da
Amazônia ainda pode e precisa ser contida. Se o desmatamento não for controlado
a tempo, a situação é de leite derramado, diz o pesquisador.
Além de zerar o
desmate, Nobre aponta que o investimento em reflorestamento, e não só na
Amazônia, é essencial. Para isso, seria necessária ação das esferas política,
econômica e da sociedade civil.
"Parar de
desmatar não é mais suficiente. No Titanic não era mais suficiente parar os
motores para não bater no iceberg", compara o cientista do Inpe.
Nobre aponta ainda
que apesar do efeito no Norte das altas temperaturas ser maior, outras parcelas
do Brasil também sofreriam, segundo a modelagem realizada. E o problema está
longe de ser "só" o estresse térmico.
O pesquisador
relembra do papel da Amazônia na regulação de chuvas e o potencial de
desequilíbrio no ciclo hidrológico que sua destruição causa. Isso se torna mais
importante ainda quando pensamos que a maior parte da produção de energia no
Brasil é proveniente de usinas hidrelétricas. "Uma usina com lago seco não
produz nada de eletricidade", afirma Nobre.
O Brasil,
atualmente, já passa por um momento de crise de energia e problemas no
abastecimento de água em diversas regiões do país, com secas prolongadas e
conta de eletricidade mais alta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário