(Foto: Ben Sutherland) |
Por Ben Hillier |
Redflag
Tradução de Vinícius
S. Morais Provazzi, com revisão de Rebeca Ávila para a Revista Ópera
Antes de fundar a Al-Qaeda, bin Laden foi uma peça chave no financiamento norte-americano, saudita e paquistanês de guerrilheiros afegãos.
A segunda metade da
década de 1970 foi calamitosa para o imperialismo dos EUA. As últimas tropas
norte-americanas retiraram-se do Vietnã do Sul em 1975, quando Saigon (agora
Cidade de Ho Chi Minh) caiu nas mãos das forças comunistas do Norte; o regime
aliado dos EUA no Irã entrou em colapso em fevereiro de 1979, depois que uma
revolução derrubou o Xá Mohammad Reza Pahlavi, que havia sido previamente
instalado por um golpe orquestrado pelos norte-americanos.
Na ilha caribenha de
Granada, no mês seguinte, os comunistas do Movimento New Jewel assumiram o
poder, reacendendo memórias da Revolução Cubana; e a ditadura apoiada pelos EUA
na Nicarágua, América Central, também estava prestes a cair nas mãos de forças
guerrilheiras de esquerda. Os norte-americanos pareciam estar perdendo em todos
os lugares.
Para o presidente
Jimmy Carter e o establishment da segurança nacional dos EUA, o revés iraniano
em particular não poderia ter vindo em pior hora. Os comunistas – apoiados pelo
principal inimigo estratégico dos Estados Unidos, a União Soviética –
recentemente haviam assumido o poder no país vizinho, o Afeganistão. Embora o
país não estivesse no topo da lista de prioridades dos EUA, os estrategistas
norte-americanos, no entanto, perceberam uma oportunidade dentro dessa situação
desfavorável. Em julho, seguindo as diretivas do conselheiro de Segurança
Nacional, Zbigniew Brzezinski, Carter assinou uma diretriz permitindo que um
pacote de apoio secreto fosse dado ao que, naquela época, era uma oposição em
vias de radicalização, contra o governo pró-soviético.
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Isso marcou o início
de uma infame convergência de interesses, por meio da qual a Agência Central de
Inteligência (CIA), o Departamento de Inteligência Geral da Arábia Saudita
(GID) e a Diretoria de Inteligência Interserviços do Paquistão (ISI) treinaram
e equiparam os mujahideen afegãos (guerrilheiros islâmicos). Cada membro dessa
aliança tinha sua própria agenda.
“O presidente Zia
visava cimentar a unidade islâmica, transformar o Paquistão no líder do mundo
muçulmano e fomentar uma oposição islâmica na Ásia Central”, escreveu Ahmed
Rashid no Centro de Integridade Pública dos Estados Unidos em 2001. “Washington
queria demonstrar que todo o mundo muçulmano estava lutando contra a União
Soviética, ao lado dos afegãos e de seus benfeitores norte-americanos. E os
sauditas viram uma oportunidade para promover o wahhabismo [uma linha puritana
do islamismo] e também para se livrar de seus radicais descontentes. Nenhum dos
poderes acreditava que esses voluntários tivessem suas próprias agendas, e que
um dia voltariam seu ódio dos soviéticos contra os seus próprios regimes e
contra os americanos”.
Tropas russas
invadiram o país em dezembro, temendo a derrubada iminente do governo pelos
mujahideen e preocupadas com potenciais rebeliões em cadeia nas suas próprias
repúblicas centro-asiáticas, predominantemente muçulmanas. Os soviéticos agora
estavam presos em uma guerra intratável. Ao longo da década seguinte, a CIA, o
GID e a ISI recrutaram mais de 30.000 combatentes do mundo muçulmano e
destinaram bilhões de dólares em ajuda para treiná-los e equipá-los.
Steve Coll, do
Washington Post, considerou-a a operação secreta mais significativa desde a
Segunda Guerra Mundial. “Durante toda a temporada de combates no Afeganistão,
até onze equipes da ISI treinadas e equipadas pela CIA acompanharam os
mujahideen através da fronteira para supervisionar ataques”, escreveu em 1992.
Eles deram suporte a
personagens retrógrados como Gulbuddin Hekmatyar. Seus seguidores, segundo o
jornalista Tim Weiner, eram conhecidos por jogar ácido “nos rostos das mulheres
que se recusavam a usar o véu”. “Funcionários da CIA e do Departamento de
Estado com quem conversei o chamam de ‘assustador’, ‘perverso’, ‘um fascista’,
‘material ditatorial’”, escreveu Weiner em Blank Check: The Pentagon’s Black
Budget.
Hekmatyar, que em
1976 fundou o Hezb-e-Islami (Partido do Islã), uma organização política
paramilitar, teria recebido mais financiamento norte-americano do que qualquer
outro senhor da guerra (ironicamente, ele foi posteriormente colocado na lista
de terroristas mais procurados de Washington). O raciocínio da CIA era simples:
quanto mais fanáticos os soldados e mais brutais seus métodos, mais eles
machucariam os russos. E quanto mais dor eles causassem, mais apoio deveriam
receber.
Ronald Reagan, que
substituiu Carter em 1981, descreveu os mujahideen como “lutadores pela
liberdade” e trouxe a Washington líderes rebeldes como Abdul Haq, que admitiu
sua responsabilidade por ataques terroristas como a explosão de uma bomba em
1984 no aeroporto de Cabul, que matou pelo menos 28 pessoas e deixou centenas
de feridos. Seus admiradores americanos o apelidaram de “Hollywood Haq”.
Usando pessoal e veículos fornecidos pela CIA, os mujahideen expandiram a produção de ópio em áreas sob seu controle, transformando o Afeganistão no que um oficial da Agência Antidrogas dos Estados Unidos descreveu mais tarde como a nova Colômbia do mundo das drogas (esses também foram os anos em que a CIA forneceu financiamento secreto, levantado por meio da venda de cocaína, a paramilitares contra o governo na Nicarágua).
O apoio dos EUA não estava disponível apenas
para operações militares. Também houve auxílio para a guerra ideológica, como
Rashid observou: “Dezenas de milhares de radicais muçulmanos estrangeiros
vieram estudar nas centenas de novas madrassas que o governo militar de Zia
começou a financiar no Paquistão e ao longo da fronteira afegã. No fim, mais de
100.000 radicais muçulmanos teriam contato direto com o Paquistão e o
Afeganistão e seriam influenciados pela jihad.
“Em campos na
proximidade de Peshawar [perto da fronteira com o Afeganistão] e no
Afeganistão, esses radicais se encontraram pela primeira vez e estudaram,
treinaram e lutaram juntos. Foi a primeira oportunidade para a maioria deles
aprender sobre os movimentos islâmicos em outros países, e eles forjaram laços
táticos e ideológicos que os serviriam bem no futuro. Os campos se tornaram
virtuais universidades para o futuro radicalismo islâmico. Nenhuma das agências
de inteligência envolvidas queria considerar as consequências de reunir
milhares de radicais islâmicos de várias partes do mundo.”
Osama bin Laden, o
décimo sétimo filho de um bilionário da construção civil saudita, envolveu-se
no início do conflito como recrutador e financiador. “Encantado com suas
credenciais impecáveis, a CIA deu rédea solta a Osama no Afeganistão, assim
como os generais de inteligência do Paquistão”, escreve o jornalista John
Cooley em Unholy Wars: Afghanistan, America and International Terrorism. “Eles
olharam com benevolência para o aumento do poder sectário dos muçulmanos
sunitas no sul da Ásia para conter a influência do xiismo iraniano da variedade
Khomeini.”
Bin Laden recrutou
milhares de voluntários da Arábia Saudita e desenvolveu relações estreitas com
os líderes mujahideen. Ele também supostamente trabalhou em estreita
colaboração com a CIA, arrecadando dinheiro de civis sauditas. A partir de
1984, bin Laden, junto com Ayman al-Zawahiri e outros, dirigiu o Maktab al-Khidamat,
que foi criado pela ISI para fornecer recursos aos mujahideen. Também conhecida
como Agência de Serviço Afegã, a organização foi a precursora da Al-Qaeda
(fundada em 1988), rede terrorista responsável pelos ataques de 11 de setembro
de 2001 nos Estados Unidos.
“Operando
inicialmente a partir de Karachi e mais tarde a partir de suas fortalezas no
Afeganistão, o império financeiro e imobiliário de bin Laden começou a
construir bases, campos de treinamento e pistas de pouso no Afeganistão – que
viriam a estar sob ataque no inverno de 2001-2002 pelos próprios Estados
Unidos, que haviam originalmente encorajado sua construção – para jatos
particulares de senhores da guerra da jihad anti-soviética, para dignitários
muçulmanos e árabes visitantes”, escreve Cooley.
“Bunkers e túneis
profundos para postos de comando e centros de telecomunicações […] foram
escavados nas montanhas afegãs. O objetivo deles era tornar as telecomunicações
dos combatentes mujahideen à prova de analistas de tráfego de rádio e
decifradores do Exército Vermelho, bem como proteger as munições, armas e
depósitos de combustível contra ataques das forças terrestres e aéreas
soviéticas.
“Muito antes do fim
da guerra, bin Laden e seus acólitos estavam se preparando para que jihads
maiores viessem contra os ímpios governos árabes que, pensava ele, estavam sob
ordens dos corruptos e satânicos Estados Unidos, com os quais, como um aliado
objetivo, ele tinha trabalhado para expulsar os soviéticos.”
Em 1989, os russos
estavam exaustos. O Afeganistão havia se tornado para eles o que o Vietnã havia
sido para os Estados Unidos. Quando eles finalmente se retiraram, a
administração de George H. W. Bush deu as costas ao Afeganistão, deixando-o,
nas palavras do The Economist, “inundado de armas, senhores da guerra e
fanatismo religioso extremista”.
Bin Laden também
deixou o país e começou a reorientar a Al-Qaeda. Porém, foi forçado a retornar
em 1996, tendo sido destituído de sua cidadania saudita e expulso do Sudão
porque os EUA finalmente se voltaram contra ele. “Ele trouxe consigo muitos
extremistas árabes radicalizados, motivados por visões de uma guerra islâmica
global”, escreve Steve Coll em Ghost Wars: The Secret History of the CIA,
Afghanistan, and Bin Laden. Diretamente de Indocuche [uma cordilheira no Afeganistão],
bin Laden clamou pela guerra, escrevendo um poema para o Secretário de Defesa
dos EUA, William Perry:
Refletindo sobre seu
papel no conflito afegão, Zbigniew Brzezinski perguntou em 1998: “O que é mais
importante para a história do mundo […] alguns muçulmanos atiçados ou a
libertação da Europa Central e o fim da Guerra Fria?” Lida à luz do que veio a
seguir, a pergunta é trágica.
EM TEMPO: O ex-ditador do Iraque, Saddan Hussein, também foi cria dos EUA.
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