ESTADÃO - Felipe Resk
Priorizar a
reabertura de escolas com segurança. Garantir renda básica universal. Conectar
todas as crianças e adolescentes à internet até 2030. Oferecer linhas de
crédito verde atrativas e investir em cidades inteligentes. Essas são algumas
das 55 medidas para o Brasil superar a crise provocada pela covid-19 e promover a recuperação
em curto e longo prazo.
É o que sugere
relatório divulgado nesta quarta-feira, 29, por agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e
pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Com o título “Covid-19 e
Desenvolvimento Sustentável: Avaliando a crise de olho na recuperação”, o
trabalho é resultado de uma força-tarefa de especialistas e teve participação
do Pnud, do Unicef e da Unesco.
No estudo, o grupo
analisa repercussões do coronavírus em diversos setores, como saúde, educação,
economia e meio ambiente. Em contrapartida, também afirma que o processo de
recuperação representaria uma “oportunidade histórica para se reimaginar as
sociedades” e “alcançar um futuro melhor para todas e todos”.
Os pesquisadores
consideram a pandemia “a pior crise sistêmica já vivida no planeta” desde a
criação da ONU. Por causa do cenário, especialistas projetam um recuo global
(-0,018) no Índice de Desenvolvimento Humano 2020 (IDH) – a primeira tendência
de queda esperada para o indicador desde 1990.
Entretanto, os
impactos teriam sido “desproporcionais”, “aprofundaram desigualdades” e
dificultaram o “alcance do desenvolvimento humano e sustentável estabelecido
pela Agenda 2030 das Nações Unidas” no Brasil e no mundo. “Embora todos os
países sejam afetados, sociedades mais desiguais são as que mais sofrem com as
consequências”, diz o relatório.
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“Os mais
vulneráveis – países e populações – têm maior dificuldade de recuperação e o
cenário, já complicado (como efeito da crise econômica de 2008), tornou-se
ainda mais crítico, já que muitos recursos precisarão ser mobilizados para
socorrer as vítimas diretas e indiretas da doença”, afirma.
Para o Brasil, o
relatório analisa 94 indicadores de vulnerabilidade e de capacidade de resposta
à pandemia, a partir dos quais estabelece as diretrizes da retomada. “Uma
recuperação eficaz dependerá de esforços conjuntos para fortalecer os sistemas
de saúde, reforçar a proteção social, criar oportunidades econômicas, ampliar a
colaboração multilateral e promover a coesão social.”
Acesso à tecnologia
Ao menos 147 países
fecharam escolas por causa da pandemia, o que representaria mais de 1,4 bilhão
de alunos afetados, ou cerca de 86% da população estudantil mundial. No Brasil,
o Unicef estima que 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram o direito à
educação negado em 2020. “Se no início da pandemia não foram considerados como
grupos de risco direto, são elas, de fato, as vítimas ocultas da covid-19”, diz
o relatório.
Para parte das crianças,
a suspensão das atividades escolares também repercute na segurança alimentar e
acesso à infraestrutura de saúde, água, saneamento e higiene. “Os impactos para
crianças e adolescentes podem perdurar por toda a vida”, afirma o estudo. “Sem
deixar de lado as medidas essenciais para conter a propagação do novo
coronavírus, é preciso ter clareza sobre os impactos do fechamento de escolas
por um longo período na aprendizagem, na nutrição – uma vez que muitos deles
dependem da merenda escolar – e na segurança de crianças e adolescentes, em
especial os mais vulneráveis.”
Outro desafio é o
acesso desigual à tecnologia, que pode provocar aumento de taxas de abandono
escolar, trabalho infantil e gravidez na adolescência, de acordo com o
relatório. “Com o fechamento massivo de estabelecimentos escolares, o ensino
remoto mediado por tecnologias apresenta-se como uma alternativa para a
continuidade da aprendizagem”, descreve. “No Brasil, 28% das famílias não têm
acesso à internet, porcentual que aumenta conforme a renda diminui e chega a
48% em áreas rurais”.
Políticas sugeridas
pelos pesquisadores passam por reabrir escolas, estabelecer parcerias para
inclusão digital, manter serviços de saúde, além de criar oportunidade de
trabalho para jovens entre 14 e 24 anos. “Sem ação coordenada para prevenir,
mitigar e responder aos efeitos da pandemia, as consequências para este
segmento agora, e para a sociedade como um todo no futuro, serão graves.”
Proteção social e desenvolvimento sustentável
O relatório aponta,
ainda, que a pandemia expôs ainda mais a desigualdade no Brasil, com diferenças
de acesso à “proteção social, serviços públicos de saúde, emprego e à renda e
moradia adequada”. “A proteção social pode ser uma ferramenta crucial não
apenas para ajudar as famílias a se manterem à tona no curto prazo, mas também
para combater a desigualdade de forma mais ampla”, diz.
Os pesquisadores
sugerem foco para eliminar desigualdades. Entre as medidas, estão políticas de
transferência de renda e inclusão financeira, estímulos fiscais e investimentos
em saneamento universal. “Estima-se que o pacote emergencial do governo federal
some um gasto de R$ 524 bilhões, em 2020”, afirma. “Para assegurar uma
recuperação resiliente e inclusiva em todos os níveis, o Brasil deve também continuar
a enfrentar os desafios do desenvolvimento sistêmico.”
Em paralelo, a
recuperação e a resposta ao coronavírus devem estar em consonância com questões
climáticas e proteção ao meio ambiente, de acordo com os especialistas. Matriz
energética limpa, incentivos à agricultura familiar e investimentos em projetos
sustentáveis são iniciativas defendidas pelo relatório. “Muitas dessas soluções
têm efeitos em cascata, com benefícios para a saúde e a economia, ao mesmo
tempo que criam resiliência a desastres futuros”, diz.
“O Brasil precisa
criar uma recuperação que ‘reconstrua melhor’, o que significa não só recuperar
de imediato as economias e os meios de subsistência, mas também salvaguardar a
prosperidade a longo prazo”, afirma o relatório. “Para isso é necessária uma
nova geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a
transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos
controlados sobre a natureza. O futuro começa hoje, não amanhã.”
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