Kim Kataguiri e Arthur do Val (representantes do MBL) em encontro com Jair Bolsonaro antes de se tornar presidente da república.
Eles andam de mãos
dadas: MBL e Bolsonaro são sintomas da despolitização
Por Danilo Zajac,
militante do PCB em São Paulo (Vila Prudente)
São vários os
argumentos que me permitem reforçar o título deste texto. Ressaltarei aqui
algumas considerações que demonstram que a origem do MBL está muito longe de
ser da ala democrática.
As grandes manifestações de 2013 começaram devido ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo, mas logo se desdobraram em reivindicações mais plurais, centradas no descontentamento com os serviços públicos. A elevação do nível de consumo das famílias de baixa renda fez com que muitas destas famílias passassem a contratar planos de saúde de péssima qualidade, matricular seus filhos em pequenas escolas particulares de procedência duvidosa e a utilizar o carro para ir e voltar do trabalho, enfrentando trânsitos costumeiros das grandes cidades.
Assim, os manifestantes, em geral mais jovens, exigiam mais investimentos e
maior qualidade dos serviços públicos, para eximir suas famílias de utilizar o
ganho financeiro com péssimos serviços privados.
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As pautas não foram
bem aproveitadas pelo governo federal. Essa era a hora da politização do
movimento e nada melhor do que um governo com taxas relevantes de aprovação
para encampar um debate sério acerca destas manifestações. Acontece que a
desmobilização da base de esquerda era grande à época, devido aos conchavos e a
conciliação dos mesmos governos petistas. Resultado: as manifestações estavam
cada vez menos politizadas, juntando cada vez mais pessoas insatisfeitas com o
estado de coisas. Como dizia Bretch: “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Neste caso, ela pariu o MBL.
Toda vez que há
despolitização, o canto da sereia da corrupção entra em voga. Gerado por uma
rede de fundações de direita sediada nos Estados Unidos, a Atlas Network, o MBL
e sua liderança Kim Kataguiri começam a fazer sucesso com bravatas sobre a
“robalheira” e a corrupção, que, diga-se de passagem, não é criação dos
governos petistas, mas enraizada desde que o Brasil foi invadido pelos
portugueses.
A Atlas Network é a
mentora da Students for Liberty (SFL), uma organização estudantil internacional
fundada em 2008. Seu orçamento passou de pouco mais de 35 mil dólares para mais
de 3 milhões de dólares em 2014, boa parte financiada pela Atlas. O Brasil
passou a fazer parte da SFL em 2012, durante um seminário promovido pela Atlas
em Petrópolis (RJ), e passou a ter dois brasileiros entre os dez cabeças desta
organização.
Assim foi criada a
organização Estudantes pela Liberdade (EPL), que por questões da legislação
americana, adota por aqui o nome fantasia de Movimento Brasil Livre (MBL). A
estratégia de coordenação deste movimento por parte da Atlas Network, segundo o
então presidente da organização, Alejandro Chafuen, é o poder da nutrição.
Segundo ele,
Esses seres humanos, nós os chamamos de empreendedores intelectuais. (…) Então damos a eles programas de treinamento, tentamos apoiá-los financeiramente, encorajá-los a ser muito sérios, não muito festeiros. Podemos oferecer algumas diretrizes, novas ideias sobre a sociedade livre, do liberalismo clássico ao libertarianismo. [1]
Desde então, o MBL foi uma das vozes mais bem alinhadas ao golpeachment de 2016
e cresceu ainda mais surfando no bolsonarismo (a foto de abertura deste post é
uma ótima representante desta onda). Dizendo ser contra a política
institucional, o movimento foi o primeiro a raptar a bandeira do Brasil e a
camisa da CBF, libertando do anonimato os atuais defensores da “intervenção
militar”.
Diversas
manifestações públicas do MBL se assemelham aos valores da extrema direita
bolsonarista. A perseguição moralista a artistas acusados de “sexualizar” a
infância é obra da gangue, assim como a disseminação do “Escola Sem Partido”. A
título de exemplo, pode-se citar a cruzada de Kim Kataguiri contra exposições
do movimento LGBTQIA+, questionando o “mau uso de dinheiro público, via isenção
fiscal, para algo que não representa a maior parte dos valores da sociedade”
[2].
“Concordamos muito
com o Bolsonaro em diversas coisas: revogação do estatuto do desarmamento,
redução da maioridade penal… Concordamos em diversas pautas. Inclusive quando
ele falou mal da CLT, eu quase soltei fogos na minha casa. Quando ele fala em
criar leis antiterroristas que atinjam o MST, eu acho que é um ato de extrema
coragem. Eu acho uma palhaçada quando começam a chamá-lo de racista e homofóbico.”
(Arthur do Val) [3]
Entre as bandeiras adotadas pelo MBL estão, por exemplo, a extinção de políticas afirmativas como cotas raciais e o combate às ideias de desencarceramento. Ao longo dos anos, dizeres como “Menos Marx, Mais Mises”, “Menos Duvivier, Mais Gentili”, “Menos Keynes, Mais Hayek” e “Olavo tem razão” estão entre os seus discursos [4].
Essas sempre foram algumas das bandeiras dos garotos que hoje juram que só
apoiaram Bolsonaro por causa da política econômica ultraliberal de Paulo
Guedes. Nunca se soube de uma mudança de postura do grupo em relação a essas
pautas, o que nos leva a crer que o rompimento não foi por questões
ideológicas, mas por oportunismo eleitoral. Com o apoio do grupo, Bolsonaro se
elegeu, cumpriu o que prometeu durante a campanha e empurrou o país na ladeira
da barbárie. As digitais dos garotos liberais estão impregnadas nessa tragédia.
Se o desmonte do Estado estivesse mais acelerado e as privatizações mais
concretizadas, certamente o grupo estaria tolerando o genocídio e o fascismo do
presidente da república.
Perceba, caro leitor,
não há diferenças programáticas entre Kim Kataguiri e Bolsonaro. Eventualmente,
os defensores do negacionismo limpinho e cheiroso talvez discordem, mas a
realidade é que o MBL se distancia de Bolsonaro para não perder o pouco
protagonismo que ainda lhe resta, ou seria engolido pela extrema direita. Até a
estética de seus apoiadores, que articularam a manifestação do dia 12/09, é a
mesma dos bolsonaristas. Dizeres como “o povo está conosco” e o fato de ser
antissistema sem ser estão presentes nos mesmos grupos de whatsapp que elegeram
Bolsonaro.
Se você foi às
manifestações de 12/09, é direito seu achar-se de uma direita que não defende o
genocida Bolsonaro. Agora, fica evidente o fato de não haver base histórica
para este descolamento, pois é a direita que gerou o bolsonarismo e é nutrida
por ele. Lembram-se do Bolsodoria?
[1] Jabuti não sobe
em árvore: como o MBL se tornou líder das manifestações pelo impeachment. In:
Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política do
Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016.
[2]
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45191250
[3]
https://theintercept.com/2021/06/13/mbl-bolsonarismo-patriotas-extrema-direita/
[4]
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/CESP/article/view/53022/34409
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