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O ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann, acredita que os militares brasileiros estão diante de um processo que assemelha-se aos passos iniciais do chavismo, na Venezuela, quando Hugo Chávez passou a transferir para si os poderes dos comandantes das Forças. Estes, ao evitarem um confronto, pensando em preservar a Constituição, acabaram permitindo a destruição da ordem legal. Leia a seguir, trechos de sua entrevista ao Estadão.
O que o sr. acha que ocorreu para
Pazuello não ser punido?
A narrativa que ouvi caminha em uma dupla direção. Houve uma reunião remota do Alto Comando anteontem. O comandante Paulo Sérgio pediu a opinião do Alto Comando, que teria sido majoritariamente pela punição. Não pelo ânimo de punir, mas pra preservar a hierarquia e a disciplina, sem as quais um Exército se transforma em um bando armado.
Ele (Paulo Sérgio) teria comunicado que sua decisão era não punir, o
que foi acatado por todos, pois essa é uma decisão privativa do comandante.
Ouvi de outros que o general disse a oficiais mais próximos que teria agido
para evitar uma crise maior, resultante da punição de Pazuello que viesse a ser
anulada, o que implicaria no afastamento em dois meses do segundo comandante do
Exército.
Ao fim e ao cabo, agrava-se a crise
em vez de encerrá-la?
Aqui vale a frase do Churchill em relação à política de apaziguamento de (Neville) Chamberlain (em 1938, em relação à Hitler): ‘Vocês não terão a paz, e terão a guerra’. O que quero dizer é que os militares daqui estão enfrentando o que os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista. Bolsonaro persegue o modelo de Chávez. Ele, como Chávez, quer reduzir o comando dos militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele.
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Temos o exemplo próximo da
Venezuela, aonde, paulatinamente, Chávez tirou poder dos generais e transferiu
para ele. Os militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o
confronto direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é
que assim correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia
e a disciplina.
O que fazer então?
Inequivocamente
proceder a punição. Pois ou você fica com o Exército, a instituição permanente
de Estado, ou você fica do lado da anarquia nos quartéis. Não há meia solução
nesse caso. Não tenha a menor dúvida de que isso terá reflexos. Você viu o que
aconteceu em Pernambuco? Embora seja outra instituição, estadual e policial, o
que ocorreu ali pode servir de exemplo para a ação de grupos de policiais
contra manifestações democráticas da oposição, que fazem parte do jogo
político-eleitoral. Por isso que em Pernambuco também deve ter punições. Não
pelo prazer de punir, mas pela necessidade de se preservar as instituições.
Se o apaziguamento a Bolsonaro não é
o caminho, qual seria o caminho? O impeachment?
Eu não vejo condições momentâneas para o impeachment. Primeiro, estamos em meio a uma crise humanitária, fruto da pandemia, que deve ser a principal preocupação de todos os agentes públicos, porque está em jogo a vida das pessoas. Ao contrário do que vivemos com Collor e com Dilma, o caminho da solução política encontra-se bloqueado pela pandemia, que inibe grandes manifestações. Mas, se a política não resolve a crise, a crise devora a política. Vivemos esse impasse.
Mas
acredito que até o fim do ano teremos uma situação em que a pandemia não seja
mais agressiva e mortífera e aí você pode destravar os movimentos de rua e
caminhar para uma solução política da crise. Em segundo lugar, nesse momento,
não existem votos suficientes no Congresso e, terceiro, não acredito que os
presidentes da Câmara e do Senado, sobretudo o da Câmara, tenham disposição e
vontade de fazê-lo, pois são aliados do presidente.
Se o caminho político está bloqueado
há risco de ruptura e divisões nas Forças Armadas?
Ao você aceitar a transferência do mando da hierarquia para o poder político, como foi este caso, você abre possibilidade que se ampliar esse mando político e o mando da política. Isso significa a possibilidade da fragmentação da unidade das Forças Armadas. Lembro dois episódios. O primeiro é o do coronel Bizarria Mamede, quando fez um discurso no enterro em 1955 do presidente do Clube Militar, general Canrobert Pereira da Costa. O ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, determina sua prisão contra a vontade do presidente Carlos Luz. Esse é o caminho a seguir, o da preservação do Exército.
O outro é o que não se deve
seguir: João Goulart, às vésperas de 1964, vai confraternizar no Automóvel
Clube com os sargentos insubordinados, o que representou a ruptura final entre
a hierarquia militar e o presidente. Fica claro que você abre uma caixa de
Pandora e perspectivas como essas (de uma ruptura) que não eram uma
possibilidade, ocorrendo uma agravamento e uma repetição disso, sim, abrem-se
as portas do inferno com o qual a democracia brasileira não pode conviver. Por
isso o apelo que fiz à unidade e à necessidade das forças democráticas
reagirem.
O que o Congresso pode fazer nesse
caso?
O Congresso precisa
regulamentar a participação de militares da ativa no governo. Esta crise poderia
ter sido evitada se a regulamentação existisse, deixando claro que militares da
ativa não devem participar de governo militar é a defesa da Pátria, da Nação,
indistintamente de governos. No momento em que militares da ativa participem de
governo, eles são a instituição. O general Pazuello é a instituição. Militar da
ativa, salvo excepcionalidade, como uma Casa Militar, não deveriam participar
de quaisquer governos em nome da sua instituição e da sua higidez.
As informações são
do jornal O Estado de S. Paulo.
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