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Tensão, dúvidas e
medo são as palavras escolhidas para caracterizar as relações entre militares e
o poder político no Brasil recentemente por um dos maiores especialistas no
assunto.
© Reuters Pazuello no ato de apoio a Bolsonaro;
Exército decidiu não puni-lo
Para o historiador
e cientista político José Murilo de Carvalho, a decisão do Exército, anunciada
na quinta-feira (03/05), de não punir o general da ativa Eduardo Pazuello por
participação em ato político ao lado do presidente da República vai fazer
crescer uma crise já instalada: o cisma entre o comando das tropas e aqueles
que Carvalho classifica como "generais do presidente", em referência
aos que ocupam cargos no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
O Regimento Disciplinar do Exército proíbe que militares da ativa participem publicamente de atos de cunho político-partidário. "Sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade", diz, mencionando o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio.
Autor de obras
diversas sobre o tema - entre elas, o clássico Forças Armadas e
Política no Brasil -, Carvalho entende que a falta de punição a
Pazuello é grave, apesar de não ser inédita.
Como precedente, ele recorda o caso do general Jurandir Mamede. Em 1955, ainda coronel, Mamede se pronunciou politicamente a favor de um golpe militar em discurso durante o funeral de um oficial superior. Ele reagia à eleição de Juscelino Kubitschek para a Presidência e João Goulart como seu vice, semanas antes. Apesar do desejo de puni-lo ter sido manifestado por comandantes, a decisão acabou não sendo tomada e Mamede se livrou.
A seguir, a
entrevista concedida pelo historiador, por e-mail, à BBC News Brasil:
BBC News Brasil - Como o sr.
caracterizaria a época recente do Brasil em termos da relação entre a caserna e
a política?
José Murilo de Carvalho - Época de tensão, dúvidas e medo.
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BBC News Brasil - Como o sr. reagiu
ao saber que o general Eduardo Pazuello não receberia qualquer punição por ter
participado de um ato político mesmo sendo um militar da ativa?
Carvalho - Desapontamento e receio. O primeiro por ter
acreditado na existência de generais de caráter capazes de resistir a pressões
descabidas, mesmo que pelo pedido de demissão, como foi o caso do general
(Edson) Pujol e de seus colegas da Marinha e da Aeronáutica. O segundo pelas
consequências que poderão advir para a manutenção da disciplina no Exército.
BBC News Brasil - O vice-presidente,
general da reserva Hamilton Mourão, havia declarado ele próprio que Pazuello
deveria ser punido, sob risco de o contrário alimentar uma 'anarquia'. Estamos,
então, entrando no território da anarquia entre os militares?
Carvalho - É curioso que o general Mourão tenha sido
punido duas vezes por ter feito declarações políticas. Prefiro a posição atual
dele, ironicamente adotada depois de se ter feito político.
BBC News Brasil - A decisão de não
punir Pazuello vem sendo tratada por analistas ou até por outros militares como
um ponto inédito no histórico das Forças Armadas. Há precedente?
Carvalho - Há o caso do coronel Jurandir Mamede, em
1955. Mas, antes de 1964, e até mesmo alguns anos depois, a indisciplina e a
conspiração eram rotina nos quartéis. Uma das medidas dos golpistas de 64 foi
punir e expurgar os inimigos e estabelecer um pensamento único nas Forças.
BBC News Brasil - A gestão Bolsonaro
é marcada, desde o início, por abrigar militares em cargos diversos. Com essa
situação do general Pazuello, com o sr. avalia que deve ficar a relação entre o
comando da ativa e os militares que ainda estão no governo?
Carvalho - Já há tensão entre os generais do presidente e os
generais da tropa, e ela deverá aumentar. Pelas notícias divulgadas, sabe-se
que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de
punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso
tenha perdido autoridade.
BBC News Brasil - Analistas diversos
apontaram que o presidente pode estar tentando criar uma situação de tensão
para explorá-la em uma tentativa de levante com vistas à eleição de 2022. O sr.
crê que isso seja possível ou viável?
Carvalho - Acho difícil. O perigo maior é que ele
consiga mobilizar as polícias militares.
BBC News Brasil - O Brasil de 1964
era um país muito diferente do atual em termos econômicos e nas relações
internacionais. Uma suposta "aventura militar" hoje teria
consequências distintas?
Carvalho - Em 64, dominava a Guerra Fria. Os golpistas tiveram
forte apoio dos Estados Unidos. Hoje, isso não seria possível. No máximo,
haveria alguns silêncios. O país se tornaria ainda mais pária.
BBC News Brasil - Desde a
redemocratização, os militares têm repetido o discurso da profissionalização
para se afastar de questões políticas e recuperar o prestígio. Em qual grau
isso fica comprometido após o atual governo?
Carvalho - Profissionalização significa dedicação total
às tarefas militares. Ela avançou bastante nas últimas décadas na Marinha e na
Aeronáutica. No Exército, avançou pouco e é ele que tem, por causa de sua
presença no território nacional, capacidade de controlar o país. O direito de
exercer um papel político está embutido nas convicções do Exército desde 1889.
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