23 de maio de 2021
Atilio Boron
Nas eleições do
passado fim de semana no Chile as forças populares e democráticas obtiveram um
grande sucesso. Serão largamente majoritárias na Convenção Constitucional, e a
direita sequer conseguiu o terço de representantes com que contava para
bloquear uma nova constituição que ponha fim ao pinochetismo. As grandes lutas
de massas (quase insurrecionais) de Outubro de 2019 tiveram expressão
determinante na votação popular.
No seu último
discurso, em 11 de Setembro de 1973, e enquanto a aviação bombardeava o La
Moneda, Salvador Allende expressou a confiança de que, mais cedo do que tarde,
se abririam «as grandes avenidas» pelas quais os chilenos marcharam para
construir uma sociedade melhor. Decorreu mais tempo do que todos esperávamos,
mas finalmente no domingo elas começaram a se abrir e a sua consequência foi
uma vitória categórica da esquerda e uma derrota esmagadora da direita. Naquilo
que todos consideravam como “a mãe de todas as batalhas”, a eleição da
Convenção Constitucional, os “Outubristas”, filhas e filhos das grandes
jornadas insurrecionais que se iniciaram em 18 de Outubro de 2019, alcançaram
maioria que fez ir pelos ares o ferrolho da cláusula-armadilha do “terço de
bloqueio”.
Como condição para
aceitar a convocação para a Convenção Constituinte, a direita tinha imposto a
regra dos dois terços para o quórum e para aprovar os conteúdos da nova
constituição. Piñera e seus comparsas estavam seguros de que as urnas renderiam
um resultado que lhes garantiria esse poder de veto, ao obter uns 35 ou 40 por
cento do voto popular. Mas os cidadãos decidiram o contrário.
Castigaram o seu
governo e seus aliados por três razões: a gestão desastrosa da crise da
Covid-19 (tão admirada pelos sicários midiáticos da Argentina e pelos
dirigentes do Juntos por el Cambio), a brutalidade da repressão aos protestos
populares e a súbita tomada de consciência do saque a que o povo chileno fora
submetido durante décadas pelo neoliberalismo governante, principalmente por
obra de um perverso regime orçamentário e do endividamento exorbitante a que
foram condenadas milhões de famílias caídas abaixo do limiar da pobreza. Resultado:
a pior eleição da direita desde 1965. Particularmente desastroso foi o
resultado da outrora poderosa Democracia Cristã, que apenas contará com três
dos 155 convencionais que compõem esse corpo.
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Em Valparaíso, Jorge
Sharp, da Revolución Democrática/Frente Amplio, foi reeleito. Mas os seus companheiros
arrebataram nada menos que a aristocrática Viña del Mar às forças conservadoras
mais reacionárias e conquistaram também as comunas de Ñuñoa, Maipú e Valdivia,
na região de Los Lagos, onde foi eleita uma ex-dirigente estudantil e
integrante da Revolución Democrática, Carla Amtmann.
Foram também
disputados cargos de Governadores das dezesseis regiões, uma novidade no Chile.
Não têm muitas atribuições num país historicamente unitário, mas ainda assim
houve situações ilustrativas dessa mudança no clima político transandino. O
Frente Amplio venceu o governo de Valparaíso no primeiro turno, e outras forças
de oposição fizeram o mesmo no extremo sul: Aysén e Magallanes. Nas outras 13
regiões haverá segundo turno e as estimativas anteriores indicam que será muito
improvável que a direita consiga mais de duas governanças.
Em Santiago,
travar-se-á uma grande batalha entre o democrata cristão Claudio Orrego, filho
de um dirigente histórico dessa força (e encarniçado opositor do governo de
Salvador Allende, estreitamente ligado à embaixada dos Estados Unidos, como
demonstram documentos desclassificados da CIA) e Karina Oliva, do Partido
Comunes, uma nova agrupação popular que conta com o apoio de outras forças de
esquerda. Oliva está nos antípodas de Orrego, uma família pertencente à casta
política tradicional do Chile, e define-se como “mãe solteira de Emilia,
feminista e mulher popular, cientista política, frente-amplista e militante do
Partido Comunes”.
Resumindo: a situação
político-eleitoral mudou para melhor no Chile e isto alimenta expectativas
promissoras não só para aquele país, mas para toda a América Latina. O projeto
neoliberal, do qual o Chile era o navio almirante, está esgotado e, na eleição
do passado fim de semana, foi carimbado o primeiro registro da sua certidão de
óbito oficial. O segundo e último será conhecido no que resta do ano.
Entretanto, na Argentina, ainda há alguns que anseiam imitar o “exitoso” modelo
chileno e seu exemplar controle da pandemia e da crise econômica.
Também eles terão um
rude despertar.
Fonte:
https://www.lahaine.org/mundo.php/triunfo-de-la-izquierda-en
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