Luiza Franco - Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Cena da morte de um dos alvos da operação policial. Ele teria tentado escapar pelo quarto de uma criança.
· Polícia do RJ é criticada por operação que deixou 25 mortos na comunidade do Jacarezinho
· Defensora denuncia prováveis execuções e "desfazimento de cena de crime"
· Há relatos de cômodos de casas cobertos de sangue, inclusive o quarto de uma criança, e mães procurando seus filhos pelas ruas.
Membros de organizações que estiveram
na favela do Jacarezinho depois da operação policial que deixou 25 pessoas mortas na quinta-feira descrevem
cenários de devastação e dizem que cenas de crimes foram desfeitas antes que
perícias pudessem ser feitas nesses locais.
A Defensoria Pública, a Comissão de
Direitos Humanos da OAB e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania
da Assembleia Legislativa do Rio foram à favela e ouviram moradores.
"O primeiro choque inicial (ao
chegar ao Jacarezinho) foi a quantidade de sangue nas ruas", disse a
defensora pública Maria Júlia Miranda depois da visita. "Eram muitas
poças. Relatos de violação de domicílio e de mortes neles. Muitos muros
cravejados de bala, muitas portas cravejadas de bala".
Ela também descreveu cômodos de casas
cobertos de sangue, inclusive o quarto de uma criança, e mães procurando seus
filhos pelas ruas.
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Cenas de crimes
desfeitas
A Defensoria disse que pelo menos
três cenas de crime foram desfeitas antes que a perícia pudesse chegar.
Numa delas, segundo a defensora Maria
Júlia, o corpo de um homem que foi morto numa via pública foi retirado dali.
Há, diz ela, uma foto que mostra o homem já morto numa cadeira e outra, que
teria sido tirada mais tarde, mostra a mesma cadeira ensanguentada, mas já sem
o corpo.
A Defensoria visitou também duas
casas que chamaram a atenção. Numa delas, havia sangue pelo chão e pedaços de
corpos. Na outra, o quarto de uma criança de oito anos estava coberto de
sangue.
A família contou à Defensoria que
testemunhou a execução de um homem ali. Ele entrou na casa já ferido e foi
morto no quarto da menina, que, inclusive, viu a cena, segundo contou a família
à defensora. Também há depoimentos de outros moradores que descrevem corpos
sendo retirados de casas, diz a Defensoria.
"Nesses casos provavelmente
houve execução. Pessoas foram tiradas já mortas, o que para a gente configura
desfazimento de cena de crime", diz Maria Júlia.
Moradores reagem à retirada do corpo de uma das 25 pessoas que morreram durante operação policial no Jacarezinho
Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da
Defensoria Pública e portanto responsável por receber denúncias de moradores,
disse que recebe com frequência relatos desse tipo de moradores de
favelas.
A operação policial desta
quinta-feira, que deixou 25 mortos, foi a mais letal da história do Rio de
Janeiro, segundo o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da
Universidade Federal Fluminense), superando os recordes anteriores registrados
na Vila Operária em Duque de Caxias (23 mortos em janeiro de 1998), no Alemão
(19 mortos em junho de 2007) e em Senador Camará (15 mortos em janeiro de
2003).
A deputada estadual Dani Monteiro
(PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, vê falta de
transparência da polícia em relação à identidade dos mortos.
"Não está clara a ligação das 24
vítimas com a operação, que até então tinha 21 suspeitos (a 25ª vítima é um
policial civil). É óbvio que a morte dessas pessoas não se justificaria mesmo
com um crime, mas é ainda mais chocante que operações saiam com 24 mortos e não
tenhamos um relato preciso da polícia de qual era seu objetivo e como ele foi
alcançado. Se essa operação tivesse vislumbrado esses 21 suspeitos, já
sairíamos do processo com identificação dessas pessoas. Várias seguem sem
identificação".
Polícia descumpre
decisão do STF, dizem entidades
As organizações também lembraram que
está valendo uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe operações
policiais durante a pandemia, a não ser em casos excepcionais, e disseram que a
ação no Jacarezinho descumpre a decisão.
O advogado Daniel Sarmento, que
apresentou o pedido de proibição ao STF em nome do partido PSB, disse que esse
tipo de descumprimento já vinha acontecendo e que o Ministério Público, que
deveria avaliar as operações, o faz de forma burocrática.
Polícia carioca
exibiu armas e drogas apreendidos na ação no Jacarezinho
Em nota, o MP disse que "vem
adotando todas as medidas para verificação dos fundamentos e circunstâncias que
a envolvem, bem como sobre as mortes dela decorrentes".
Sarmento disse também que fará
petição ao STF pedindo que esclareça quais circunstâncias poderiam ser
consideradas excepcionais para justificar uma operação e também requerendo uma
investigação sobre o descumprimento da decisão judicial.
O que diz a polícia
Em coletiva de imprensa no fim da
tarde desta quinta-feira, representantes da Polícia Civil do Rio de Janeiro
negaram que tenham acontecido execuções ou irregularidades na operação que
terminou com 25 mortos em Jacarezinho.
Questionado sobre a decisão do STF
que inibiu operações policiais em favelas durante a pandemia, Rodrigo Oliveira,
subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil,
afirmou que a medida judicial não impede as operações, mas estabelece uma série
de protocolos para que elas sejam realizadas. Segundo ele, todas as medidas
necessárias para justificar a operação foram previamente cumpridas.
Quanto às denúncias de invasões de
casas de moradores e abusos cometidos pelos policiais durante a operação, o
delegado Fabrício Oliveira, coordenador da Core (Coordenadoria de Recursos
Especiais da Polícia Civil), disse que foram os criminosos que invadiram as
casas.
Quanto ao rapaz fotografado morto em
uma cadeira de plástico, cuja imagem circulou amplamente nas redes sociais na tarde
desta quinta-feira, o delegado disse apenas que se tratava de um
"criminoso" e que o caso está sob investigação.
A polícia não comentou, até a
publicação deste texto, a acusação de desfazimento de cenas de crime.
Os representantes da polícia civil criticaram em
diversos momentos da coletiva o que chamaram de "ativismo judicial"
que, segundo eles, tem impedido a presença do Estado, através da polícia, nas
comunidades. Questionados mais de uma vez se estavam se referindo ao STF, os
policiais disseram que não iriam nomear nenhuma pessoa ou instituição.
EM TEMPO: O ex-Ministro da Justiça (Injustiça) Sérgio Moro queria aprovar o "Excludente de Ilicitude", ou melhor dizendo: "Licença para Matar". Está ai a prova. Evidentemente que muita coisa precisa ser esclarecida nessa ação desastrada e mortífera da Polícia Civil do RJ. A própria morte do policial precisa ser detalhada. Os confrontos armados, se é que houveram, precisam também de explicação. Como foi localizado o "arsenal de guerra", supostamente encontrados com os "bandidos". Ou os "bandidos" entregaram suas armas?
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