ESTADÃO - Amanda Pupo
© Dida Sampaio / Estadão Senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid
BRASÍLIA - Relator
da Comissão Parlamentar de Inquérito da
Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou, neste sábado, 8, que a
CPI precisa levar em conta como o governo de Jair Bolsonaro minimizou a pandemia e o papel da vacina
para combater a doença, e como a postura do presidente "fechou as
portas" do Brasil para os produtores de imunizantes. "Isso precisa
ser investigado", disse Renan, em entrevista concedida ao programa Prerrogativas,
transmitido pela Rede TVT. O senador destacou ainda que, se a CPI concluir que
Bolsonaro contribuiu para o agravamento do "morticínio" no País, ele
"será responsabilizado, sim".
Renan ressaltou que
"seja lá quem" transformou o chamado tratamento precoce contra a covid-19
em política pública deverá ser responsabilizado. Para ele,
muito do que a CPI pretende apurar "investigado já está" em campanhas
nas redes sociais, discursos e atos oficiais. "Por isso torço que o
presidente da República explique o que aconteceu, a bola está com ele. Tem que
explicar se houve imunidade de rebanho, imunização natural, por que é que ele
defendeu isso, defendeu aquilo. Porque ele agride a China?", questionou
Calheiros.
"Espero que o
presidente da República não tenha responsabilidade no agravamento do morticínio
no Brasil, espero que a CPI não chegue a tanto, mas, se chegar, não tenho
nenhuma dúvida que ele será responsabilizado, sim", disse o relator.
"Entendo que ao responsabilizar alguém, responsabilize exatamente aqueles
que, por negligência, omissão, cometeram erros que poderiam ser evitados e
possibilitado diminuição do número de mortes do Brasil na pandemia. Tenho muita
convicção, apesar dos pesares, ameaças, arreganhos, tentativas de intimidação,
que a CPI fará sua parte, cumprirá seu papel", disse.
Na entrevista, o
senador classificou como uma "irresponsabilidade absoluta, total"
a postura de Bolsonaro diante das
vacinas para a covid-19. "Isso precisa ser investigado",
afirmou. "Como o governo fechou as portas para produtores de vacinas. Não
foi só com a Pfizer, fechou as portas para todos. Porque o presidente disse
várias vezes que não acreditava na vacina, muito menos na chinesa. Ele que diz
que vacina que serve, a que não serve".
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Esse posicionamento
do chefe do Executivo, na visão de Calheiros, faz com que a situação do Brasil
não possa ser comparada a de nenhum outro país. "Em nenhum outro lugar, um
chefe de Estado esteve publicamente falando esses absurdos para a
população", disse o senador.
Ainda ao falar que
o eventual uso da tese da "imunidade
de rebanho" pelo governo é investigado
"profundamente" pela CPI, Renan questionou a que "roteiro” serve
a tentativa de negar a pandemia e o "torpor contra o isolamento" e
vacinas. “Se vai haver impedimento do presidente, qual vai ser a consequência
da investigação, nós ainda não sabemos, não dá para predizer, mas o que posso
assegurar é que nós vamos fazer um reencontro do parlamento com a verdade”,
afirmou.
Na visão de Renan,
a "equivocada" falta de colaboração pelo governo na comissão vai
levar os trabalhos da CPI para cada vez mais perto das eleições de 2022. "Se observar o traço em comum dessa
investigação, é que os governistas não dizem nada. Na medida que dificulta o
trabalho, vai levar a conclusão, obviamente, da CPI para as proximidades da
eleição. Mas não é porque a CPI quer que aconteça, mas porque equivocadamente,
eles estão sem saber o que fazer. Governistas não dizem nada. Se esforçam para
não acrescentar nada", disse ele, que é aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
potencial adversário de Bolsonaro na próxima eleição presidencial.
Renan destacou
ainda que os trabalhos da comissão se dão numa circunstância
"completamente nova" e que já são públicos diversos fatos que
envolvem as apurações da CPI, como informações oficiais e execuções
orçamentárias do governo. Diante disso, avaliou Calheiros, cabe à gestão
Bolsonaro "negar" esses fatos demonstrando "exatamente o
contrário" do que a sociedade já intuiu sobre o enfrentamento à pandemia.
Caso não consiga, o governo "terá que ser responsabilizado sim".
"Muitas
informações já estão postas, publicadas, em Diário Oficial, em execução orçamentária.
Isso tudo já está posto, sem que o governo até agora tenha sequer uma
estratégia para negar esses fatos. Cabe ao governo exatamente negá-lo e
demonstrar exatamente o contrário do que a sociedade intui que aconteceu. Se o
governo não conseguir isso - se ele conseguir, ótimo, facilita nosso trabalho -
mas se não conseguir isso, paciência, nessa condição, ele terá que ser
responsabilizado sim", reforçou.
“E a percepção da
sociedade de que se o governo tivesse feito certo - e o governo tem na CPI uma
oportunidade para demonstrar que fez certo - se o governo tivesse feito tudo
certo, certamente também nós não teríamos tido que conviver com esse morticínio
todo, transformado o Brasil no cemitério do mundo. Isso é inconcebível, se
tiver responsabilidade de alguém por isso, vai ter que ser responsabilizado
sim, e responder por todos os crimes sejam quais forem, e sobretudo o de
responsabilidade, que é um mandamento constitucional", disse Renan, que
repetiu que apesar de "intimidações", nada fará o Legislativo
"recuar".
Pazuello usa Exército como 'biombo', diz Renan
Calheiros disse
também que o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello usa o Exército como "biombo"
para não depor à comissão e que, com isso, está criando um "crise"
nas Forças Armadas. Pazuello iria falar à CPI nesta semana, mas seu depoimento
foi adiado para 19 de maio, ao informar que teria tido contato com duas pessoas
infectadas com covid-19. Como revelou o Estadão/Broadcast, dois
dias após essa alegação, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM), foi flagrado
numa visita ao ex-ministro da Saúde.
"Porque
certamente ele não tem muito o que dizer. Temos respeito muito grande pelo
Exército. Não vamos investigar militares, esse não é nosso papel, eles não
precisam ter nenhum receio. Quem tem que continuar com receio são os aliados da
pandemia, do vírus, que vão ter de responder por tudo isso", disse
Calheiros durante o programa 'Prerrogativas', transmitido pela Rede TVT.
Calheiros reforçou
ainda que, neste momento inicial dos trabalhos da CPI, o ex-ministro irá falar
à comissão na condição de testemunha, e não como investigado. Ele lembrou que
investigados, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), teriam direito
a recorrer ao silêncio durante o depoimento.
"Na condição
de testemunha, ele vai ter que comparecer. Que o governo use melhor suas
energias para esclarecer esses fatos todos. E nós tivemos essa preocupação de
não ouvir ninguém nessa fase inicial da CPI como investigado, porque isso
ensejaria essas preocupações todas. De modo que queremos que ele compareça, ele
será interrogado como os outros foram e serão interrogados. Ainda como
testemunha. Todos que serão nessa primeira fase serão ouvidos como testemunha",
disse o relator.
Calheiros disse
também que o ministro da Justiça, Anderson
Torres, será chamado a depor, principalmente em razão das declarações dadas em entrevista à
revista Veja, na qual afirmou que iria pedir à Polícia
Federal para obter dados sobre a destinação de recursos federais contra a
covid-19 nos Estados. Para o relator, o que foi dito deveria ser
"impublicável" num Estado Democrático de Direito. "Admitir
utilizar a Polícia Federal como polícia política, isso não pode acontecer. E um
ministro da Justiça não deveria ousar tanto", disse o senador.
"Ameaças de
utilização política da Polícia Federal, que como vocês sabem é instituição
respeitável, não é fácil aparelhar politicamente uma PF, eu não acredito que
isso venha acontecer", afirmou Calheiros em outro momento, citando ainda
uma possível participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na
investigação de Estados e municípios.
"As conclusões
da CPI irão para o Ministério Público e para a Advocacia-Geral da União (AGU).
A última CPI que impediu um presidente da República conclui exatamente dessa
forma e, no dia seguinte, entidades como OAB entraram com impedimento no
Supremo Tribunal Federal, em função dos fatos que foram investigados na CPI.
Nós vamos definitivamente fazer nossa parte, haja o que houver. Não vamos
aceitar intimidação, utilização da Abin e da PF como polícia política",
disse Calheiros.
Filhos do presidente ainda não devem ser convidados a depor
Calheiros disse
também que "várias narrativas" que foram impostas à CPI já se
esvaziaram, como a de que os senadores iriam investigar os militares e buscariam
"ampliar o desgaste" do presidente e de sua família. Por isso, o
relator defendeu que, por enquanto, os filhos do presidente não sejam
convocados a depor. "Para evitar aquilo que eles tentam demonstrar todos
os dias, de que nós queremos desgastar a família. Não vamos colaborar com esses
argumentos, para chegar ao final com a insuspeição guardada", disse
Calheiros.
"Não vamos
fazer acareação do Mandetta com os filhos do presidente. Eu disse não, não
vamos fazer acareação do Mandetta com ninguém. Quem descredencia (o discurso do
ex-ministro) é o governo, então ele que proponha meios de negar a veracidade do
depoimento do ex-ministro", destacou ainda, reforçando novamente o que
achou do depoimento de Mandetta. "Ele confirmou muitas questões que
precisávamos ouvir, eles não fizeram segredo, enfatizaram que não tinham
autonomia, e por não terem autonomia, eles colaboraram de uma forma ou de outra
com o desmonte das políticas públicas no Brasil", disse o relator.
Primeiros depoimentos
Para o relator, os depoimentos prestados nesta semana pelos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, já são indicativos de que a CPI vai acarretar em algum tipo de consequência para o governo e para um reconhecimento pela população dos trabalhos da comissão.
Crítico da postura
dos aliados de Bolsonaro nos trabalhos da CPI - que têm por sua vez reclamado da
condução de Renan -, o relator afirmou que Queiroga
"visivelmente" investiu numa estratégia de não responder às perguntas
dos senadores objetivamente, e portanto, de não "falar a verdade". Em
depoimento na quinta-feira, 6, à comissão, o atual ministro da Saúde se esquivou
de declarar sua opinião sobre o uso da cloroquina em pacientes com covid,
apesar da insistência dos integrantes da CPI em saber da posição do médico, que
está no cargo desde março.
"Mas ele ainda
reconheceu a existência do grupo paralelo, constrangimento de algumas
oportunidades por ter sido desautorizado pelos discursos negacionistas de
Bolsonaro", observou Renan.
"(É) Um
morticínio agravado por práticas irresponsáveis, que apuradas gerarão
responsabilidades de algum ou alguns. Não tenho absolutamente nenhuma dúvida de
que nós vamos chegar no desfecho final. Sinceramente, não torço para incriminar
ninguém, responsabilizar ninguém, se o governo usasse melhor suas energias para
esclarecer os fatos, diferentemente do que está fazendo, seria melhor e facilitaria
o trabalho da CPI", opinou o relator.
Cloroquina
Ao falar da
necessidade de a CPI investigar se o tratamento precoce contra covid-19, com o
uso da cloroquina, foi transformado em política pública, Renan lembrou a
participação do Exército na produção do medicamento. "Se isso aconteceu,
pelo ministério ou não, com órgão paralelo ou não, seja lá por quem for, quem
fez isso vai ser responsabilizado". O relator quer saber neste episódio
"quem mandou" e "quem obedeceu".
"Estimularam a
produção dos medicamentos no Exército, instituição respeitável, quem foi que
mandou, quem obedeceu, como vamos responsabilizá-los. Vamos investigar",
disse. Como mostrou o Broadcast/Estadão, a CPI aprovou nesta semana
vários requerimentos de autoria de Renan que buscam reconstruir os passos do
governo Bolsonaro sobre o incentivo ao uso da cloroquina. Em um deles, ele
cobra do Comando do Exército dados como da origem dos pedidos de produção de
cloroquina durante 2020 e 2021 e da distribuição desses comprimidos.
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