Yahoo Notícias - Matheus Pichonelli
O presidente Jair
Bolsonaro durante solenidade no Planalto. Foto: Evaristo Sá/AFP via Getty
Images)
Até uma semana atrás, Jair Bolsonaro
era um presidente fraco, mas com algum controle da narrativa, e que corria
sozinho para uma reeleição relativamente tranquila. A principal razão era a
ausência de um adversário de peso.
Isso mudou com a reabilitação, ao
menos até aqui, do ex-presidente Lula na disputa. Tendo de volta os direitos
políticos, o petista se tornou automaticamente o candidato a candidato ao posto
anti-Bolsonaro, vaga antes ocupada por João Doria (PSDB) sem tanto sucesso e
com a oposição na lona.
Faltava ao governador paulista o que
sobra ao ex-presidente. A começar pelo consenso dentro do próprio partido e a
projeção nacional. Outro empecilho é o fato de o tucano estar emparedado entre
dois campos políticos bem definidos. Não teria vez com o eleitor identificado à
esquerda e já largaria em desvantagem no terreno onde Bolsonaro tem nadado de
braçada desde a Lava Jato —um campo à direita que engloba de liberais ainda
iludidos com os planos de Paulo Guedes a saudosos da ditadura, passando por
lava-jatistas que na hora H apertariam o nariz e sufragariam o capitão para não
ver Lula de volta ao poder.
Numa semana de reviravoltas, aliados
de Bolsonaro já anteviam uma disputa com o antípoda petista. Avaliavam os
pontos fracos e fortes do presidente em um eventual debate nas eleições de 2022.
À coluna Radar, da revista Veja,
auxiliares palacianos desenhavam como seria este embate. Bolsonaro, disseram,
precisaria mudar a postura. Lula fatalmente forçaria um confronto de gestão. E
Bolsonaro, eles admitiram, não governa, passa os dias no palácio contando piada
e não se preocupa em vestir o figurino de estadista. Isso tende a mudar, como
indica a recente conversão à defesa da vacina e o uso de máscara.
Em contrapartida, ele teria a seu
favor a memória recente da devassa provocada pela Lava Jato sobre os governos
petistas. Nesse campo, apostaram os auxiliares, o capitão ganharia de lavada,
mesmo sendo o cara que ajudou a desmontar a força-tarefa de Curitiba.
Tudo seria ainda reforçado com as
vitórias empilhadas na Justiça pela família para barrar o avanço das apurações
sobre as tais rachadinhas supostamente promovidas pelo filho Flávio Bolsonaro,
o 01, e o faz-tudo Fabrício Queiroz.
Nesta segunda-feira 15, porém, a
publicação de uma extensa reportagem do UOL, iniciada antes da anulação das
provas determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça, mudou de novo o desenho
da sucessão.
A reportagem, com base em dados
fornecidos pelo Ministério Público, mostrou que não só o esquema investigado
pode ser maior do que se sabia até então, como pode envolver outro filho e
bater às portas do gabinete onde Jair Bolsonaro era deputado nas três últimas
décadas. Entre as evidências estão o saque em dinheiro da maior parte do salário
por parte de assessores, o fato de a ex-mulher do atual presidente ter ficado
com R$ 54 mil da conta de uma assessora na Câmara e as pegadas de ex-chefe de
gabinete de Flávio Bolsonaro que pagava contas até do primo Léo Índio.
As revelações já movem as placas
tectônicas em Brasília, com partidos de oposição pedindo CPI e o Ministério
Público ganhando força para seguir com as apurações.
Slogan dos mais fervorosos
bolsonaristas, a placa “a boquinha acabou” parece não colar mais.
É fato que os atos investigados
envolvem a vida pregressa do clã Bolsonaro. A que os levou para dentro do
Planalto —no caso do hoje senador Flávio, pode ter levado também, conforme as
suspeitas, a adquirir uma mansão que jamais teria comprado com o salário de
parlamentar.
Isso pode ser usado por adversários
nos debates antes e durante a campanha presidencial. Como deve ser usada a
suspeita de que, sob Bolsonaro, a Polícia Federal foi domesticada por quem
avisou na reunião de 22 de abril que iria “interferir e pronto” na corporação.
Consumada, a mudança levou à demissão de Sergio Moro —com ele, parte do
discurso do combate à corrupção.
Vai ser preciso muito esforço do
gabinete do ódio e dos fabricantes de fake news para evitar a corrosão do
verniz no barco bolsonarista, vendido como feio e sujo, porém honesto, até lá.
Com o desastre na condução da
pandemia, os números pífios na economia e a incompatibilidade com o cargo, já
seria difícil, para Bolsonaro, ganhar ou recuperar terreno com quem mantém
alguma relação racional entre voto e visão das coisas. Com a pecha de que, em
termos de combate à corrupção e fim da mamata, ele não seria assim tão
diferente dos que sempre atacou, fica quase impossível.
O vácuo da eventual decepção com quem
tanto prometia e atacava pode criar terreno para novos adversários no campo
liberal-conservador. Se não for emparedado pelo STF, a possível desmoralização
do clã Bolsonaro poderia reabilitar até figuras como Sergio Moro. Ou aguçar as
pretensões de Luciano Huck. Talvez façam até João Doria rever a intenção conformada
de disputar a reeleição ao Planalto dos Bandeirantes e só.
Da figura que se elegeu em 2018
prometendo mudar tudo isso que está aí só ficou o mito.
E os fieis que ainda creem nele acima
de tudo e de todos podem não ser suficientes para garantir um lugar no segundo
turno se outra liderança souber gerenciar o espólio da decepção.
É certo, porém, que há muito o que acontecer até
2022. Inclusive os golpes mais sujos que ainda devem estar no forno. Ou alguém
pode esperar honestidade de quem já mentiu e jogou baixo antes para chegar onde
chegou?
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