ESTADÃO - Gabriela Biló, Camila Turtelli, Eduardo Gayer e Ricardo Galhardo
© Gabriela Biló/Estadão. O presidente Jair Bolsonaro visitou feira na Catedral de Brasília
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro disse neste domingo, 23, ter "vontade
de encher de porrada” um jornalista do jornal O Globo em
frente à Catedral Metropolitana de Brasília. A atitude gerou forte reação de
entidades em defendesa da liberdade de imprensa que cobraram uma ¨reação
contundente¨ dos poderes Legislativo e Judiciário.
Durante uma visita à feirinha de artesanato no local, ao descer do carro, Bolsonaro foi questionado pelo jornalista sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), feitos à primeira-dama Michelle Bolsonaro. “Vontade de encher tua boca de porrada”, respondeu Bolsonaro ao repórter. Jornalistas que acompanhavam a visita questionaram se a declaração era uma ameaça, mas o chefe do Executivo não respondeu mais e seguiu com a visita. Depois, voltou ao Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. O Palácio do Planalto foi questionado pelo Estadão sobre o teor da frase, mas respondeu que não iria comentar.
"É lamentável que, mais uma vez, o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista. Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição", afirmou o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.
Em nota, o jornal O
Globo repudiou a "agressão do presidente". "Tal
intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor
público, não importa o cargo, de prestar contas à população. Durante os
governos de todos os presidentes, O Globo não se furtou a
fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é
informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser
feitas, neste e em todos os governos.”
Continue lendo
"O presidente vinha muito
bem nas últimas semanas. Com sua moderação estava contribuindo para a
pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que
tanta apreensão causa nos democratas. Nossa solidariedade ao jornalista
ofendido e ao jornal O Globo", disse o presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz
Em nota divulgada no início da
noite a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19,
Conectas, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres Sem
Fronteiras disseram que a atitude de Bolsonaro é incompatível com as regras
mínimas de convivência social e própria das ditaduras. As entidadees cobraram
uma ¨reação contundente¨ dos poderes Legislativo e Judiciário a mais essa
agressão.
¨A reação, ao ouvir uma pergunta
incisiva, foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da
República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade
democrática. Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é
próprio de ditaduras, não de democracias¨, diz a nota.
As entidades lembram que
Bolsonaro deixou o local sem responder ao ser questionado se a declaração era
uma ameaça ao repórter do Globo e que a atitude deste domingo foi mais uma de
uma série de agressões do presidente à imprensa ao longo de sua carreira
política.
¨Essa ameaça de agressão física
se soma a um histórico de forte hostilidade de Bolsonaro contra jornalistas e
marca um novo patamar de brutalidade. Desde o início de seu mandato, em janeiro
de 2018, Jair Bolsonaro vem demonstrando carecer de preparo emocional para
prestar contas à sociedade por meio da imprensa, uma responsabilidade de todo mandatário
nas democracias saudáveis. Jornalistas têm sido vítimas de agressões verbais
constantes ao cumprir sua obrigação profissional de questionar o presidente
sobre ações do governo federal e indícios de corrupção ao longo de sua carreira
política¨, dizem as entidades.
A nota ressalta ainda que a
segurança dos profissionais que cobrem a presidência passou a ser uma
preocupação desde a posse de Bolsonaro e cita as agressões a repórteres que
cobriam as ¨saidinhas¨ do presidente no Palácio da Alvorada, entre outros
episódios de violência por parte dos apoiadores do presidente.
¨A questão da segurança do trabalho dos jornalistas que cobrem a Presidência da República sob Bolsonaro é uma preocupação recorrente. Em jun.2020, organizações da sociedade civil entraram com uma ação na justiça do Distrito Federal solicitando ao governo que garanta a segurança de jornalistas que cobrem a agenda presidencial - sobretudo os que ficam diante do Palácio do Alvorada e que vinham sendo atacados com frequência por apoiadores do presidente. As agressões levaram diversos veículos a interromper a cobertura diária na frente do palácio.
O discurso hostil e
intimidatório. de Bolsonaro contra a imprensa vem incentivando sua militância a
assediar jornalistas nas redes sociais nos últimos meses, inclusive com ameaças
de morte e agressões aos profissionais e a seus familiares¨, diz a nota. ¨As
organizações abaixo assinadas esperam sobretudo dos líderes dos Poderes
Legislativo e Judiciário uma reação contundente contra mais essa atitude violenta
e irresponsável¨.
Jornalistas se mobilizaram nas
redes sociais e publicaram centenas de mensagens ao presidente no Twitter
repetindo a pergunta feita pelo repórter de O Globo: ¨Presidente Jair
Bolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?¨
O deputado Alessandro Molon
(PSB-RJ) afirmou que Bolsonaro cometeu os crimes de injúria e ameaça ao
jornalista de O Globo e que praticou “crimes de responsabilidade, contra o
livre exercício de direitos individuais e contra a probidade na administração”.
“Em vez de tentar calar jornalistas com ofensas ou ameaças, Bolsonaro faria
melhor se tentasse explicar por que Queiroz depositou na conta da primeira dama
R$ 89 mil”, indagou o deputado fluminense. “Nós acrescentaremos estes crimes ao
pedido de impeachment já apresentado pelo PSB contra Bolsonaro. Sem liberdade
de imprensa, não há democracia”, disse Molon.
Movimentações do extrato bancário
de Márcia de Oliveira Aguiar, anexados à investigação sobre suposto esquema de
"rachadinha" no gabinete do senador Flávio Bolsonaro enquanto era
deputado estadual no Rio, registram que seis cheques da mulher do ex-assessor
Fabrício Queiroz foram compensados em favor da mulher do presidente Jair
Bolsonaro em 2011, totalizando R$ 17 mil. Somados aos depósitos feitos por
Fabrício tempos depois, o total chega a R$ 89 mil.
Parlamentares e partidos também criticam fala
O PSDB diz em nota que a fala do
presidente "desrespeita a liberdade de imprensa" e "não condiz
com o cargo". "O presidente volta a mostrar apreço por posturas
agressivas e antidemocráticas", publicou o perfil oficial do partido no Twitter.
O MDB, por sua vez, pediu respeito aos jornalistas. "O presidente da
República precisa se retratar", diz a legenda.
A deputada federal Sâmia Bomfim
(PSOL-SP) chamou a fala de "inaceitável". Sâmia avaliou que o aumento
da popularidade do presidente o encoraja a voltar a ativar sua base militante.
"Bolsonaro bem comportado é uma ilusão... durou pouco", declarou à
reportagem. Sâmia, hoje líder do PSOL na Câmara dos Deputados, diz que falas
como a de hoje "mostram a que o presidente veio".
Para a deputada federal Maria do
Rosário (PT-RS), parlamentar com um histórico de embates com o presidente, o
ataque ao jornalista é "gravíssimo". "Na democracia, tal atitude
não pode ser tolerada. Chega deste tensionamento diário. Fora Bolsonaro",
publicou Maria do Rosário no Twitter. O também petista Alencar Braga (SP)
chamou a atitude de "ira de mafioso".
Entre os senadores, Humberto
Costa (PT-PE) classificou o episódio como "absurdo". Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) disse que Bolsonaro tem medo. "O medo de responder é tão
grande que Bolsonaro quer silenciar quem o fiscaliza de toda forma... Ele vai
dizer o mesmo à justiça?", questionou o parlamentar, no Twitter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário