terça-feira, 11 de agosto de 2020

Privatização não é a solução para o sistema carcerário do Brasil, dizem especialistas

(Foto: Divulgação)
Luiz Anversa

Yahoo Notícias, 11 de agosto de 2020

 

Com quase 775 mil presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. 

O governo federal pretende fazer mudanças no setor. Segundo a secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia, Martha Seillier, a ideia é privatizar presídios e fazer com que os detentos trabalhem para cobrir seus custos.   

O modelo de privatização é adotado nos Estados Unidos, mas sofre críticas há alguns anos. Será que poderia dar certo no Brasil? 

Para Patrick Cacicedo, coordenador-chefe do Departamento de Sistema Prisional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o plano proposto pelo governo Bolsonaro é equivocado. "A privatização já é adotada em alguns Estados, avança em outros, em uma política equivocada que não será capaz de melhorar as condições de vida da massa carcerária e nem frear o processo de encarceramento em massa. Pelo contrário, trata-se de uma propaganda política comprovadamente ineficiente em experiências nacionais e internacionais", explica. 

Já Luis Flavio Sapori, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que o modelo mais adequado é a parceria público-privado. "Não me parece uma boa medida. Seria entregar a grupos empresariais de acordo com ganho econômico. Geralmente fica muito caro e oneroso para o Estado.  A empresa precisa ser remunerada de acordo com indicadores bem rígidos",  conta. 

Uma crítica que o sistema de privatização de cadeias sofre nos EUA é que as empresas podem ficar "estimuladas" a prender mais para cumprir metas e ganhar mais dinheiro.  

"A empresa que investe nesse setor quer, por óbvio, seu crescimento. Quer mais presos e menos custos para maximizar seus lucros. Com isso, investem em lobby junto aos Poderes da República por um controle penal ainda mais severo para que mais pessoas sejam presas e que suas penas sejam cada vez mais longas, pois com isso lucra mais. O corte de gastos na manutenção das prisões torna aquele ambiente ainda mais precário, como se verificou nos EUA, onde vários Estados começam a reverter esse processo e proibir as prisões privadas. O resultado lá foi trágico", explicou Patrick. 

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"Tem esse risco enorme. A empresa não pode definir a lotação do complexo prisional. A lucratividade da empresa não pode ser no número de presos. O modelo americano é perigoso e inadequado. O próprio governo americano tem repensado esse modelo. O Brasil precisa incentivar o modelo PPP, com controle de qualidade, fiscalização da sociedade civil, Ministério Público, entidades pastorais etc", opina Luis Flavio. 

O Brasil já tem algumas parcerias público-privadas nesse sentido. Num presídio em Santa Catarina, os detentos trabalham em empresas que estão dentro do complexo. As companhias pagam um salário mínimo (R$ 1.045) e 25% do valor fica para o Estado. Parte desse dinheiro é usado para reforma de unidades prisionais e o restante é do preso.

"A oferta de trabalho aos presos não depende da privatização dos presídios. Isso já é possível, sempre foi possível. Muitas empresas já exploram o trabalho prisional, que é mais barato, por sinal, pois, lamentavelmente, nossa lei não submete tal trabalho à CLT nem sequer à exigência de salário mínimo. De todo modo, o trabalho de presos junto a empresas privadas não depende da privatização do presídio em si, ela já é permitida", critica Cacicedo. 

Já Luis Flavio defende o modelo adotado em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. É uma divisão de tarefas entre as esferas dos poderes. "Lá, dois mil presos estão em regime fechado e semiaberto. O consórcio privado construiu o complexo com financiamento público. O Estado cuida apenas da parte externa. Os guardas internos, de responsabilidade privada, não andam armados. O diretor que cuida do presídio é nomeado pelo Estado. A empresa responde por itens como limpeza das salas, presos trabalhando etc. Bahia, Amazonas e São Paulo estão tentando fazer algo nesse sentido", analisa. 

A PPP que o governo federal pretende lançar no ano que vem prevê que a empresa responsável pelo presídio fique na gestão por 35 anos. "Esse prazo é absurdo. Sem sequer haver qualquer tipo de experiência, vincula-se uma política a um prazo enorme. Ainda mais uma política que tende ao fracasso, como se vê na experiência norte-americana. Lembra-se da barbárie em Pedrinhas no Maranhão? Dos recentes massacres em Manaus? São prisões geridas pela iniciativa privada, mas ninguém fala disso. Faz sentido esse tipo de política, ainda mais por 35 anos de cara?", critica Patrick. 

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