CRÍTICA DA ECONOMIA
Quase 30 milhões de
pessoas nos EUA não tiveram o suficiente para comer na semana passada. A fome
absoluta – chamada de “insegurança alimentar” nas estatísticas oficiais –
atingiu seu nível mais alto desde que o US Census Bureau começou a rastrear os
dados em maio deste ano, com quase 30 milhões de pessoas relatando que não
tinham o suficiente para comer em algum momento nos sete dias até 21 de julho.
Na pesquisa semanal
do órgão, o Household Pulse Survey, aproximadamente 23,9 milhões dos 249
milhões de entrevistados indicaram que “às vezes não têm o suficiente para
comer” na semana encerrada em 21 de julho, enquanto cerca de 5,42 milhões
indicaram que “frequentemente não têm o suficiente para comer”. A pesquisa, que
começou com a semana encerrada em 5 de maio, foi publicada nesta quarta-feira
(28).
O número de entrevistados que às vezes tinham comida insuficiente estava no ponto mais elevado das 12 semanas da pesquisa. O número de pessoas que muitas vezes experimentaram insuficiência alimentar estava no máximo desde a semana que terminou em 26 de maio. Esse quadro resulta, em primeiro lugar, das condições estruturais de crescente miséria absoluta (correspondente à mais-valia absoluta) nos EUA, depois de vários períodos de crise e de recuperação do capital nas últimas décadas na maior potencia econômica mundial.
Nos últimos dez anos,
no decorrer do último período de expansão global, ocorreu no interior do
território dos EUA e no das demais economias dominantes do mercado mundial uma
inacreditável multiplicação de espaços de produção de mais-valia absoluta como
forma de valorização do capital nacional. Uma “terceiro-mundialização” no
interior das metrópoles imperialistas.
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Um dos resíduos mais
importantes desta nova cena econômica no centro do sistema foi uma rápida
corrosão e desmantelamento da globalização que funcionava progressivamente
desde o final da Grande Guerra (1945) até a eclosão da última crise periódica
mundial (2008/2009). Isso muda completamente a ordem das coisas no interior das
economias nacionais e na geopolítica do imperialismo. Quase dez anos atrás, a
Crítica da Economia foi uma das primeiras a observar essas mudanças na ordem
mundial.
O fato, que pode ser
observado a olho nu por qualquer transeunte, é que as favelas e marginalidade
de grandes parcelas da população aparecem mais nitidamente do que nunca no
centro do sistema capitalista mundial. Fome e desemprego para a classe
trabalhadora, diminuição da produtividade econômica e alongamento por um período
maior da massa e da taxa geral de lucro no ciclo econômico.
Agora, são essas
condições estruturais de miséria absoluta que se aprofundam e se manifestam
mais claramente neste primeiro semestre de 2020 nos EUA. Na esteira da explosão
da mais profunda depressão dos últimos cem anos, que deixou instantaneamente
dezenas de milhões de novos trabalhadores desempregados no país. Miseráveis e
sem emprego.
Grande parte destes
trabalhadores desempregados nos EUA tem recebido nos últimos meses um benefício
extra de US $ 600 por semana. Mas essa ajuda para os pobres deve expirar no
final deste mês de julho. Enquanto isso, o Congresso, particularmente o Senado
dominado pelo partido republicano, ainda debate um novo pacote de ajuda. Uma
renovação da esmola oficial. Os republicanos de Trump resistem em renovar esta
ajuda. Ou, o que deve acabar ocorrendo, propõem uma diminuição brutal de dois
terços destes US$ 600.
Esta recusa dos
republicanos de pelo menos amenizar o explosivo problema social no seu país
ensejou uma histórica entrevista de Nancy Pelosi, presidente da Câmara de
Deputados dos EUA, no programa Face The Nation, CBS News, no último domingo
(26/07), à apresentadora Margaret Brennan. Destacamos algumas passagens desta
entrevista.
MARGARET BRENNAN: O
secretário do Tesouro disse nesta manhã que os republicanos apresentarão um
projeto na segunda-feira. Quando você espera começar a negociar?
NANCY PELOSI: Agora
eles estão dizendo segunda-feira. E então, eles vem só agora, quando estamos no
limite, quando as pessoas estão com fome em nosso país, crianças, milhões de
crianças, são crianças famintas. Muitas famílias que nunca pensaram que iriam a
um centro de distribuição gratuita de alimentos estão indo a essas
distribuições de alimentos. E precisamos de mais dinheiro para cupons de
alimentos e programas de nutrição de emergência. E eles estão resistindo a
isso. Estamos prontos há dois meses e 10 dias. Eu estive aqui o fim de semana
inteiro esperando que eles tivessem algo a nos dar. Eles prometeram esta
semana. Não vieram.
MARGARET BRENNAN:
Você permanecerá em sessão até que um acordo seja negociado?
NANCY PELOSI: Nós não
podemos ir para casa sem ele. É tão triste que as pessoas tenham essa incerteza
em suas vidas. Ao mesmo tempo, eles estão reforçando o mercado de ações. E isso
não é uma coisa ruim, mas enquanto temos trilhões de dólares do Fed, etc., para
reforçar o mercado de ações – vamos ter apenas uma limitada quantia de dinheiro
para fortalecer as famílias trabalhadoras da América.
MARGARET BRENNAN:
Bem, mas especificamente sobre o que acabou de expirar, esse aumento de US $
600 para o desemprego federal. Os republicanos e a Casa Branca estão dizendo
que querem continuar com algum dinheiro, mas o reduzem para cerca de 70% dos
salários anteriores. Isso é algo que você pode aceitar?
NANCY PELOSI: Bem,
deixe-me dizer o seguinte. O motivo de termos US $ 600 foi sua simplicidade. E
calculando 70% do salário de alguém. Nem todas as pessoas ganham salário.
Talvez eles façam. Eles ganham salários e, às vezes, variam. Então, por que não
simplificamos as coisas? Benefícios de desemprego e o aprimoramento, que é tão
essencial no momento e é muito importante para o povo americano.
MARGARET BRENNAN:
Certo, eu entendo a dificuldade, mas você aceitaria uma quantia fixa? Algo
inferior a US $ 600. Existe acordo aqui?
NANCY PELOSI: Teremos
nossa negociação, mas como podemos – essas são as mesmas pessoas que pagaram
imposto – a única coisa que conseguiram no governo Trump, a única coisa que
conseguiram foi uma redução de impostos para as pessoas mais ricas na América.
E eles se ressentem de US $ 600 para que as mães solteiras possam colocar
comida na mesa, para os pais manterem a dignidade de manter suas famílias
intactas e com o seguro-desemprego, com assistência para alugar, ter comida. Esta
é uma emergência que talvez eles não entendam. Eu não sei o que eles têm contra
famílias trabalhadoras na América…
Essa maneira com que
se estabelece atualmente o debate político no parlamento dos EUA reflete uma
rapidíssima agudização da luta de classes na vida real do país. E o mais
importante de tudo na atual situação: a continuidade da atual depressão
econômica nos próximos doze meses será absolutamente determinantes para o
desenrolar desta luta de classes e ingovernabilidade na maior potência econômica
e militar do planeta.
Outros dados de alta
frequência da situação econômica atual, incluindo o número de empregos no
Household Pulse, indicam que a forte recuperação econômica dos EUA que os
capitalistas e seus economistas esperavam para este 2º semestre de 2020 parece
estar abortando. E esse preocupante arrefecimento da recuperação do paciente,
ao contrário também do que eles imaginavam, não tem nada a ver com o misterioso
Covid19.
Aliás, nota-se nos
últimos dias que as pessoas mais inteligentes nas principais praças financeiras
globais começam a relativizar a fantasiosa determinação absoluta do Covid19 nos
rumos da atual depressão econômica. Timidamente, é verdade, começam a considerar
que mesmo com a eliminação da pandemia sanitária (com vacinas, etc.) eles não
possam mais evitar a livre expansão da pandemia do capital.
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