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© EPA. Santos continua a defender o processo de paz
que ajudou a criar, mas se diz preocupado
O ex-presidente da Colômbia e receptor do Prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, disse que é "uma loucura" como o Brasil, governado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), está conduzindo a pandemia do novo coronavírus. "É uma loucura. É uma liderança que em vez de estar ajudando a resolver o problema, está contribuindo para piorar o problema", disse durante entrevista exclusiva à BBC News Brasil.
Ele acha que os
presidentes da região deveriam chamar Bolsonaro "à sensatez".
Santos, visto como
de centro-direita no espectro ideológico, afirmou que esse quadro brasileiro
repercute no resto da região. "Nessa situação, o Brasil é um péssimo
exemplo na região. Uma política que está produzindo um fracasso total, uma
verdadeira tragédia para os brasileiros e para o mundo", disse, falando da
Colômbia.
Nesta entrevista à
BBC News Brasil, Santos, que foi jornalista, militar e ex-ministro da Defesa,
disse que a atitude do líder brasileiro ameaça as comunidades indígenas da
Amazônia de extinção. Leticia, do lado colombiano, na fronteira com o Brasil, é
o lugar mais afetado pelo coronavírus em seu país.
Quando perguntado
sobre a forte presença de militares no governo brasileiro, ele disse que não
tende a dar bons resultados. Santos falou ainda sobre os avanços e falhas do
Acordo de Paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc),
assinado quando era presidente e que foi o motivo para receber o Prêmio Nobel
da Paz.
Leia os principais
trechos da entrevista:
Continue lendo
BBC News Brasil - A América Latina é
a região mais desigual do planeta e agora está no foco da pandemia do novo
coronavírus. As economias da região, como as do Brasil e da Argentina, já
mostram queda acentuada. O que fazer?
Juan Manuel Santos - A região já não vinha crescendo economicamente, já
tinha uma série de problemas, antes da pandemia. A América Latina é a região
com um dos sistemas de saúde mais fracos e populações muito vulneráveis, como
as comunidades indígenas, os presidiários e os pobres que vivem em condições
muito precárias, além dos imigrantes, como os venezuelanos aqui na Colômbia.
São populações ainda mais vulneráveis à pandemia. Tudo isso se juntou. E piorou
com as políticas erradas dos líderes da América Latina. Dói dizer isso, mas o
Brasil não fez um trabalho positivo. E o México também não.
Não existe nenhum
tipo de liderança regional para fazer valer a região em nenhuma instância do
mundo. Estamos um pouco à deriva. É como um barco que não tem capitão, que está
no meio de uma tormenta e o que nós precisamos nesse momento são lideranças
efetivas. Mas, infelizmente, ninguém está fazendo isso.
BBC News Brasil - O senhor citou o
Brasil. O Brasil é o maior país da América Latina em termos de população e
econômicos e faz fronteira com a Colômbia. O presidente Bolsonaro disse que o
coronavírus era uma gripezinha. Hoje, o Brasil já tem mais de 50 mil mortos por
Covid-19. O que o senhor opina sobre esta política do presidente Bolsonaro?
Santos - Vou ser um pouco duro. É uma loucura. É uma loucura
o que está acontecendo no Brasil. É uma liderança que em vez de estar ajudando
a resolver o problema, está contribuindo para piorar o problema. E isso
repercute no resto da região porque o Brasil é um país muito grande. Então,
essa situação no Brasil é um péssimo exemplo da região. É uma política que está
produzindo um fracasso total, uma verdadeira tragédia para os brasileiros e
para o mundo.
BBC News Brasil - Na Colômbia, a
cidade de Leticia, que faz fronteira com o Brasil, era até poucos dias atrás a
mais afetada por coronavírus no país. O Brasil faz fronteira com dez países da
região. O Brasil virou uma ameaça nesta pandemia por não ter uma política
contra a Covid-19?
Santos - Sem dúvida. Nós estamos muito preocupados porque
essa região amazônica (onde está Leticia) não está apenas sofrendo pela
pandemia, mas as comunidades indígenas, que devemos preservar, porque são os
melhores guardiões de um ecossistema que é fundamental para o mundo, podem
desaparecer. Estão totalmente desprotegidas.
Essa falta de
política por parte do Brasil repercute imediatamente, como ocorre no caso
colombiano. Como você acaba de mencionar, uma das regiões com mais casos, e
contágios mais rápidos, e mais mortes é exatamente a região que faz fronteira
com o Brasil, na Amazônia. Por isso, a política do Brasil influencia o resto da
América Latina e a influencia que está tendo é muito negativa.
BBC News Brasil - Como Prêmio Nobel
da Paz, o senhor pensou ou pensa telefonar para o presidente Bolsonaro para uma
conversa, para falar sobre essa ameaça à região?
Santos - Olha, tomei como decisão de vida não intervir em
política, em assuntos internos de um país. Espero que outros o façam. Quem dera
meu presidente (Iván Duque) pudesse falar com Bolsonaro. Ou que outros
presidentes da América Latina pudessem falar com Bolsonaro para que ele 'entre
en razón' (tenha sensatez). Por isso, eu dizia que estamos vendo uma total
falta de liderança na América Latina. Mas são os presidentes, os chefes de
Estado atuais, e não os anteriores, aos quais corresponde realizar ações
concretas.
'Considerar uma
pandemia como uma gripezinha. Dar sinal para que ninguém exerça nenhuma
disciplina social, que ninguém acate as recomendações dos cientistas, dos
médicos, isso só agrava o problema. E vemos os resultados.'
BBC News Brasil - Quando o senhor fala em total falta de liderança, o senhor fala em relação a cada país ou uma liderança unificada na região? Pode explicar melhor?
Santos - Vou lhe dar um exemplo. Um dos problemas mais
graves que a América Latina tem e vai ter é o financiamento, porque nós não
temos a capacidade dos países desenvolvidos de fazer o que é necessário. Todos
os países da América Latina têm limitações fiscais e estamos com necessidades
cada vez maiores de financiamento. No entanto, em nenhuma instância, na
arquitetura financeira mundial, a América Latina está levando uma voz concreta.
Não está fazendo nenhuma proposta. Pior ainda, estão nos tirando, neste
momento...
BBC News Brasil - A presidência do
BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)...
Santos - A única representação importante, exato, que era a
presidência do BID. E isso com o apoio dos presidentes da América Latina. Isso
não entra na minha cabeça. Acho totalmente contraproducente. É a única
instância que temos para pelo menos sermos ouvidos nas discussões internacionais
sobre financiamento, sobre a economia.
BBC News Brasil - O Brasil tinha um
pré-candidato e a Argentina também. E o atual presidente do BID é o colombiano
Luis Alberto Moreno. O Brasil (o chanceler Ernesto Araújo) disse que viu
"positivamente" a indicação feita pelos Estados Unidos. Outros países
da região também apoiaram o nome do indicado dos EUA.
Santos - Eu não sei o que podem ver de positivo que nos
tirem algo que tínhamos há 60 anos. Houve um acordo tácito, quando o BID foi
criado, que o BID seria localizado em Washington, mas que a presidência do BID
sempre seria de um latino-americano. E o senhor Trump rompeu com essa tradição
e quer impor um candidato que, além de tudo, tinha sido vetado pelo atual
presidente do BID para a vice-presidência. Então, estamos, nesse sentido, numa
situação muito ruim.
BBC News Brasil - Na sua opinião
existe um novo xadrez politico na região? Por exemplo, a Unasul deu lugar ao
Prosul, o Brasil saiu da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos). São
vários movimentos. O senhor acha que isso também está ligado à postura do
Brasil, que parece ser muito próximo dos Estados Unidos, ou melhor, de Trump?
Santos - Existem vários fenômenos. O México tem um
presidente (López Obrador) que não quer saber nada de assuntos internacionais.
Do Brasil, já sabemos a postura. São dois países que, tradicionalmente,
deveriam exercer alguma forma de liderança na região. A falta desses dois
países complica. Existem outros países que não atuaram e não houve coordenação.
O que está acontecendo
no BID é um dos vários exemplos. Está se destruindo a pouca institucionalidade
regional que existia. E isso é muito ruim. Espero que isso gere uma reação e
que todos possamos entender que somente colaborando entre nós, dialogando,
cooperando entre nós, vamos poder sair adiante nessa pandemia. Existe uma frase
que diz que ninguém está salvo até que todo o mundo esteja salvo. Se não
entendemos isso, vamos ter problemas muito sérios. E a América Latina unida é
uma grande força. Mas precisamos que os atuais líderes entendam isso e
trabalhem para unir-se. Não que cada um trabalhe para seus próprios interesses
políticos porque isso enfraquece a região. E enfraquece cada país.
BBC News Brasil - Na prática, cada
país fechou suas próprias fronteiras, nessa pandemia, e aplicou medidas que
foram as mesmas da China, como a quarentena. Mas não há dialogo entre os
presidentes para uma política comum. Essa semana haverá reunião virtual do
Mercosul, mas Bolsonaro e o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, não se
falam. O que está acontecendo?
Santos - O fenômeno Trump influenciou muito o resto do
mundo. Trump buscou enfraquecer o multilateralismo, enfraquecer as organizações
internacionais, as Nações Unidas, a Organização Mundial de Comércio, e isso
repercute nas regiões. E de certa forma o que aconteceu na América Latina, por
problemas políticos como divisões em torno da Venezuela e outros problemas
específicos, foi que em vez de diálogo para encontrar um denominador comum, os
países decidiram assumir uma posição de isolamento. E isso no longo prazo é
muito negativo.
BBC News Brasil - No Brasil, são mais
de 50 mil mortos por coronavírus; na Colômbia e na Argentina, relativamente, há
menos mortes; Uruguai, Paraguai estão numa situação melhor, mas, apesar de
estar melhorando, ela é grave no Peru. O que se pode fazer? Hoje (terça-feira,
30), por exemplo, o ministro interino da Saúde do Brasil, Eduardo Pazuello,
participou de uma cerimônia no Palácio do Planalto sem máscara. E o presidente
Bolsonaro também aparece sem máscara. Como o senhor vê essa situação?
Santos - Muito mal. Inclusive, meu país, Colômbia, que ainda
tem alguns bons indicadores, tem tendência muito ruim. No Chile e no Peru, que
começaram bem, com disciplina, a situação foi sendo deteriorada porque as medidas
não foram complementadas com medidas necessárias, como o distanciamento social
e o uso de máscaras. O isolamento não serve, se temos ferramentas e não as
usamos.
Estamos vendo que a
América Latina tem problemas sérios. Talvez com algumas exceções, como Uruguai
e Costa Rica, mas o restante dos países está com problemas. No caso colombiano,
a tendência é de alta (de casos). Por isso, a liderança e a coordenação são
importantes. E bons exemplos. O que você disse sobre o ministro da Saúde do
Brasil é um mau exemplo. Está acontecendo também nos Estados Unidos, com Trump.
E isso também é mau exemplo.
BBC News Brasil - Mas Bolsonaro e
outros presidentes defendem que a economia funcione. Na Colômbia, por exemplo,
o desemprego em maio foi acima de 20%. No Brasil, a recessão foi agravada.
Paralisar a economia não é pior?
Santos - Existe um dilema muito complicado. Qual é o
equilíbrio conveniente entre economia e saúde? Ninguém tem a fórmula perfeita.
Mas pelo menos é possível tentar enviar mensagens que gerem confiança na
população. É o que as autoridades deveriam fazer.
Acho que um dos
motivos do sucesso no Uruguai é a confiança que os uruguaios têm em relação ao
que seus governos, o nacional e os locais, estão dizendo na pandemia. Quando
existe confiança (nos governantes) as pessoas têm maior disciplina. Estão mais
inclinadas a fazer o correto. Quando a confiança não existe, impera a
indisciplina e é o que estamos vendo aqui no meu país, no Brasil, no México, no
Chile, no Peru. Estamos vendo uma grande indisciplina e sem disciplina por
parte da população, vai ser difícil combater a pandemia.
BBC News Brasil - Existe um novo
populismo na região?
Santos - Isso já existia. Bolsonaro é um populista de
direita. O presidente do México, de esquerda. E sem contar a Venezuela. Isso
não é pela pandemia. Mas espero que a pandemia acabe levando a cidadania a
valorizar cada vez mais a ciência. E que o populismo perca força.
BBC News Brasil - O senhor com outros
ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, Ricardo Lagos, do
Chile, e Ernesto Zedillo, do México, assinaram um documento público dizendo que
alguns líderes atuam bem na pandemia e outros não. Defenderam a ciência e que o
FMI esteja mais presente, com mais recursos para a região. Esse documento tem
mais de um mês. Mudou alguma coisa após esse pedido?
Santos - A relevância desse documento está mantida. E
voltaria a assiná-lo. O Fundo Monetário Internacional precisa dar mais recursos
à região. Precisamos ser criativos, de inovações que geram mais recursos
financeiros para enfrentar a catástrofe econômica na região.
BBC News Brasil - Como o senhor
disse, a região já vinha mal em termos econômicos e sociais quando surgiu a
pandemia. Então, o que esperar depois da pandemia?
Santos - As Nações Unidas estimam que vamos retroceder 30
anos. O Banco Mundial diz que vamos retroceder 20 anos, que voltaremos a ter os
índices de pobreza que tínhamos no começo do século e que vamos ter um
desemprego alto durante muito tempo.
Mas ao mesmo tempo
a pandemia deu visibilidade aos problemas graves que temos de desigualdade, de
falta de produtividade, de pobreza, de vulnerabilidades. Mas podemos aproveitar
a pandemia para reconstruir nossos países com melhores políticas, ou seja,
políticas sociais justas e verdes. Precisamos de mais justiça social e
precisamos ser muito mais conscientes de combater as mudanças climáticas porque
essa pandemia é uma pequena situação diante da tragédia das mudanças
climáticas, se não atuamos com maior determinação para deter as mudanças
climáticas.
BBC News Brasil - Como?
Santos - Por exemplo, em vez de retroceder ao uso de energia
poluentes, fósseis, como está acontecendo, estimular a economia, poder
aproveitar para estimular a criação de energias renováveis. Políticas que
tenham como finalidade a sustentabilidade ambiental. Este é o momento para
isso.
BBC News Brasil - Voltando à política
brasileira, existe preocupação em alguns setores com os rumos da democracia
desde que Bolsonaro participou de um ato com manifestantes que pediam a
intervenção no Supremo Tribunal Federal. Na sua visão, a democracia brasileira
corre riscos?
Santos - O que vejo é uma tendência no mundo todo de usar a
pandemia para que os governos saiam fortalecidos, mas com o custo de afetar a
divisão de poderes, enfraquecendo os Supremos e até o Congresso. Isso é o
contrário do que defende qualquer democrata. Acho que é preciso estar atento. E
isso está acontecendo não só na América Latina, mas em vários lugares do mundo
todo. Os governos gostam de ter todo o poder, ter controle de tudo e isso pode
virar um costume. Claro que sabemos que existem situações excepcionais em
função da pandemia e o governo precisa de mecanismos para atuar. Mas isso não
pode ser uma regra e sim uma exceção.
BBC News Brasil - O governo
brasileiro conta com forte participação de militares. Bolsonaro tem um discurso
de que a ditadura militar não foi negativa para o país. Qual a sua opinião?
Santos - Como democrata, não gostei nunca que militares
respondam pelos governos. Os militares - e eu fui militar - devem cumprir com
seu mandato constitucional. E não virar um co-governo. O governo deve estar nas
mãos dos civis. A essência da democracia exige que os militares cumpram seu
dever e não interfiram na administração dos assuntos públicos porque essa
fórmula, geralmente, gera consequências negativas.
BBC News Brasil - O senhor assinou o
acordo de paz com as Farc em 2016. Como vê o acordo hoje? Existem notícias de
que as células das Farc continuam atuando no interior da Colômbia. Não está
preocupado com essa situação?
Santos - Estou preocupado, mas ao mesmo tempo tranquilo. O
Acordo de Paz foi blindado juridicamente pela Corte Constitucional. Nenhum
governo, ou os próximos três governos, pode aprovar leis ou decretos que
contrariem o cumprimento dos acordos. O que sim me preocupa é que esse governo
(presidente Iván Duque) foi muito lento em organizar o cumprimento dos acordos.
Também me preocupa que certos líderes sociais estejam sendo assassinados em
algumas regiões como resultado do acordo. Camponeses que perderam a terra pela
violência ou líderes que estão estimulando a substituição dos cultivos ilícitos
(folha de coca). Sei que ainda temos muitos problemas, mas vejo com satisfação
e otimismo que a grande maioria dos integrantes das Farc, que se desmobilizou e
se desarmou, continua atendendo ao processo de paz e se incorporando à vida
civil. As Farc são hoje um partido político com representação no Congresso.
BBC News Brasil - Mas o senhor acha
que chegará o dia em que, além de representação no Congresso, os integrantes
das Farc terão empregos dignos e serão mais bem aceitos pela sociedade
colombiana?
Santos - Acho que estão sendo cada vez mais aceitos. E
existem ex-combatentes que estão trabalhando em empresas normais. E as pessoas
cada vez mais os aceitam como uma parte fundamental da nossa vida social e
política.
BBC News Brasil - Há poucos dias, um
brasileiro e seu namorado suíço foram sequestrados no interior da Colômbia. Foi
notícia no Brasil. A Colômbia ainda não é um país seguro para o turismo?
Santos - É um país muito mais seguro do que era. Antes, a
metade do país era 'zona vermelha' (perigoso). Mas ainda temos problemas.
Existem lugares onde as quadrilhas de criminosos, estas dissidências das Farc
que estão dedicadas ao narcotráfico, operam. Ainda temos problemas. Mas somos
um país diferente daquele que tínhamos há alguns anos porque não podemos
comparar o que era a Colômbia há seis ou sete anos com o que o país é hoje. Mas
não ignoramos que ainda temos problemas.
BBC News Brasil - O que mudou na sua
vida ser Prêmio Nobel da Paz? Mudou alguma coisa?
Santos - Sim. Me fez estar mais comprometido a continuar
ajudando as causas importantes ligadas ao que tem a ver com viver em um mundo
mais pacífico. Para mim abriu uma janela, como disseram os indígenas, para
entender que a paz não se faz somente entre seres humanos, mas que a paz também
deve ser com a natureza. E nós vínhamos, de certa forma, destruindo a natureza.
E se queremos paz entre seres humanos, temos que ter paz com a natureza. E
estou me dedicando a isso, a promover a paz entre seres humanos e a promover a
paz com a natureza.
BBC News Brasil - Onde o senhor está
nesse momento? Há muito barulho de pássaros.
Santos - A Colômbia é o país com maior diversidade de
pássaros do mundo. E estou em uma zona que está a uns 70 quilômetros de Bogotá.
É uma zona onde há muitos e muitos pássaros.
BBC News Brasil - No final do ano
passado foram realizados fortes protestos no Chile, na Colômbia, no Equador e
em outros lugares da América Latina. Sua percepção é que eles estão adormecidos
pela pandemia, mas voltarão? Ou não?
Santos - Voltarão, com certeza. A desigualdade social será
um denominador comum dos protestos. Vamos ver mais desigualdade, mais
desemprego, mais pequenos empresários quebrados. E em países como o meu, até os
mais velhos, confinados na marra, também saem para protestar. Então, acho que
os protestos estão congelados, mas quando a pandemia passar, serão retomados.
Mas é quando os governantes teriam a oportunidade de ouvir a voz dos
manifestantes, dos indignados e canalizar essa indignação para políticas melhores,
mais justas, mais verdes. Parte desses protestos são os ambientalistas que
viram como os países não se comprometem de verdade com os compromissos como o
Acordo de Paris. Eu sou otimista nato e acho que essa combinação, se tivermos
uma boa liderança, pode canalizar para a criação de nova economia e politicas
que corrijam os problemas que existem há 200 anos na América Latina.
'O fenômeno Trump
influenciou muito o resto do mundo. Trump buscou enfraquecer o
multilateralismo, enfraquecer as organizações internacionais, as Nações Unidas,
a Organização Mundial de Comércio, e isso repercute nas regiões'
BBC News Brasil - Podem ocorrer
mudanças geopolíticas se o presidente Trump ganhar ou perder a eleição em
novembro?
Santos - Essa eleição é muito importante para a América
Latina. Se o senhor Trump seguir na Presidência, vamos continuar vendo uma
política de total desconhecimento em relação à América Latina. Uma política
improvisada que não nos deu nenhum benefício. Acho que o candidato democrata
(Joe Biden) conhece a região e trabalhou pela América Latina, gosta e admira a
nossa região. A relação entre Estados Unidos e América Latina melhoraria muito
com uma mudança de governo nos Estados Unidos.
BBC News Brasil - Como o senhor vê a
situação da Venezuela hoje? Não há previsão de novas eleições (presidenciais
com maior participação da oposição) e o opositor Juan Guaido, que contou com apoio
de vários países, parece ter perdido forças.
Santos - Acho que nesse momento está tudo parado. Continuo
insistindo que a única solução e a mais favorável que temos na América Latina
e, principalmente na Colômbia que é o mais prejudicado com a situação venezuelana,
e não por causa dos venezuelanos, óbvio, é uma solução negociada, pacífica,
onde devem estar presentes os jogadores determinantes. São eles Rússia, China,
Cuba, Estados Unidos e América Latina. Essa tem que ser a solução e nunca é
tarde.
BBC News Brasil - O senhor disse no
início da entrevista que acha uma loucura como o presidente brasileiro está
lidando com a situação da pandemia. Por quê?
Santos - Considerar uma pandemia como uma gripezinha. Dar
sinal para que ninguém exerça nenhuma disciplina social, que ninguém acate as
recomendações dos cientistas, dos médicos e isso só agrava o problema. E agora
vemos os resultados.
BBC News Brasil - As pessoas tendem a
seguir a seu líder?
Santos - Sim, claro. Os líderes devem dar exemplos. Os
líderes têm responsabilidades com sua população. O que vemos hoje no Brasil e
nos Estados Unidos são líderes que dão maus exemplos.
BBC News Brasil - Como Prêmio Nobel
da Paz, se tivesse que mandar alguma mensagem ao Brasil, qual seria?
Santos - O Brasil é um país maravilhoso, com grande futuro.
A América Latina sempre foi a região do futuro. Mas acontece que não permitimos
que esse futuro chegue. Mas tomara que essa pandemia nos faça acordar. E nos
mostre que podemos mudar certas políticas para que este futuro vire o presente.
O Brasil e a América Latina temos tudo o que o mundo precisa. Temos
biodiversidade, temos água, temos energia, temos uma população engajada e
também os melhores jogadores de futebol.
EM TEMPO: Uma das pendências da Colômbia é que o presidente Ivan Duque, aliado de Trump, não está cumprimindo o Acordo de Ppaz, o qual foi negociado no governo do ex-presidente Juan Manuel Santos, com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)
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