domingo, 5 de julho de 2020

Breque dos APPs: uma greve histórica dos entregadores de aplicativos

Edmilson Costa – Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos realizaram uma greve histórica, com manifestações em praticamente todas as capitais e grandes cidades do País, envolvendo milhares de pessoas. Essa é a primeira vez que um movimento dessa ordem e com essa dimensão ocorre no Brasil. Foi uma greve diferente e um movimento espontâneo da categoria, convocado a partir das redes sociais e do boca a boca. 

As greves clássicas são convocadas por sindicatos ou por trabalhadores organizados nos locais de trabalho, mas essa greve do dia 1º de julho foi inédita porque envolveu uma categoria nova, fruto da precarização do trabalho a partir das plataformas digitais, e realizada a partir da reapropriação pelos trabalhadores das próprias redes digitais. Em outros termos, a dialética da relação capital-trabalho ou da luta de classes colocando em movimento quem está disposto a lutar.

Foi uma greve efetivamente nacional. Em São Paulo, desde bem cedo, trabalhadores e trabalhadoras já estavam concentrados/as na Zona Sul ou em frente a shopping centers, supermercados e grandes cadeias de distribuição. No início da tarde realizaram uma grande manifestação e um buzinaço pela rua da Consolação e Avenida Paulista, que contou com a presença de milhares de entregadores com suas motos e bikes, num clima tranquilo, mas com muita disposição de luta. No Rio de Janeiro, também foi realizada uma grande manifestação com motos e bicicletas até a Delegacia Regional do Trabalho. Em Brasília, os manifestantes fizeram um grande buzinaço e se concentraram em frente ao Congresso Nacional. Em Belo Horizonte a manifestação foi no centro da cidade, bem como em Recife, Salvador, Aracaju, Porto alegre, Rio Branco, Teresina, Maceió, Recife, além de outras grandes cidades do País.

Ou seja, trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos demonstraram pedagogicamente que, mesmo nas condições mais adversas, a subjetividade de pertencimento à classe dos explorados fala mais alto que qualquer das dificuldades e se tornaram um exemplo significativo para as outras categorias da classe trabalhadora, dando um recado principalmente para as velhas centrais sindicais brasileiras, que vivem encontrando desculpa para não lutar. 

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Ora, se uma categoria dispersa, sem nenhum direito, sem tradição de organização e de luta, e que pode ser desligada do trabalho com um simples apertar de botão digital, consegue fazer uma greve nacional como a que vimos hoje, por que essas centrais sindicais, que reúnem milhares de sindicatos e vários milhões de trabalhadores não podem também convocar uma greve nacional? Somente a acomodação, o burocratismo e o peleguismo podem explicar tamanha letargia.

A greve nacional ocorreu em função das precárias condições em que esses trabalhadores desempenham suas atividades. São forçados a trabalhar 10/12 horas por dia, ganhando por entrega, que em muitas vezes não chega a um real por corrida. Não têm vale refeição para café, lanche ou almoço e não têm opção a não ser comer suas marmitas sentados nas calçadas. São obrigados ainda a alugar os equipamentos de trabalho (moto ou bicicleta) e agora, em plena pandemia, não recebem máscaras, álcool em gel ou qualquer equipamento de proteção individual, o que os expõem permanentemente à doença, fato que já atingiu muitos destes trabalhadores.

Os entregadores criticam a intransigência e o arbítrio das empresas, que fixam metas absurdas de entregas, as quais põem em risco as suas vidas, fazem um sistema de pontuação para chantageá-los e bloqueiam quem não se enquadra nas metas ou busca organizar a categoria. Os entregadores não têm nenhum dos direitos trabalhistas da CLT, a grande maioria ganha pouco mais que o salário mínimo, geralmente trabalham de domingo a domingo. Ou seja, operam em situação análoga aos operários do século XIX, que tinham jornada de trabalho de até 16 horas e comiam no pé da máquina.

No caso das trabalhadoras, essa situação é ainda mais grave porque têm que acordar ainda mais cedo, geralmente às cinco horas da manhã, para preparar café e comida para as crianças e quando chegam em casa à noite ainda têm que cuidar dos filhos, dar banho, colocar para dormir e fazer janta e a marmita para o dia seguinte. Dormem pouco e no outro dia já devem estar novamente no batente. Além de tudo isso, têm que suportar diariamente o machismo no trânsito.

Vale lembrar ainda que essas empresas de aplicativos exploram também os pequenos proprietários de bares, restaurantes e pequenos negócios. Elas cobram entre 15% e 35% dos comerciantes e realizam todo tipo pressão para que parte desse percentual não seja repassada para o consumidor. Têm uma política de descontos que é bancada pelos pequenos proprietários. Nesse momento de pandemia, os pequenos proprietários se tornam muito dependentes dessas empresas, aí então os oligopólios digitais vão aumentando as exigências e os comerciantes que não concordam são desligados, o que significa a falência. As empresas de aplicativos exploram nas duas pontas: os trabalhadores e os donos dos pequenos negócios.

Por todas essas questões, os trabalhadores e as trabalhadoras em aplicativos resolveram dar um basta e fazer a greve nacional como forma não só de pressionar as empresas pelos direitos que os outros trabalhadores já possuem, mas também por uma série de reivindicações específicas, tais como aumento das taxas por entrega, aumento por quilometragem rodada, fim do sistema de pontuação, fim dos bloqueios indevidos, seguro de vida, seguro acidente e equipamentos de proteção individual, além de vale para café, almoço e lanche. Ou como diz um deles: ”É terrível carregar comida para os outros com a barriga vazia”.

Enquanto os trabalhadores enfrentam essa situação desesperadora, os donos das empresas de aplicativos como iFood, Rappi, Uber Eats, James, entre outros, estão ganhando rios de dinheiro às custas de um trabalho extremamente precário e desumano. Esses patrões escravocratas, fantasiados de executivos moderninhos das tecnologias da informação, ainda buscam mascarar a superexploração com contos de fada, afirmando que os entregadores são empreendedores e donos do seu próprio negócio, parceiros ou colaboradores. Trata-se de uma picaretagem linguística típica dessa fase agressiva do neoliberalismo para esconder a superexploração e precarização dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Essa greve histórica teve um papel fundamental, pois aumentou a moral dos entregadores, fortaleceu o espírito de união e, especialmente, revelou para a sociedade a brutalidade com que essas empresas moderninhas tratam os trabalhadores em pleno século XXI. Mas essas empresas estão também provando do próprio veneno tecnológico: há uma corrente de dezenas de milhares pessoas negativando ou dando nota baixa, no próprio portal dos APPs, a esse comportamento medieval dos patrões e deixando duras mensagens contrárias às péssimas condições de trabalho, além do fato de que a campanha para que a sociedade não realizasse pedido durante a greve deve ter dado um enorme prejuízo a essas firmas. A imagem de tais empresas sai bastante arranhada desse episódio.

Vale lembrar ainda um fato importante desse processo: se as empresas têm força para impor um trabalho tão precário aos entregadores, a sociedade agora ganhou força para exercer uma solidariedade ativa com os trabalhadores, tanto no que se refere aos protestos digitais, quanto ter a possibilidade de escolher quem mais respeitar os direitos da categoria, podendo impor prejuízos aos cofres dos patrões. Ou seja, ampliou-se o leque da luta, pois agora os trabalhadores têm a possibilidade de ganhar uma solidariedade objetiva para a sua luta.

Outro dado importante dessa paralisação de novo tipo é o fato de que, por ser uma categoria nova, o movimento foi espontâneo, fruto da revolta contra as más condições de trabalho e remuneração. Mas a luta forja novas lideranças, unifica reivindicações, coloca em movimento a classe. Tanto que agora os entregadores já estão discutindo fórmulas para se organizar melhor, tanto num Fórum, onde debaterão os principais problemas da categoria e as pautas de reivindicações, quanto em outras formas de organização, como grandes cooperativas ou sindicatos nacionais. Afinal, os entregadores de aplicativos despertaram para a luta!

A Unidade Classista, a União da Juventude Comunista e os Coletivos Feminista Classista Ana Montenegro, Minervino de Oliveira e LGBT Comunista estiveram presentes em pontos de concentração dos entregadores em várias capitais e cidades do Brasil, prestando sua solidariedade ativa. O canal no youtube do Jornal Poder Popular fez transmissão ao vivo das manifestações, com repórteres em várias capitais, além de comentaristas analisando o significado dessa greve histórica.


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