Edmilson Costa – Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos realizaram uma greve histórica, com manifestações em praticamente todas as capitais e grandes cidades do País, envolvendo milhares de pessoas. Essa é a primeira vez que um movimento dessa ordem e com essa dimensão ocorre no Brasil. Foi uma greve diferente e um movimento espontâneo da categoria, convocado a partir das redes sociais e do boca a boca.
As greves clássicas são convocadas por sindicatos ou por trabalhadores
organizados nos locais de trabalho, mas essa greve do dia 1º de julho foi
inédita porque envolveu uma categoria nova, fruto da precarização do trabalho a
partir das plataformas digitais, e realizada a partir da reapropriação pelos
trabalhadores das próprias redes digitais. Em outros termos, a dialética da
relação capital-trabalho ou da luta de classes colocando em movimento quem está
disposto a lutar.
Foi uma greve
efetivamente nacional. Em São Paulo, desde bem cedo, trabalhadores e
trabalhadoras já estavam concentrados/as na Zona Sul ou em frente a shopping
centers, supermercados e grandes cadeias de distribuição. No início da tarde
realizaram uma grande manifestação e um buzinaço pela rua da Consolação e
Avenida Paulista, que contou com a presença de milhares de entregadores com
suas motos e bikes, num clima tranquilo, mas com muita disposição de luta. No
Rio de Janeiro, também foi realizada uma grande manifestação com motos e
bicicletas até a Delegacia Regional do Trabalho. Em Brasília, os manifestantes
fizeram um grande buzinaço e se concentraram em frente ao Congresso Nacional.
Em Belo Horizonte a manifestação foi no centro da cidade, bem como em Recife,
Salvador, Aracaju, Porto alegre, Rio Branco, Teresina, Maceió, Recife, além de
outras grandes cidades do País.
Ou seja, trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos demonstraram pedagogicamente que, mesmo nas condições mais adversas, a subjetividade de pertencimento à classe dos explorados fala mais alto que qualquer das dificuldades e se tornaram um exemplo significativo para as outras categorias da classe trabalhadora, dando um recado principalmente para as velhas centrais sindicais brasileiras, que vivem encontrando desculpa para não lutar.
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Ora, se uma categoria dispersa, sem
nenhum direito, sem tradição de organização e de luta, e que pode ser desligada
do trabalho com um simples apertar de botão digital, consegue fazer uma greve
nacional como a que vimos hoje, por que essas centrais sindicais, que reúnem
milhares de sindicatos e vários milhões de trabalhadores não podem também
convocar uma greve nacional? Somente a acomodação, o burocratismo e o
peleguismo podem explicar tamanha letargia.
A greve nacional
ocorreu em função das precárias condições em que esses trabalhadores
desempenham suas atividades. São forçados a trabalhar 10/12 horas por dia,
ganhando por entrega, que em muitas vezes não chega a um real por corrida. Não
têm vale refeição para café, lanche ou almoço e não têm opção a não ser comer
suas marmitas sentados nas calçadas. São obrigados ainda a alugar os
equipamentos de trabalho (moto ou bicicleta) e agora, em plena pandemia, não
recebem máscaras, álcool em gel ou qualquer equipamento de proteção individual,
o que os expõem permanentemente à doença, fato que já atingiu muitos destes
trabalhadores.
Os entregadores
criticam a intransigência e o arbítrio das empresas, que fixam metas absurdas
de entregas, as quais põem em risco as suas vidas, fazem um sistema de
pontuação para chantageá-los e bloqueiam quem não se enquadra nas metas ou
busca organizar a categoria. Os entregadores não têm nenhum dos direitos
trabalhistas da CLT, a grande maioria ganha pouco mais que o salário mínimo,
geralmente trabalham de domingo a domingo. Ou seja, operam em situação análoga
aos operários do século XIX, que tinham jornada de trabalho de até 16 horas e
comiam no pé da máquina.
No caso das
trabalhadoras, essa situação é ainda mais grave porque têm que acordar ainda
mais cedo, geralmente às cinco horas da manhã, para preparar café e comida para
as crianças e quando chegam em casa à noite ainda têm que cuidar dos filhos,
dar banho, colocar para dormir e fazer janta e a marmita para o dia seguinte.
Dormem pouco e no outro dia já devem estar novamente no batente. Além de tudo
isso, têm que suportar diariamente o machismo no trânsito.
Vale lembrar ainda
que essas empresas de aplicativos exploram também os pequenos proprietários de
bares, restaurantes e pequenos negócios. Elas cobram entre 15% e 35% dos
comerciantes e realizam todo tipo pressão para que parte desse percentual não
seja repassada para o consumidor. Têm uma política de descontos que é bancada
pelos pequenos proprietários. Nesse momento de pandemia, os pequenos
proprietários se tornam muito dependentes dessas empresas, aí então os
oligopólios digitais vão aumentando as exigências e os comerciantes que não
concordam são desligados, o que significa a falência. As empresas de
aplicativos exploram nas duas pontas: os trabalhadores e os donos dos pequenos
negócios.
Por todas essas
questões, os trabalhadores e as trabalhadoras em aplicativos resolveram dar um
basta e fazer a greve nacional como forma não só de pressionar as empresas
pelos direitos que os outros trabalhadores já possuem, mas também por uma série
de reivindicações específicas, tais como aumento das taxas por entrega, aumento
por quilometragem rodada, fim do sistema de pontuação, fim dos bloqueios
indevidos, seguro de vida, seguro acidente e equipamentos de proteção
individual, além de vale para café, almoço e lanche. Ou como diz um deles: ”É
terrível carregar comida para os outros com a barriga vazia”.
Enquanto os
trabalhadores enfrentam essa situação desesperadora, os donos das empresas de
aplicativos como iFood, Rappi, Uber Eats, James, entre outros, estão ganhando
rios de dinheiro às custas de um trabalho extremamente precário e desumano.
Esses patrões escravocratas, fantasiados de executivos moderninhos das
tecnologias da informação, ainda buscam mascarar a superexploração com contos
de fada, afirmando que os entregadores são empreendedores e donos do seu
próprio negócio, parceiros ou colaboradores. Trata-se de uma picaretagem
linguística típica dessa fase agressiva do neoliberalismo para esconder a
superexploração e precarização dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Essa greve histórica
teve um papel fundamental, pois aumentou a moral dos entregadores, fortaleceu o
espírito de união e, especialmente, revelou para a sociedade a brutalidade com
que essas empresas moderninhas tratam os trabalhadores em pleno século XXI. Mas
essas empresas estão também provando do próprio veneno tecnológico: há uma
corrente de dezenas de milhares pessoas negativando ou dando nota baixa, no
próprio portal dos APPs, a esse comportamento medieval dos patrões e deixando duras
mensagens contrárias às péssimas condições de trabalho, além do fato de que a
campanha para que a sociedade não realizasse pedido durante a greve deve ter
dado um enorme prejuízo a essas firmas. A imagem de tais empresas sai bastante
arranhada desse episódio.
Vale lembrar ainda um
fato importante desse processo: se as empresas têm força para impor um trabalho
tão precário aos entregadores, a sociedade agora ganhou força para exercer uma
solidariedade ativa com os trabalhadores, tanto no que se refere aos protestos
digitais, quanto ter a possibilidade de escolher quem mais respeitar os
direitos da categoria, podendo impor prejuízos aos cofres dos patrões. Ou seja,
ampliou-se o leque da luta, pois agora os trabalhadores têm a possibilidade de
ganhar uma solidariedade objetiva para a sua luta.
Outro dado importante
dessa paralisação de novo tipo é o fato de que, por ser uma categoria nova, o
movimento foi espontâneo, fruto da revolta contra as más condições de trabalho
e remuneração. Mas a luta forja novas lideranças, unifica reivindicações,
coloca em movimento a classe. Tanto que agora os entregadores já estão
discutindo fórmulas para se organizar melhor, tanto num Fórum, onde debaterão
os principais problemas da categoria e as pautas de reivindicações, quanto em
outras formas de organização, como grandes cooperativas ou sindicatos
nacionais. Afinal, os entregadores de aplicativos despertaram para a luta!
A Unidade Classista,
a União da Juventude Comunista e os Coletivos Feminista Classista Ana
Montenegro, Minervino de Oliveira e LGBT Comunista estiveram presentes em
pontos de concentração dos entregadores em várias capitais e cidades do Brasil,
prestando sua solidariedade ativa. O canal no youtube do Jornal Poder Popular
fez transmissão ao vivo das manifestações, com repórteres em várias capitais,
além de comentaristas analisando o significado dessa greve histórica.
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