ESTADÃO - Paulo Beraldo
© ROBSON VENTURA/
ESTADÃO
Anthony Pereira avalia que Bolsonaro tinha ‘bom time’ na Saúde, ‘mas manteve melhores jogadores no banco’
Para o brasilianista Anthony Pereira, diretor de pesquisas sobre o Brasil no King’s College de Londres, um dos principais centros acadêmicos do Reino Unido, a reputação do País no exterior mudou para pior nesses 18 meses de governo Jair Bolsonaro. A conduta do presidente principalmente diante da crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, afirmou Pereira, tem levado a críticas ao Brasil por parte de todo o espectro político nos Estados Unidos e no Reino Unido.
“As pessoas no
exterior sabem que o presidente Bolsonaro disse ‘e daí?’ quando questionado
sobre as mortes pelo coronavírus. Eles descobriram que um juiz ordenou que ele
usasse uma máscara quando passeava por Brasília. E eles sabem que os
investidores internacionais estão ameaçando retirar seus investimentos da
produção brasileira de carne e grãos devido aos crescentes níveis de
desmatamento na Amazônia. O governo Bolsonaro mudou a reputação internacional
do Brasil. E a mudança foi amplamente negativa”, disse o brasilianista ao Estadão.
Desde a ditadura militar, nunca
tivemos tantos militares em um governo civil. Como o senhor analisa esse fato e
também a avaliação positiva dos militares?
É uma situação
bastante extraordinária. Quase metade do gabinete e quase três mil militares
nos ministérios. Mas a situação representa um risco para os próprios militares.
Eles são atraídos por conflitos políticos e se tornam defensores do governo, e
não parte do aparato estatal. O Exército é popular entre os brasileiros, mas as
pessoas estão observando atentamente como ele exerce o poder e como se comporta
no meio de conflitos extraordinários entre diferentes atores nos diferentes
níveis de governo. Para mim, mais preocupante do que a presença militar no
governo é a popularidade do presidente entre as forças policiais estaduais e as
milícias no Rio, e a possível inclinação do presidente e de seus conselheiros
de usar essa popularidade como arma em futuros conflitos políticos.
Continue lendo
Algumas pessoas temem a possibilidade
de um golpe militar.
Não vejo muita
chance de um golpe à moda antiga de 1964, no qual os militares são mobilizados
contra outros setores. Mas o autoritarismo lento e insidioso é mais possível.
Imagine, por exemplo, se o presidente Bolsonaro conseguisse convencer o
Congresso a conceder-lhe autoridade para declarar um estado de sítio. O que ele
poderia ter feito? Sabemos por muitas coisas que ele disse que seus instintos
básicos, quando se trata de governar, são autoritários.
Por outro lado, existem 48 pedidos de
impeachment no Congresso e movimentos pedindo a saída de Jair Bolsonaro.
Há uma emergência
de saúde por causa da pandemia e o número de mortes está aumentando. A economia
entrou em colapso e as projeções são de que encolherá 7% ou mais este ano.
Diante da situação, não vejo muito apetite, pelo menos por parte de Rodrigo
Maia, presidente da Câmara, de iniciar um procedimento de impeachment e o
processo de meses de tentativa de destituição do presidente. Mesmo que o
processo começasse, Bolsonaro fez muitas concessões ao Centrão e já pode ter
feito o suficiente – ou fará o suficiente nos próximos meses – para garantir
1/3 dos votos em cada Casa (Câmara e Senado) de que precisaria para derrotar um
impeachment.
A avaliação negativa do governo
chegou a 50% em uma pesquisa feita em maio. Há um ano, esse índice era inferior
a 25%. A que atribui essa mudança?
É uma questão de várias correntes de apoio diferentes para o governo Bolsonaro irem perdendo a fé. Os lavajatistas estão decepcionados com a demissão do ex-ministro Sérgio Moro e suas alegações de que o presidente tentou interferir nas investigações da Polícia Federal para proteger seus filhos. Se Fabrício Queiroz aceitar um acordo de delação premiada, suas evidências poderiam reforçar a percepção entre os lavajatistas de que o governo Bolsonaro não é especial quando se trata de corrupção. Outro grande grupo de pessoas está decepcionado com a reação do presidente ao coronavírus.
Eles querem que ele ouça mais os especialistas em
saúde pública e pare de incentivar as pessoas a se comportar de maneira a
espalhar o vírus. Eles acreditam mais no ex-ministro da Saúde Luiz Henrique
Mandetta que no presidente. Acreditam mais na maioria dos governadores que no
presidente. Até os olavistas, liderados por seu guru Olavo de Carvalho, parecem
ser críticos do governo. Talvez eles estejam pensando que o bolsonarismo é mais
importante que Bolsonaro, e que o primeiro possa durar mais que o segundo.
O senhor acredita que a reputação
internacional brasileira mudou ao longo desses 18 meses de governo?
O governo Bolsonaro mudou a reputação internacional do Brasil. E a mudança foi amplamente negativa. O próprio presidente Bolsonaro é visto como um pária, um líder que não tem compaixão, bom senso e capacidade administrativa. Essa visão pode ser encontrada em todo o espectro político nos EUA e no Reino Unido – em jornais conservadores e não apenas em periódicos de esquerda. As pessoas no exterior sabem que o presidente Bolsonaro disse “e daí?” quando questionado sobre as mortes pelo coronavírus. Eles descobriram que um juiz ordenou que ele usasse uma máscara quando passeava por Brasília.
E eles sabem que os investidores
internacionais estão ameaçando retirar seus investimentos da produção
brasileira de carne e grãos, e talvez até de títulos do governo, devido aos
crescentes níveis de desmatamento na Amazônia.
Como vê a relação com os Estados
Unidos e o presidente Donald Trump?
Até mesmo o
presidente Trump, a quem o presidente Bolsonaro seguiu e copiou, parece não
pensar muito no governo Bolsonaro. Além disso, o governo Trump está tentando
romper com uma tradição diplomática e nomeou um americano para chefiar o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Parece que o governo Bolsonaro apoiará
o candidato dos EUA, que faz parte de um padrão no qual ele faz concessões
unilaterais ao governo Trump e obtém nada em troca. Em resumo, o governo
Bolsonaro não tem muitos amigos que eu possa ver na Europa, nos Estados Unidos
ou em outros lugares. Tornou-se um líder, mas um líder em sentido negativo.
Qual é a avaliação de Jair Bolsonaro
na arena internacional no combate à pandemia?
Bolsonaro se
destaca como um líder que se recusou a ouvir, a aprender e a mudar de curso
quando quase todos os outros líderes mudaram de curso por causa dos conselhos
que estavam recebendo das autoridades de saúde pública. O Brasil tem uma
infraestrutura de pesquisa médica e saúde pública relativamente boa. Mas ele a
enfraqueceu semeando caos e conflito. Para usar a analogia de um técnico de
futebol, ele tinha um bom time, mas manteve os melhores jogadores no banco e
usou táticas ruins. Por isso está perdendo o jogo.
EM TEMPO: Com a prisão do Queiroz, Bolsonaro deixou suas "bravatas ameaçadoras" de lado. Caso ocorra o desembarque dos cerca de 3.000 militares do seu governo, sua retórica irá para o espaço e seu impedimento ou renúncia será mais fácil. Lembrando que Bolsonaro em nada mudou. Continua o mesmo e imperador. Dificilmente uma pessoa muda com mais de 25 até 30 anos. Mas, se algum bolsonarista doente quiser levá-lo para casa para concluir sua educação e cultura, quem sabe pode até corrigí-lo (rsrsrs). Agora durmam com essa bronca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário