Popularidade
de Bolsonaro despenca. Sociedade civil levanta a voz – agora, também nas ruas –
pelo fim da agenda autoritária e genocida (e pela deposição do governo). Os
partidos atenderão este anseio, acima das diferenças?
OUTRAS MÍDIAS
Por Edson
Sardinha, no Congresso em
Foco
O acirramento da crise política e institucional,
com atos pró-fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal
(STF) e em defesa de intervenção militar, começa a dar corpo no Parlamento à
ideia de criação de uma ampla frente democrática. Deputados de vários partidos,
de diferentes espectros ideológicos, defendem a necessidade de se deixarem de
lado as diferenças políticas e de todos se unirem para evitar a implantação de
uma ditadura no país, uma ameaça que eles cada vez mais enxergam nos atos do
presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.
Embora não esteja participando diretamente das
negociações, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já manifestou a
deputados sua simpatia pela ideia. Atacado constantemente por Bolsonaro, Maia
tem evitado o confronto e pregado o diálogo e o respeito à democracia. Mas não
deseja ser o líder do movimento. Parlamentares de diferentes correntes começam
a se organizar para discutir a criação de uma frente democrática nos próximos
dias. Lideranças do PT, do PSDB e do MDB têm indicado apoio à iniciativa.
O entendimento em comum entre parlamentares de
vários partidos ouvidos pelo Congresso em Foco é de que esse tipo de movimento
já partiu da sociedade civil, como demonstraram o ato pró-democracia encampado
por torcidas organizadas de clubes de futebol e a publicação de manifestos
assinados por juristas, políticos, intelectuais e artistas neste fim de semana.
“Só há uma forma de enfrentar o fascismo, é todos se unirem. Temos de conversar
com quem pensa diferente da gente”, defende a líder do PCdoB, Perpétua Almeida
(AC).
Para a deputada, nessa aliança cabem parlamentares
de esquerda, centro e direita. “Só não cabem os fascistas. Ou nos unimos ou o
fascismo de Bolsonaro avançará”, afirmou. “Estados Unidos e União Soviética se
uniram contra o nazismo. Temos de dialogar com quem pensa diferente da gente,
mas está conosco no campo democrático”, reforça.
Na Câmara já existem grupos suprapartidários que se
reúnem para discutir o aperfeiçoamento da Casa, como o Câmara Viva e o Centro
da Convergência Democrática. Integrante do primeiro, o deputado Marcelo Ramos
(PL-AM) considera urgente a união dos parlamentares em defesa das instituições
democráticas e contra o avanço do autoritarismo.
“O Congresso precisa se afastar de qualquer flerte
com o autoritarismo e isso deve ser uma mensagem forte para o Centrão, que não
deve fortalecer um projeto que tem como fim fechar ou pelo menos limitar o
Congresso e o STF”, diz o deputado que, apesar de ser filiado ao PL.
Marcelo Ramos lembra que o país já conviveu
governos impopulares, como os de Dilma Rousseff e Fernando Collor, que caíram
após perder apoio no Congresso e na sociedade. Mesmo assim, ressaltou, ambos
respeitaram as regras do jogo democrático e se submeteram à ordem
constitucional do Judiciário e do Legislativo.
Para ele, esse não é o caso de
Bolsonaro..
“Mas agora é diferente. Temos um governo que
confunde a legitimidade do voto da maioria nas eleições com poderes
totalitários sobre outros Poderes e até sobre a própria Constituição”,
considera. Na avaliação do deputado, não há mais como adiar a formação de uma
frente parlamentar ampla. “Os 70% não aceitam mais que 30% se imponham como
maioria.”
Para o líder do PT, Enio Verri (PR), há clima no
Congresso para a construção de uma frente com o mesmo perfil dos movimentos de
artistas, intelectuais, políticos e juristas que se manifestaram em defesa da
democracia no fim de semana. Entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), o ex-candidato à Presidência pelo PT Fernando Haddad e
personalidades como Caetano Veloso e Fernanda Montenegro.
“Divergimos muito do ponto de vista econômico do
centro e da centro-direita. Mas votamos muitas vezes juntos quando se trata da
defesa dos direitos humanos”, afirma Verri. O deputado petista defende a
constituição de uma frente políitca como a das Diretas Já, que reuniu políticos
de espectros políticos diferentes em defesa da retomada da democracia e das
eleições diretas.
“A sociedade já começou esse movimento. O Congresso
ainda não, porque está pautado pela conjuntura, pela busca de medidas para enfrentar
a pandemia. É incrível como, no meio de uma pandemia, nós tenhamos que discutir
uma crise política”, observa.
Vice-líder do PSD, o deputado Fábio Trad (PSD-MS)
vê a reação do Congresso contra os ataques à democracia como um imperativo
moral.
“Divergências programáticas são superáveis com a
rotina democrática, mas quando se levantam forças contra a própria democracia,
nenhuma diferença poderá ser maior que a necessidade de convergir para salvar o
regime constitucional das liberdades públicas”, considera o deputado.
“Portanto, a criação da frente [pela democracia] é um imperativo moral neste
momento em que a escuridão perdeu a vergonha de se mostrar”, acrescentou o
deputado, que integra a Convergência Democrática.
Pensamento semelhante tem o deputado paranaense
Rubens Bueno, uma das principais lideranças do Cidadania. “Há vários grupos
conversando e a frente vai ganhando força. Não é só grupo interno do Congresso,
mas de outros segmentos sociedade. Temos um presidente que, desde que assumiu,
provoca todos os dias”, declara.
“O presidente e seus filhos têm muitos problemas,
como as rachadinhas e as ligações com milicianos. Ele chegou ao poder e quer
blindá-los. Interveio na polícia federal. As informações estão sendo
publicadas. Ao lado disso, criou o gabinete do ódio para não só difamar, mas
também para blindar tudo isso que está sendo processado agora”, observa.
“Estamos vivendo uma pandemia e problemas econômicos gravíssimos agravados por
uma crise política criada exclusivamente pelo presidente”, emenda.
O fim de semana foi marcado por manifestações. Em
cidades como São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte e Porto Alegre, houve atos em
defesa da democracia encabeçados por torcidas organizadas de futebol. Na
capital paulista o protesto acabou em confronto com a Polícia Militar depois de
os manifestantes se encontrarem com apoiadores de Bolsonaro, que também estavam
concentrados na Avenida Paulista. O confronto se estendeu pela tarde. PMs
utilizaram bombas de efeito moral.
Em Brasília o presidente da República participou de
ato contra o Supremo e o Congresso e em favor de seu governo. Faixas com
pedidos de intervenção militar e alusão ao golpe de 1964 dividiram espaço com
ataques a ministros da corte, considerada agora a grande inimiga pelos
bolsonaristas em decorrência de decisões que contrariam Bolsonaro e o andamento
do inquérito das fake news. O presidente também cavalgou diante do
público.
Bolsonaro sobrevoou a Esplanada para ver o público.
No solo, provocou aglomeração e cumprimentou apoiadores sem fazer uso da
máscara de proteção, contrariando as recomendações das autoridades sanitárias.
Nesse sábado o presidente listou uma série de decisões do Supremo e do Tribunal
de Contas da União que o contrariaram. “Tudo aponta para uma crise”, resumiu.
Nessa madrugada cerca de 30 integrantes do grupo
“300 do Brasil”, que apoia Bolsonaro e o fechamento do Congresso, marchou com
tochas e máscaras em direção ao Supremo, reproduzindo atos praticados pela Ku
Klux Klan e neonazistas americanos. Em mensagem enviada a colegas, o ministro
Celso de Mello comparou a situação do Brasil com a da Alemanha de Adolf Hitler
e conclamou à resistência contra uma “abjeta ditadura”.
Na semana passada, o
deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que já chegou a dizer que para fechar o
Supremo era necessário apenas um soldado e um cabo, voltou a subir o tom da
ameaça. “Essa postura, eu até entendo quem tem uma postura mais moderada, vamos
dizer, para não tentar chegar ao momento de ruptura, um momento de cisão ainda
maior, um conflito ainda maior. Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse
momento de caos. Mas falando bem abertamente, opinião do Eduardo Bolsonaro, não
é mais uma opinião de ‘se’, mas de ‘quando’ isso vai ocorrer”, afirmou
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