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Yahoo Notícias, 17 de junho de 2020
O Brasil passa por uma das mais graves crises de sua história. A pandemia do novo coronavírus já matou mais de 45 mil pessoas aqui e a curva da doença continua a se manter em níveis altos. Para piorar, o presidente Jair Bolsonaro vive às turras com o Congresso e o STF, num momento de tensão quase nunca visto.
Como o Brasil sairá de todo esse
processo? A democracia está ameaçada? O jornalista e professor da USP, Eugênio
Bucci, conversou com o Yahoo Brasil e tentou trazer mais clareza para esse
momento turbulento de nossa história. Confira:
Yahoo: A democracia no Brasil está
ameaçada com Bolsonaro?
Eugênio Bucci: Há mais de um ano
venho falando isso. O editorial do Financial Times falou disso. A Economist vem
apontando problemas nesse sentido. Não se trata mais de uma opinião isolada
desde a eleição de 2018. Surgiram várias manifestações em abaixo-assinados e
outros tipos de declarações. Várias pessoas de diferentes orientações e
correntes de opinião vêm manifestando essa preocupação. Existe o risco, sim. A
democracia está inteira, mas ficamos numa situação mais difícil. As
instituições, dia a dia, ficam comprometidas. O Ministério da Educação,
Itamaraty e o Ministério da Saúde estão sendo tomados por crenças e fanatismos
que se sobrepões aos fatos. Instituições de Estado começam a ser infectadas por
essa moléstia, por esse ideário autoritário. E existe o risco de se aprofundar
com o tempo.
Y: Existem semelhanças entre os protestos
de 2013 e os de agora?
EB: Existem semelhanças entre as
jornadas de junho de 2013 e as jornadas antirracistas dos EUA. Há sete
anos, percebemos o engajamento rápido e instantâneo. E só foi possível com
redes sociais. Existia uma ira represada há muito tempo que explodiu com um
fato. Foi uma fagulha que incendiou o resto. No Brasil, em 2013, foi a
precariedade do transporte urbano. As jornadas dos EUA de agora aconteceram por
causa de mais uma morte de um negro pela polícia local. As manifestações têm
uma gênese um pouco diferente. Não existe a menor duvida que o movimento vai
crescer nos próximos meses.
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Y: No que a imprensa acertou e errou
na cobertura do governo Bolsonaro?
EB: Não existe uma resposta que abarca toda a imprensa. Não podemos generalizar. Um erro que aconteceu na maior parte dos veículos mais tradicionais (Folha, Estadão, O Globo, Zero Hora e os grandes telejornais), foi dar um tratamento a Jair Bolsonaro como se ele fosse um candidato normal, Desde o começo ele se apresentava como um candidatura contra a democracia. Nas eleições em regimes comuns, candidatos têm a proposta de fortalecer o regime democrático. Bolsonaro elogiava tortura, ditadura e hostilizava a imprensa.
Falou que as urnas eram fraudadas e ameaçou não aceitar
o resultado caso perdesse. Se negou a ir a debates e a maneira como ele fazia
era afrontosa. A imprensa não identificou esse fato. Foi uma candidatura contra
a democracia brasileira. É o que está acontecendo hoje. A imprensa
brasileira, que é de qualidade, demorou a perceber o fato e isso prejudicou a
cobertura. Não era um candidato como os outros. Isso postergou um esclarecimento,
uma situação muito grave no Brasil. Agora perceberam e estão esclarecendo os
fatos à sociedade brasileira.
Y: Com a recriação do Ministério das
Comunicações, o que acha que pode mudar nessa política do governo? E como
classifica a atual, visto que você passou pela área no governo Lula?
EB: Certamente vai mudar. O
ministro Fábio Faria (PSD-RN) parece ter bom trânsito
no Congresso. Há alterações sensíveis que foram adotadas, entre elas a
incorporação da EBC, agora vinculada ao Ministério das Comunicações (MC). Isso
significa que o MC será demandado pelo presidente como um ministério com
alinhamento ideológico. A comunicação do governo vai ganhar cada vez mais
influência se for misturada com o MC. Verba publicitária terá mais ingerência
do MC. Vai ganhar calibragem e potência. Isso pode ser uma mudança para o
mal, mas ainda é cedo para dizer.
Y: Como acha que tem sido o combate
às fake news no Brasil? Alguma sugestão para punir quem distribui esse tipo de
conteúdo?
EB: O risco de uma legislação que possa
responsabilizar as plataformas sociais é quebrar a privacidade e criar um
regime de vigilância terceirizado nas plataformas, o que vai ser um fator
inibidor do debate público. É evidente que as fake news que vêm sendo distribuídas hoje
são fruto de atividades sem transparência. Existe um ocultamento da origem
dessas fake news. É desleal e pode até conter ilegalidade. É por isso que o
inquérito do STF vem causando tanto rumor. E vale destacar que ele vem se
desenrolando dentro dos trâmites legais.
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