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O conluio entre o capitão e os generais
Por Ricardo Noblat
Protestos na Avenida Paulista contra e pró-Bolsonaro.
Quando será mesmo que o general
Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, emitirá mais uma nota oficial
para dizer em nome das Forças Armadas que
elas não apoiam o governo do capitão que expulsaram dos
seus quadros por indisciplina e conduta
antiética, mas que apoiam, sim, a Constituição e a
ela continuarão fieis?
Nos
últimos 40 dias, ou menos do que isso, foram três notas oficiais com esse mesmo
teor, cada uma mais vaga e ambígua do que a outra. O problema é que Azevedo e
Silva virou um militante político bolsonarista, de resto como os demais
generais ministros do governo, alguns postos originalmente ali para deter os
excessos do presidente acidental.
Diga-se:
os excessos e a fome de poder do mau militar, assim classificado pelo
ex-presidente Ernesto Geisel, que no passado, planejou atentados à bomba contra
quarteis para reivindicar aumento de salários para a soldadesca. Às escondidas
dos seus superiores, ele complementava o seu soldo associando-se a garimpeiros
no antigo Estado do Mato Grosso.
Agora,
às claras, sob o estímulo da farda que um dia avacalhou com seus atos,
Bolsonaro subverte a ordem que as Forças Armadas dizem que prezam, semeia o
ódio entre os seus devotos e tenta abastardar as demais instituições da
República. Nos fins de semana, a Praça dos Três Poderes, em Brasília,
transformou-se em palco exclusivo dos seus delírios.
A essa altura, a quarta nota do general
já não apascentará os espíritos inquietos dos que assistem ao avanço do
autoritarismo sobre a democracia duramente reconquistada. Está viva na memória
do país as muitas vezes que os militares bancaram aventuras golpistas – a mais
recente, em 1964, a pretexto de salvarem a democracia ameaçada.
Por
formação, são conservadores e elitistas. Sentem-se mais capazes do que os
civis. Consideram-se responsáveis pelos destinos do país. Não engoliram até
hoje o fracasso da ditadura de 64 e a humilhação de terem sido obrigados a
voltarem à caserna. De volta ao poder com o ex-capitão, querem que ele governe
por quatro e mais quatro anos. São seus avalistas. Ou melhor: seus
mantenedores. Sabem muito bem que os civis partidários de Bolsonaro poderão
abandoná-lo de uma hora para a outra se o governo não resistir às dificuldades
que enfrentará daqui para frente. E, por mais que digam o contrário, o fracasso
do capitão será também o fracasso dos generais. Elementar.
Abominam
essa hipótese, portanto. E se no momento reverenciam a Constituição, não é
garantido que assim procedam caso se vejam outra vez forçados a bater em
retirada. É improvável a ditadura de um capitão. Mas não é o regime forte
liderado por um capitão que desperta em parcela do povo seus instintos mais primitivos
e obscuros.
O
único fato novo que desperta a esperança de que o avanço do autoritarismo ainda
possa ser detido é o retorno às ruas dos que se limitavam a protestar nas redes
sociais. Foi o que se viu, ontem, em algumas cidades. As ruas eram até então
território exclusivo das milícias do capitão anarquista. Tudo indica que
deixarão de ser a partir das próximas semanas.
A
publicação de manifestos e de abaixo-assinados serve mais para marcar o tempo
em que foram concebidos, e lustrar a biografia dos seus autores. Mas em certas
ocasiões, é nas ruas, para o bem ou para o mal, que se escreve a história.
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