Yahoo Notícias, 4 de junho de 2020
Manifestante
pró-Bolsonaro pede AI-5 durante ato. Foto: Felipe Beltrame/NurPhoto (via Getty
Images).
Foi só acontecer um ato anti-fascista
nas ruas de São Paulo, Rio e outras capitais, com faixas em defesa da
democracia e dispersão com bombas de efeito moral, para Jair Bolsonaro e sua turma saírem a público para tachar
os opositores de terroristas.
Se fosse uma estratégia original, vá
lá; mas ela é uma cópia mal feita de uma promessa do presidente dos EUA, Donald Trump, que desde que era empresário-herdeiro de um
conglomerado estimula com atos e palavras a discriminação e o racismo em um
país que hoje explode em uma onda antirracista.
Antes de qualquer ato ganhar as ruas,
o próprio filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, falava em “ruptura”. O presidente ameaçava
não obedecer ordens judiciais. Chamava miliciano de herói. Berrava contra
investigações sobre a morte de uma vereadora metralhada. E não escondia os
desejos de interferir na Polícia Federal até amansar a corporação à sua imagem
e semelhança.
Como se ele fosse a lei.
Como se a lei fosse um detalhe.
Como se a sequência de deboches e
boicotes aos esforços para contenção do coronavírus chegassem às vítimas
preferenciais da pandemia como piada, e não como raiva.
Como se essa raiva tivesse de ser
tratado com chá de boldo ou à bala, como acontece desde o fim da
escravidão.
A doença que caminha a passos largos
para ceifar 40 mil vidas em uma semana de aberturas e pressões atendidas tem
sido mais especialmente cruel com pessoas negras no Brasil. Elas representam
55% dos mortos.
Nos atos organizados pelas alas
anti-fascistas das torcidas, a origem periférica e historicamente marginalizada
deste país estava no tom da pele sob as máscaras predominantes no protesto.
Até então, as ruas tinham outra cor.
Tinha também donos, e se a lei não existia para eles, tudo era permitido.
Era permitido, por exemplo, aparecer com
máscaras e tochas num cosplay de ku klux klan na frente do Supremo Tribunal
Federal.
Era permitido gravar vídeo ameaçando
encher de porrada e infernizar a vida de um dos ministros da Corte, inclusive
expondo seus dados pessoais e descobrindo onde moram suas empregadas (a
homenagem não é à toa).
Era possível pedir atos
institucionais que limpassem o país das divergências e discordâncias.
Era possível queimar bonecos de
autoras de quem os movimentos conservadores tinham ojeriza.
Estimular as milícias virtuais contra
autoridades e formadores de opinião que apontassem o absurdo que era o estado
permanente de enfrentamento alimentado pelas hienas em torno do poder.
Era possível ameaçar ou prender quem
atua na fiscalização de crimes contra o meio ambiente (O Brasil é o quarto país
que mais mata ativistas ambientalistas no mundo, de acordo com o relatório
anual da ONG Global Witness).
Era possível enfiar o dedo na cara de
enfermeiras que protestam por melhores condições de trabalho enquanto tentam
minimizar o morticínio da tragédia anunciada e minimizada sistematicamente pelo
presidente.
Era possível buzinar em frente aos
hospitais.
E provocar aglomerações em torno de
caixões.
Era possível atentar contra o
trabalho da imprensa com palavras, ameaças, socos e pontapés.
Qualquer reação, em nota, era
vitimismo para o presidente que só vê humanidade nas curvas das espinhas que se
dobram para ele.
Nesta luta de quem esmaga e depois chama
as vítimas do esmagamento de terrorista não existe equilíbrio de forças. Existe
um lado que mata e outro que morre.
O ódio tomou assento no Planalto e
libertou os candidatos a guarda da esquina a lidar com as divergências como bem
entendem. Foi o que levou um eleitor do capitão a matar o mestre de capoeira
Moa do Katendê, durante uma discussão sobre política, no meio das eleições.
De terrorismo o presidente entende.
Em seus tempos no Exército, ele foi
acusado de elaborar um plano com o objetivo de “explodir bombas em várias
unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras” e em vários
quartéis caso o reajuste aos militares oferecido pelo governo federal ficasse
abaixo de 60%. Segundo o processo, a ideia era “assustar” o ministro do Exército,
general Leônidas Pires Gonçalves.
Ao leitor que tiver curiosidade vale
a pena conferir também a lista de legalidades cometidas por Brilhante Ustra,
ídolo do presidente, em seus tempos no Doi-Codi.
Vinte e cinco anos antes de se tornar
presidente, Bolsonaro, já aninhado na política, era descrito como um “mau
militar” por Ernesto Geisel, quarto presidente da ditadura que o ex-capitão
venera.
Nos últimos meses, ele e sua
militância, virtual ou acampada, se armaram e prometeram ir à guerra a quem
estivesse à frente de seus planos, inclusive os sistemas de freios e
contrapesos. Entre seus apoiadores abundam referências a símbolos neonazistas e
supremacistas -- não exatamente conhecidos pela defesa da paz e do acolhimento.
Não faltou nem mesmo citação em público a Benito Mussolini, líder fascista de
falso moralismo patriótico e violento que perseguiu compatriotas e lançou a
Itália ao terror, à guerra e à autodestruição.
Mas, para Bolsonaro, terrorista é quem vai às ruas
gritar contra o caminhão armado e desenfreado que empilha as vítimas das balas
e da pandemia que seu governo estimula com gestos, ações e deboches.
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