Caio Andrade*
Intervenção na
plenária de movimentos sociais de Duque de Caxias – RJ
Companheir@s,
A conjuntura é
extremamente complexa, combinando crise sanitária, econômica e política.
Portanto, o debate sobre as táticas do nosso movimento frente aos desafios
colocados não é simples. Inicialmente, temos que reconhecer que a polêmica
sobre ir às ruas em meio a uma pandemia ou não é absolutamente legítima.
Podemos tranquilamente travar essa discussão e, independentemente de cada
posição, analisar os pontos em comum para a unidade de ação contra o projeto
dominante.
Dito isso, penso que
é importante refletirmos sobre a hegemonia histórica da ideologia liberal na
sociedade brasileira, inclusive no imaginário da assim chamada esquerda.
Trata-se de um fenômeno danoso para a luta dos trabalhadores. Basta lembrarmos
os acontecimentos dos últimos cinco anos. A direita tomou as ruas, promoveu um
golpe e, enquanto isso, grande parte da esquerda acreditou até o fim que as instituições
respeitariam o pacto social e o mandato presidencial de Dilma Rousseff. O
desfecho da história todos nós conhecemos.
O mesmo Parlamento e
o mesmo STF que chancelaram um impeachment por “pedalada fiscal”, mantêm no
poder um capitão escancaradamente criminoso, genocida, miliciano, fascista. O
que devemos aprender com isso? Que não são as leis nem as instituições que
definem os rumos políticos do país, mas sim a luta de classes.
Diante de uma grave
pandemia, porém, vimos novamente a ideologia liberal entrando em ação e
desarmando politicamente a classe trabalhadora. Muitos companheiros e
companheiras abraçaram a ideia de que o combate ao coronavírus dependia
essencialmente das “escolhas” de cada indivíduo e, deixando o papel do Estado
em segundo plano, substituíram palavras de ordem e bandeiras políticas por
frases como “lave as mãos” ou “fique em casa”. Nada mais equivocado.
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Um olhar minimamente
atento para o mundo comprova isso. Não foram as nações em que cada um
simplesmente fez a sua parte que conseguiram controlar o coronavírus. Foram os
países nos quais o Estado fez a sua parte que tiveram sucesso no combate ao
COVID-19. Ou seja, antes de ser uma responsabilidade individual dos cidadãos, o
enfrentamento efetivo à pandemia é uma decisão política, fruto da correlação de
forças das classes sociais em luta.
Nesse sentido, é
importante fazer uma rápida comparação. As nações do Norte que, segundo as
mentes colonizadas, seriam mais racionais e evoluídas, têm sido verdadeiros
exemplos negativos na pandemia. Enquanto isso, entre os países que reivindicam
o socialismo e o poder de Estado é exercido de outra forma, como Vietnã, Cuba e
China, temos os melhores exemplos de como conter a disseminação do novo
coronavírus.
E o Brasil? Temos um
governo que, além de não trabalhar para proteger a população da praga biológica
global, está há três meses em campanha aberta contra as recomendações da OMS. A
sabotagem da renda emergencial, além de atrasar os pagamentos, transformou as
filas nas agências da Caixa Econômica Federal em armadilhas sanitárias. Mesmo
governadores e prefeitos que até agora buscavam se diferenciar de Bolsonaro
começam a reabrir o comércio. Os patrões, que exigem o deslocamento dos
trabalhadores de segunda a sábado, só criticam as aglomerações quando se trata
dos protestos populares aos domingos.
Grande parte do
autoproclamado campo progressista, infelizmente, embarcou nesse discurso. Mas
por quê? Porque insiste-se na lógica da responsabilidade individual, abstraindo
o fato de que o Estado brasileiro nunca criou as condições para que a maior
parte do povo tivesse direito ao isolamento. Muitas favelas sequer têm água!
Como se não bastasse, este mesmo Estado burguês recrudesceu sua violência
contra o povo favelado, fuzilando voluntários que entregavam cestas básicas e
famílias dentro de suas casas.
Bolsonaro apostava
que o caos poderia ser o cenário perfeito para avançar em seu projeto fascista.
Mas não contava que os assassinatos de João Pedro, George Floyd e tantas outras
vítimas do racismo estrutural pudessem despertar as massas para as
consequências do projeto da extrema direita e para a necessidade urgente de
derrotá-lo no único terreno possível: as ruas.
Nós sempre fomos a
favor do isolamento sanitário e das recomendações da OMS. Reivindicamos do Estado
a adoção das medidas aconselhadas pelos profissionais da saúde, mas a resposta
passou muito longe das nossas exigências. A questão concreta é que o poder de
Estado não está conosco. A classe que detém este poder decidiu que deveríamos
morrer de fome ou pelos tiros disparados contra nossas casas. E nós fomos às
ruas porque, mais uma vez, decidimos não morrer sem lutar.
Se não é possível
sobreviver ficando em casa, a luta pela vida volta a ser travada nas ruas, com
restrições aos grupos de risco e todos os cuidados sanitários possíveis. Os
governos a serviço do capital não nos deixaram outra opção. A divergência sobre
a legitimidade dos atos populares não é meramente tática. Trata-se de uma
divergência estratégica entre os que buscam ressuscitar, com diferentes
nuances, o liberalismo de esquerda derrotado em 2016 e os que entendem a
necessidade de se construir o poder popular e a alternativa socialista.
* Professor da rede
estadual de educação do Rio de Janeiro e membro do Comitê Central do PCB.
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