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© AFP Após demissão de Moro (dir.), Bolsonaro
chegou a chamar seu ex-ministro de 'Judas'
O procurador-geral
da República, Augusto Aras, fez novos pedidos ao Supremo Tribunal Federal (STF)
para dar andamento ao inquérito que investiga as denúncias feitas por Sergio
Moro contra o presidente Jair Bolsonaro.
O inquérito
conduzido pela Polícia Federal apura as denúncias feitas por Moro no mês
passado durante discurso anunciando sua demissão e no depoimento que prestou à PF no fim
de semana.
Moro afirmou que
Bolsonaro teria feito tentativas de interferência no trabalho da Polícia
Federal e tentado ter acesso ilegal a informações sobre investigações em
andamento. O presidente nega ter cometido qualquer irregularidade.
Como se trata de
uma investigação contra o presidente da República, seu início só foi possível
após o STF autorizar o pedido do PGR para abertura do inquérito. Agora, novas
diligências também precisam ser aprovadas pela Corte. Aras pediu
autorização de diversos procedimentos para o Supremo nesta segunda (4), que só
poderão acontecer se forem aprovados pelo ministro Celso de Mello, que é
relator do caso.
Depoimento de pessoas citadas por
Moro
Os pedidos do
procurador-geral da República se concentram em quatro áreas que estão sendo
investigadas pela Polícia Federal. Uma delas é
autorização para os depoimentos de pessoas citadas por Moro em seu depoimento. Entre elas, estão
três ministros: Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo; Augusto Heleno,
do Gabinete de Segurança Institucional e Braga Netto, da Casa Civil.
A PF também quer
ouvir a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e diversos delegados da Polícia
Federal, entre eles o ex-diretor-geral Maurício Valeixo, cuja exoneração
motivou o pedido de demissão de Moro.
Os outros delegados
citados são Alexandre Ramagem Rodrigues, Ricardo Saadi, Carlos Henrique de
Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva e Rodrigo Teixeira.
Segundo Aras, essas
testemunhas precisam prestar depoimento sobre "eventual patrocínio, direto
ou indireto, de interesses privados do Presidente da República perante o
Departamento de Polícia Federal".
Recuperação de áudios e vídeos de
reunião entre Bolsonaro e ministros
Outro pedido feito
por Aras é o de que o Supremo determine à Secretaria-Geral da Presidência que
envie os áudios e vídeos de uma reunião entre Bolsonaro, ministros e
presidentes de bancos públicos feita em abril. Segundo a PGR, os
registros audiovisuais poderiam confirmar a acusação de Moro de que o
presidente teria cobrado relatórios de inteligência da PF e a substituição de
Valeixo e do superintendente da PF no Rio de Janeiro,
Perícia no celular de Moro e Análise
Outro ponto na
investigação pedida por Aras é a perícia no material do celular de Moro
entregue à PF pelo próprio ministro. Segundo os jornais
O Estado de S. Paulo e O Globo, o material entregue por Moro é composto de
textos e áudios de WhatsApp trocados entre ele e o presidente — mas não se sabe
o conteúdo das conversas. De acordo com o que
Moro tem dito até agora, o material poderia comprovar as acusações feitas por
ele de que Bolsonaro teria tentado interferir na Polícia Federal, o que é ilegal e poderia configurar
crimes.
A quarta área de
investigação em que foram feitos pedidos ao STF por Aras é a de verificação das
assinaturas do ato de exoneração de Valeixo. Moro disse que não sabia da
exoneração, mas sua assinatura foi usada no Diário Oficial.
Quais os crimes que essas investigações
poderiam provar?
A maioria dessas
providências visam a investigar se Bolsonaro de fato tentou interferir na
Polícia Federal, como acusa Moro. Se comprovada, essa
interferência poderia configurar diversos crimes, segundo a PGR, a depender dos
detalhes: coação no curso do processo (quando se ameaça autoridade para
interferir em um processo em interesse privado próprio ou alheio); advocacia
administrativa (patrocinar interesse privado diante da administração pública
valendo-se da qualidade de funcionário); prevaricação (faltar ao cumprimento do
dever por interesse ou má fé) ou corrupção passiva privilegiada (quando agente
público age, ferindo seu dever, cedendo a pedido ou influência de outra
pessoa).
O inquérito também
avalia se, ao usar assinatura de Moro no decreto de exoneração de Valeixo, o
presidente teria cometido falsidade ideológica.
O que pode acontecer com Bolsonaro
agora?
Celso de Mello vai
decidir se autoriza ou não as providências e depois disso, é possível que Aras
faça novos pedidos, a depender do andamento das investigações. Qualquer que seja a
decisão do ministro, a Polícia Federal terá que trabalhar dentro dos limites
determinados pelo Supremo. Após concluir o
inquérito, a PF vai apresentar um relatório ao procurador-geral da República,
Augusto Aras.
A partir do momento
em que receber o relatório da PF, Aras vai decidir se apresenta ou não uma
denúncia ao STF contra o presidente da República. Segundo Aras, se as
acusações de Moro se mostrarem infundadas, é possível que o ex-ministro tenha
cometido denunciação caluniosa ou crime contra a honra, duas possibilidades que
também serão investigadas no inquérito.
Moro chegou a
afirmar que essa declaração de Aras era uma tentativa de intimidação, o que foi
negado pelo PGR — Aras afirmou estar apenas descrevendo seus deveres dentro das
competências de seu cargo. Mas, se achar que
há indícios fortes de crime, Aras deve apresentar uma denúncia contra Bolsonaro
ao Supremo, explica o professor de direito Constitucional da USP Elival da
Silva Ramos.
"Então a
Câmara dos Deputados precisa autorizar, com anuência de pelo menos dois terços
dos deputados, para que o STF possa deliberar ou não sobre a aceitação da
denúncia", afirma Ramos.
O peso da decisão da Câmara
Caso a Câmara não
dê o aval para o STF decidir sobre a aceitação da denúncia, o processo fica em
suspenso até o fim do mandato do presidente. Foi o que aconteceu
com duas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) feitas ao STF pelo
então PGR Rodrigo Janot e uma feita pela PGR Raquel Dodge, que substituiu
Janot. No caso de Temer, nos três casos, a Câmara não autorizou que o Supremo
avaliasse a aceitação ou não da denúncia, e ele respondeu aos processos somente
após o fim do mandato.
Se, diferentemente
do que aconteceu com Temer, a Câmara der o aval e o STF decidir dar seguimento
a uma denúncia feita pelo procurador-geral da República, o presidente é
afastado por até 180 dias, tempo limite para que o caso seja julgado pelo
próprio Supremo. Se for considerado
culpado, o presidente perde o mandato e responde pelos crimes como um cidadão
normal.
"A
consequência maior seria a perda do mandato", explica Ramos.
"Considerando que as penas (dos supostos crimes) são baixas, o mais
provável é que penas de prisão sejam comutadas por penas alternativas." Se foi considerado
inocente ou se o julgamento não terminar em até 180 dias, o presidente retoma
seu mandato normalmente.
Crime de responsabilidade
Também existe a
possibilidade de a Câmara dos Deputados considerar que há indícios de um crime
de responsabilidade, o que poderia dar início a um processo de impeachment —
que aconteceria separado do procedimento iniciado por Aras. "(As ações
como relatadas por Moro) deixam aberta a porta para caracterização de crime de
responsabilidade, primeiro passo para um processo de impeachment", afirma
Maurício Dieter, professor de criminologia crítica da USP.
"Se comprovado
que ele agiu de modo incompatível com a dignidade, com a honra, e com o decoro
do cargo, ele poderia ter praticado um crime de responsabilidade", afirma
Rogério Cury, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Dieter explica que
a lei sobre crime de responsabilidade é muito vaga e aberta a interpretações, o
que torna difícil fazer afirmações mais contundentes sobre se os supostos atos
de Bolsonaro se enquadrariam ou não. "A lei dos
crimes de responsabilidade tem toda uma história hermenêutica (um histórico de
interpretações diferentes). Para caracterizar as pedaladas fiscais como crime de
responsabilidade (que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff), por exemplo,
foi feita toda uma ginástica interpretativa", afirma Dieter.
Em última
instância, a abertura de impeachment é um processo mais político que jurídico,
e depende de quanto apoio o presidente tem no Congresso Nacional.
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