Imagem de Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta projetada em um prédio de SP. Amanda Perobelli/Reuters |
Yahoo Notícias, 16 de abril de 2020
Quatro entre dez brasileiros consideravam ruim ou péssima a forma
como Jair Bolsonaro conduzia
a crise do coronavírus em uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no início de
abril. Só 5% diziam o mesmo sobre o trabalho do Ministério da Saúde.
A nota do presidente era ótima ou boa para 33% dos entrevistados; a
de Luiz Henrique Mandetta, titular da pasta, de
76%.
Entre os que votaram em Bolsonaro, a avaliação do titular da saúde
chegava a 82%. Ainda assim, o presidente decidiu comprar a briga, inclusive com sua
própria base eleitoral, e demitir o subordinado. Em meio a uma pandemia, é como
trocar as rodas de um automóvel a toda velocidade.
A demissão de Mandetta encerra uma longa novela que, pela
importância da pasta, ganhava ares macabros conforme a pandemia avançava. A
novela teve direito a fritura, por parte do presidente, e de indiretas em
público, no caso do ministro.
A gota d’água foi a entrevista ao Fantástico, em que Mandetta se queixou
do bate-cabeça do governo ao se comunicar com a população. Para ele, o cidadão
já não sabia se obedecia o ministro, que é médico e endossava as medidas de
isolamento social adotada por governadores e países para achatar a curva de
contaminação, ou se deveriam ouvir o presidente, que, como se sabe, não tem
formação na área, mas se auto-condecorou entendido no assunto a ponto de
anunciar a sua cura antes da hora e minimizar os estragos de uma enfermidade
que mata o equivalente a um acidente aéreo por dia só no Brasil. Isso sem
contar os casos subnotificados ou à espera da confirmação.
Enquanto o ministro previa o colapso do sistema de atendimento e pedia
para que as pessoas evitassem sair às ruas, Bolsonaro desobedecia as
recomendações, furava a quarentena, provocava aglomerações, abraçava
apoiadores, chamava a doença de gripezinha e de covardes os que ficavam em
casa. No auge da paranoia, viu nas medidas de contingência uma forma de
enfraquecer a economia e atingi-lo.
A atuação de Mandetta durante a crise foi elogiada até mesmo por
opositores, inclusive o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que chegou a chamar
a hashtag #FicaMandetta no Twitter. A pressão teve efeito, mas só durou uma
semana.
Após o anúncio da demissão, panelaços voltaram a ser ouvidos em alguns
bairros da capital paulista, como sinal de que Bolsonaro pode ter perdido o que
restava do apoio para conduzir o país durante a pandemia.
As pesquisas de opinião já apontavam de que lado ficaria a maior parte
da população caso o divórcio se consumasse. Para Bolsonaro, a popularidade repentina foi o maior dos pecados de
Mandetta. Dias atrás, ele admitiu que não se bicava com o auxiliar, a quem
faltava humildade e tinha virado estrela.
Pelo Twitter, o agora ex-ministro escreveu: "Acabo de ouvir do
presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde.
Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de
pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o
enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema
de saúde está por enfrentar".
Ele agradeceu a equipe que trabalhou com ele e desejou êxito ao
sucessor, a quem em entrevistas anteriores já deu recados de como será trabalhar no mundo paralelo de
Bolsonaro: “Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda,
depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está
tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo”.
O “camarada” já encontrou substituto para a empreitada. Será o
oncologista Nelson Teich. Com ele, Bolsonaro anunciou qual será a nova
orientação: “temos que reabrir emprego”. Teich assume, assim, com a missão de
privilegiar a economia em detrimento dos esforços para evitar a carnificina.
Mandetta não se dobrou. E deixa o governo com a popularidade mais alta que a do
chefe.
Isolado, Bolsonaro já foi derrotado pelo Supremo Tribunal Federal, que
deu aos estados e prefeituras o direito de tomar medidas relacionadas ao
isolamento social.
Mandetta entra, agora, ao time dos que foram enxotados pelo governo do
capitão pela porta dos fundos.
Como o general
Santos Cruz e Gustavo Bebianno, que caíram atirando, o ex-titular da Saúde, que
já não se continha em atribuir ao chefe os ataques à lógica, à disciplina, à
ciência e à defesa da vida, está livre agora para dizer, sem as amarras do
cargo, qual o seu diagnóstico da doença. João Doria, governador de São Paulo
(PSDB), tem até nome para isso: Bolsona-vírus.
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