Veja.com - Raquel Carneiro
© Globo / Victor Pollak/Divulgação Antonio Fagundes como o
personagem Alberto, dono de uma editora, em 'Bom Sucesso'
No próximo dia 1º de maio, Antonio Fagundes entraria
em cartaz no Rio de Janeiro com a peça Baixa Terapia, que
recentemente encerrou a temporada em São Paulo. Os planos foram adiados. Como
boa parte dos brasileiros, o ator e sua equipe estão em quarentena, os teatros
estão fechados e, sem patrocínio, a equipe se esforça para acertar as contas
que ainda precisam ser pagas. “Dependemos eclusivamente da bilheteria”, conta
Fagundes por telefone a VEJA. O ator de 70 anos se depara agora com uma nova e
inédita rotina. “Há 54 anos minha vida é trabalhar e viajar. Estou desfrutando
dos prazeres de ficar em casa.” Entre eles, ler muitos livros e ver muitos filmes, além de apreciar
a companhia da esposa, Alexandra Martins, e alimentar um novo vício: o
Instagram.
O ator falou a VEJA sobre a crise que se abate
sobre o mundo por causa do coronavírus e fez um apelo para que as pessoas
aprendam com os erros cometidos não só por outros países que minimizaram a ação
da doença, mas também com as lições que a história tem a ensinar. Confira:
Como tem sido
essa descoberta das redes sociais na quarentena? As redes são
envolventes: se você entra e fica… você fica, e fica, não sai mais. Dedico uma
hora e pouco por dia, tenho usado especialmente para dar dicas de livros aos
seguidores. Amo ler e agora estou tendo um tempo para leitura que normalmente
eu tinha de cavar entre meus dias movimentados. Lia enquanto esperava para
fazer uma cena, no período de refeição, tirava algumas horas de sono da minha
vida. Agora, basicamente sento e leio por horas. Estou lendo um livro a cada
dois dias. E em média uns três filmes por dia. Logo, o dia vago está ficando
curto.
Há muitos relatos de pessoas idosas
saindo de casa. O que diria para elas? Que elas devem olhar para o resto do
mundo, que está pagando um preço altíssimo por não ter se isolado antes.
Tivemos sorte, entre todas as aspas possíveis, de sermos um dos últimos países
a entrar nesse processo. É assustador o número de mortos na Itália, Espanha,
Estados Unidos. Espero que não aconteça conosco.
Há também nas
redes sociais e em noticiários de todo o mundo um aumento do “ageísmo”
(preconceito com idosos). São comuns hoje frases como “essa doença só mata
idosos”. O que pensa desse tipo de atitude? Primeiro, acho que
essas pessoas devem ser órfãs, pois ninguém pode em sã consciência não se
preocupar com a morte dos pais e dos avós, certo? Outra coisa: elas marcaram a
data para morrer? Porque, depois dos 40 anos de idade, já estamos todos mais
perto da velhice do que da juventude. É horrível quem não valoriza idosos. Todo
esse cenário me faz lembrar da frase de Edmund Burke: “Quem não conhece sua
história, está condenado a repeti-la”. Esse mesmo tipo de preconceito já foi
visto na história, com a eugenia. Na Alemanha, o nazismo eliminava idosos, uma
história que não pode se repetir. Eliminava-se também os que pensavam
diferente, os deficientes. O mundo está passando por isso de novo. Milhões de
pessoas morreram pela irracionalidade. E parece que não aprendemos nada com
isso.
Hoje discute-se política no Twitter. Não vejo como
seja possível falar sobre um assunto tão complexo em 140 caracteres. Eu gosto
de sentar e falar por horas. O diálogo racional é a solução para diminuir a
radicalização política.
O senhor tem
medo de ficar doente? Tem pensado nisso? Não tenho medo de
ficar doente. Acho desagradável ficar doente. Qualquer machucado me incomoda. E
morrer todos nós vamos. Agora, se eu puder adiar esse dia, fico feliz.
Gosta de falar
sobre política? Não, em entrevistas ou nas redes
sociais. Hoje discute-se política no Twitter. Não vejo como seja possível falar
sobre um assunto tão complexo em 140 caracteres. Eu gosto de sentar e falar por
horas, ouvir a opinião do outro e dar a minha. Tenho amigos que pensam
radicalmente diferente de mim, para todos os espectros, para a direita e para a
esquerda. Mesmo assim, a gente tem troca. E, quando conversamos, os dois lados
saem modificados. O diálogo racional, baseado em fatos e não em preconceitos ou
vontades, é a solução para diminuir essa radicalização política.
Qual sua opinião
sobre as políticas adotadas neste momento de calamidade pública, em que a saúde
e a economia estão em foco? Vimos agora as
falhas da política econômica liberal que se diz independente do Estado. Mas o
Estado tem, sim, funções e obrigação em participar de políticas econômicas,
como projetos para a criação de emprego e uma melhor distribuição de renda. A
principal dessas atribuições é a saúde, que não pode ser privatizada. Se o
mundo não der atenção à ciência e à saúde nos próximos anos, a próxima pandemia
vai ser muito mais letal.
O senhor atuou
diversas vezes com Regina Duarte. Ainda mantém contato com ela? Não, pois nunca
tivemos um contato além do profissional. Fomos bons colegas. Gosto dela. E eu
disse que quando ela entrou para a pasta da Cultura eu torcia para ela não se
queimar, pois imagino que um artista, por mais inteligente e capaz que seja,
vai ter muitas dificuldades de lidar com o circo que é nossa política. Aquilo é
para profissionais. Sei que ela está se queimando por todos os lados, com quem
apoia e com quem não apoia o Bolsonaro, com a classe artística. Mas minha
torcida ainda é que ela não se queime mais. Não tenho nenhum ódio ou sentimento
ruim por ela, assim como não sou ignorante de dizer que seria fácil lidar com o
monstro que é aquele ministério.
EM TEMPO: Muito bem. vamos defender o direito a vida, a saúde, ao lazer, etc, dos nossos idosos, "velhinhos na idade e novinhos em juízo e cultura". Agora durmam com essa bronca
EM TEMPO: Muito bem. vamos defender o direito a vida, a saúde, ao lazer, etc, dos nossos idosos, "velhinhos na idade e novinhos em juízo e cultura". Agora durmam com essa bronca
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