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Notícias, 13 de abril de 2020
A cardiologista e intensivista
Ludhmila Abrahão Hajjar, 42, diretora de ciência e tecnologia da Sociedade
Brasileira de Cardiologia, diz que está havendo um otimismo exagerado em
relação à cloroquina, que há riscos cardíacos no uso da droga e que
jamais a adotaria para casos leves do novo
coronavírus.
"Cloroquina não é vacina. Está
sendo vista como salvadora, e não é. Mas se você fala isso, já começa a apanhar
porque virou uma questão nacional de pressão. Mas a realidade científica é
essa, não tem evidência", diz a médica e professora do InCor (Instituto do
Coração).
Ela fez parte de comissão de
especialistas que se reuniu com presidente Jair Bolsonaro há duas semanas para discutir a
cloroquina. Bolsonaro ouviu deles sobre a falta de evidência da droga, porém,
seguiu defendendo o seu uso.
Hajjar também integra um grupo de
pesquisadores que tem estudado a eficácia e a segurança da cloroquina. Dados
preliminares de uma pesquisa em Manaus (AM) apontaram que altas doses da
substância aumentam a taxa de letalidade em pacientes graves internados.
Segundo a médica, o principal gargalo
da pandemia tem sido a falta de estrutura das UTIs brasileiras. "Não é só
ter respirador. Quando eu intubo um doente, ele fica 15 dias na UTI. Vai
precisar de fisioterapeuta 24 horas, antibiótico. Muitas vezes, morre de
infecção, maus tratos, não tem gente para cuidar, não tem profissional, não tem
material", afirma.
Há otimismo exagerado em relação à cloroquina?
LUDHMILA - Muito. Isso reflete o que
a gente está vivendo, milhares de pessoas infectadas, mortes e vidas em risco.
E, ao mesmo tempo, o impacto socioeconômico e certos países buscando soluções
rápidas. Mas, infelizmente, não temos.
Os ensaios in vitro demonstram um
potencial da cloroquina de inibir a replicação do vírus e a entrada dele na
célula. Porém, em estudos clínicos há uma escassez de dados e muita
controvérsia. Boa parte do otimismo vem de um único grupo de pesquisa da
França, mas os dados são cientificamente fracos.
De lá pra cá, alguns outros estudos,
também não confirmatórios, apontam que há resultados diferentes,
contraditórios. Não temos que ter expectativa grande e nenhum achismo em
relação ao uso da cloroquina até que se tenha dados comprovados.
O uso da cloroquina pode trazer riscos à saúde?
LUDHMILA - Os efeitos adversos não
são desprezíveis. Muita gente argumenta ao contrário: 'ah, é uma droga segura,
usada há anos na malária, na artrite reumatoide, no lúpus, as pessoas usam em
casa'. Mas a hipótese é que um dos principais efeitos colaterais dessa
medicação seja no coração, a arritmia cardíaca.
Quando a pessoa está com o coração
normal é mais difícil que a arritmia aconteça. Mas a gente tem que lembrar que
até 40% dos pacientes infectados pela Covid-19 têm algum tipo de injúria ao
sistema cardiovascular. É possível que no meio da infecção o sistema vascular
fique exposto, fique mais suscetível ao efeito colateral dessa medicação.
Nós temos visto isso aqui em São
Paulo, os franceses relataram mais de 30 casos de pessoas que tiveram problemas
graves com essas drogas, e as autoridades de lá reforçaram a condição de ela
ser usada apenas em ambiente hospitalar. Tanto a cloroquina como a azitromicina
podem induzir essa arritmia. A associação das duas torna-se isso ainda mais
possível.
E por que essa pressão em torno do uso?
LUDHMILA - Surgiram pessoas que foram
acumulando experiências e não evidências científicas, por exemplo, a Nise
[Yamaguchi] com os casos da Prevent Senior. Eu já disse: 'Nise, isso não dá
para ser replicado enquanto não tiver estudo comparativo, com grupo controle e
que tenha a mesma gravidade da doença, as mesmas comorbidades. Eu não posso
pegar isso e começar a pressionar o Brasil'.
Eu jamais adotaria hoje a cloroquina
na forma leve, de forma preventiva, sem ter evidência cientifica. Eu não
mudaria a prática clínica baseada só em experiência. Cloroquina não é vacina.
Está sendo vista como salvadora, e não é.
Quais são as outras opções terapêuticas estudadas hoje para a Covid-19?
LUDHMILA - Uma é com medicação com
efeito antiviral e a outra, com ação anti-inflamatória. Vários estudos estão
acontecendo no mundo, por exemplo, com os antivirais lopinavir e o ritonavir,
que são medicações para o HIV. Tem o remdesivir, o mundo tem uma grande
expectativa sobre essa droga. Ela foi eficaz no ebola, um antiviral de amplo
espectro, coisa que não existia até recentemente.
Antibióticos a gente dá para todos os
pacientes graves porque há muita pneumonia bacteriana associada. Também há
estudos sobre terapia anti-inflamatória, como corticoides, anticorpo
monoclonal, e com anticoagulante. Muitos hospitais têm usado esse arsenal todo,
mas, de novo, nada baseado em evidências.
Ou seja, não existe ainda um tratamento padrão?
LUDHMILA - Não existe. Mas se você
fala isso, já começa a apanhar porque a cloroquina virou uma questão nacional
de pressão. Mas a realidade científica é essa.
Isso foi falado no encontro com o
presidente Jair Bolsonaro. Mas parece que ele não se convenceu, certo
Ele estava ali mais para ouvir,
estava zero combativo. Ele disse: 'tenho dois problemas: o vírus de um lado e o
impacto na mortalidade, e do outro o impacto socioeconômico dessa doença.
Então, queria ouvir de vocês o que tem estudo, de resultado preliminar'. Aí as
pessoas envolvidas em estudos como eu falaram isso, os estudos estão
acontecendo e não temos nada.
Só que ai também haviam pessoas que
foram contar experiências pessoais, que são sempre cheias de emoção: 'ah! eu
evitei a internação do meu doente, o meu doente ficou muito bem!'. Não dá.
Assim não consigo falar de algo tão sério. Aí cabem todas as interpretações. Ele
ouviu e não emitiu opinião.
E sobre o isolamento, o que os cientistas recomendaram?
LUDHMILA - O isolamento surgiu na
conversa porque a gente acabou entrando no assunto. O tema central foi a
cloroquina. Alguns de nós, nos posicionamos que a melhor estratégia para evitar
transmissão era intensificar as medidas de isolamento, não tem nada melhor que
isso, infelizmente.
Qual tem sido o impacto da Covid-19 nas UTIs do país?
LUDHMILA - Gigante. Quando eu intubo
um doente, ele fica 15 dias na UTI. Lá, vai precisar de fisioterapeuta 24
horas, a UTI tem que ter todas as normativas de segurança em termos de
infecção.
Muitas vezes, esse doente vai morrer
de infecção secundária, maus tratos, não tem gente para cuidar, não tem
profissional, não tem material. Essa questão da estrutura das UTIs é central
nessa situação atual, é o nosso principal gargalo.
Municípios e regiões que sequer têm
UTIs, quando têm, não há estrutura. Eu vejo o número de internações aumentando
progressivamente a cada dia, o Brasil batendo mais de cem mortes em 24 horas e
as UTIs não estruturadas para receber esses doentes. Uma coisa é Einstein,
Sírio, Oswaldo Cruz, Samaritano, outra coisa é a realidade Brasil que não é
essa.
E UTI não é feita só de respirador, certo?
LUDHMILA - Exatamente, não é só
respirador. Como se eu carregasse o meu respirador debaixo do braço. O
respirador dá oxigênio, ponto. Tem que ter alguém cuidando do respirador,
aspirando o doente, tem que ter antibiótico, protocolo, tem quer a hora do
desmame.
Antes de começar os casos em São
Paulo, eu falei com os italianos e eles me deram várias dicas: 'Ludmila, não se
anima, não extube o paciente antes de três dias, cinco dias. O doente está
inflamado, é uma anestesia prolongada', existem muitas pecularidades no
tratamento dessa doença.
É uma pneumonia de longa duração.
Esse doente ficará 15 dias em média na UTI, de sete a dez dias intubado.
Precisando de cuidados de fisioterapia 24 horas, de respirador bom, de
antibióticos, de nutrição, de profilaxia de trombose, de prescrição adequada. O
desafio é gigantesco.
É preciso um esforço sobre-humano
para capacitar rapidamente fisioterapeutas e enfermeiras das enfermarias para
atuar na UTI, tem usar telemedicina. Individualmente, eu tenho tentado, não
paro de atender telefonemas, ajudando colegas do Brasil todo.
Eles dizem: 'eu intubei, olha esse
raio-X, o que eu faço?' Eu falo: 'faz isso'. 'Ah, mas eu não tenho isso',
'então vamos fazer assim'. A gente tem feito aulas diárias, lives, contando a
experiência de São Paulo, da Itália, da China. Estamos diante de uma guerra, os
doentes da UTI podem ter taxa de mortalidade de até 80%.
Como conseguir motivar os profissionais nesse momento de tanto medo,
estresse e falta de proteção?
LUDHMILA - Os profissionais de saúde
estão muito inseguros com as mortes de colegas, muita gente pedindo demissão.
Está superdifícil contratar gente no interior do Brasil. Os governadores têm
perguntado como fazer para motivar os profissionais de saúde. É hora de as
lideranças assumirem o seu papel e manterem as equipes motivadas e seguras.
A questão financeira também é
fundamental. Não basta só chamar para a guerra no sentido motivacional. É
preciso buscar formas de remunerar melhor, arranjar um fundo, um adicional
insalubridade por tudo o que os profissionais da linha de frente estão vivendo.
É guerra, e a gente precisa desses soldados.
****Por Cláudia Collucci, da Folhapress
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